312 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
cordata e uma concordata affrontosa sem a submetter á approvação das côrtes.
Ora o digno par o sr. Bocage. que me faz a honra do me ouvir, que tomou uma parte importante nas negociações relativas á concordata, e que o fez de uma maneira que o honra muito, defendendo sempre o direito e dignidade do seu paiz, já aqui protestou o outro dia, quando devia protestar, contra um epitheto, que se lhe afigurou uma accusação injustificada feita por um membro d'esta casa ao patriotismo de s. exa.
E ou que já na outra camara fiz a devida justiça, a s. exa., folgo em ter mais uma occasião para a esse respeito me pronunciar como devo.
S. exa. teve o supremo merito de nomear para nosso embaixador em Roma, e portanto para desempenhar a missão de negociador do tratado que se discute, o homem que estava mais talhado para este cargo, pela sua intelligencia e pelo seu amor e affeição ao seu paiz, e ao qual eu folgo tambem de prestar agora e sempre todo o preito que lhe é devido.
O sr. Bocage reconheceu as difficuldades que esta questão apresentava, e por isso acertadamente andou escolhendo para está missão um dos homens mais competentes e que mais serviços tem prestado ao seu paiz nos importantes cargos que tom exercido.
Mas voltando ao sr. arcebispo de Braga, direi que é com as proprias palavras de s. exa., e com a sua auctoridade, superior a todas que eu quero agora apreciar esse direito, consignado no artigo 14.° da concordata, e que eu sou a accusado de ter sacrificado.
(Leu.)
O sr. D. João Chrysostomo, analysando artigo por artigo a concordata, entende que o artigo 14.° é uma concessão, só e unicamente de ostentação.
(Leu.)
Portanto, na opinião do digno par, o direito que eu fui sacrificar e pelo abandono do qual este governo se tornou réu de lesa nacionalidade, esse direito era de pura ostentação, apenas podia servir, como serviu, para que a final obtivessemos a circumscripção das dioceses.
Nós concedemos á Santa Sé, é certo, a liberdade plena pela qual anciava, e concedemol-a, fazendo abandono de um direito que não tinhamos absoluta necessidade de usar, de que não nos convinha lançar mão por falta de pessoal, e, alem d'isso, porque, se quizessemos fazer uso d'elle, talvez encontrássemos algum obstaculo mais forte que se oppozesse a que similhante direito se transformasse em realidade. Mas cedemos esse direito puramente nominal, puramente de ostentação, segundo a propria apreciação do sr. arcebispo, cedemol-o em troca da circumscripção das dioceses de Goa.
O digno par, alludiu ao apoio que encontrára sempre no governo da India e no favor com que elle via a hierarcbia portugueza. E desde quando? Havia ali, é certo, o arcebispo de Goa; mas o bispo de Malaca, o de Cranganor, ò de Meliapor e o de Cochim, nem s. exa., que tem uma idade mais avançada do que muitos outros membros da camara, o que ainda acrescenta ao respeito que por tantos titulos todos lhe devemos tributar, nem s. exa. nem os mais antigos dignos pares, souberam jamais que elles existissem. Existiam sómente no papel, emquanto que hoje existem, estão funccionando, são recebidos e acatados.
Observou tambem o digno par: mas o governo era o proprio que confessava a necessidade de ser submettida a concordata á sancção parlamentar. Leu para isso os meus telegrammas e poderia ter lido muito mais. S exa. não encontra um unico documento no Livro branco, o qual tenha a minha assignatura, em que se não falle na conveniencia de trazer ás côrtes esta concordata.
O digno par referiu-se apenas a dois telegrammas contendo instrucções. para o embaixador; ha, porém, despachos meus bem mais importantes, que demonstram constantemente aquella intenção.
Os ministros é que são juizes da conveniencia ou inconveniencia da publicação de certos documentos no Livro branco, e ninguem póde contestar-lhes esse direito; elles é que são os responsaveis, e como taes sabem aquillo que, sem inconveniente para os interesses do paiz, póde ser ou não publicado. Era-me possivel visto não haver meio de se fiscalisar sempre até que ponto elles vão no uso d'este direito, era-me possivel ter supprimido essa parte dos despachos em que alludia á necessidade, que reputava existir, de trazer este documento ás camaras legislativas. Não o fiz. Ahi estão todos os meus despachos. Não lhes supprimi nem uma palavra.
E no emtanto o decreto que approvou e auctorisou a ratificação da concordata, contém as referendas do ministro da marinha e ultramar e o do ministro dos negocios estrangeiros!
Estavamos no exercicio de poderes extraordinarios, que tinhamos assumido, sé bem se mal, a camara o julgará quando discutir o bill de indemnidade, estavamos legislando. Se por acaso, n'essa occasião, eu tivesse levado os meus collegas a publicar em dictadura essa ratificação, e a encorporal-a depois no bill que tem de ser presente ás duas camaras legislativas, sanavam-se, assim, todas as difficuldades que hoje se levantam e que eu previa, mas não quiz recorrer a um tal expediente, tendo sempre sustentado a conveniencia de trazer este documento ás côrtes, e isto porque não queria que se desse uma interpretação qualquer ao acto do governo, que trouxesse novos embaraços ou que pozesse em duvida, perante uma entidade estranha, a legalidade do modo por que o governo tinha procedido. Levaria por diante o meu modo de ver, se eu não entendesse, em vista das instancias que se apresentavam, que não podia legitimamente furtar me a ellas, visto que se não tratava de uma concordata nova, e apenas se dava cumprimento ou execução a um dos artigos da concordata do 1857, nos termos e condição desde muito previstas por Vicente Ferrer.
Repito, pois, que a ultima concordata não é mais do que o regulamento ou acto addicional a que se refere a concordata de 1857, pelo que respeita á circumscripção das dioceses.
Apesar de tudo isto, teria de certo sido muito melhor que o parlamento tivesse Inteiro conhecimento do assumpto de que se tratava para sobre elle deliberar aquillo que julgasse mais conveniente; mas o governo abandonou este proposito, que não era essencial, que representava apenas um excesso do escrupulo, e fel-o em vista das solicitações instantes da Santa Sé.
E o governo podia ainda eximir-se a publicar em dictadura a ratificação da concordata de 1886, cingindo-se estrictamente ao artigo 15.° do acto addicional á carta, que se refere á execução de medidas urgentes e inadiaveis para o ultramar.
O governo não recorreu, porém, a este preceito da lei muito de proposito, porque, repito, não era um assumpto legislativo novo, e apenas cumprimento de um dos artigos de uma concordata anteriormente celebrada, e não recorreu ainda a esse meio, porque d'essa fórma se estabelecia um precedente que poderia acarretar funestas consequencias.
Aqui tem, pois, a camara, a explicação cabal, positiva e peremptoria do acto do governo.
Não houve infracção constitucional, porque a concordata de 1857 dava ao governo a faculdade de tratar com a Santa Sé, ácerca do assumpto a que se referiam os artigos 11.° e 12.° da mesma concordata, e evitou-se cautelosamente recorrer para a resolução de difficuldade ou á dictadura ou ao preceito contido no artigo 15.° do acto addicional á carta, porque se não quiz estabelecer um mau precedente, e porque os termos da primitiva concordata com a Santa