SESSÃO N.° 30 DE 24 DE JULHO DE 1908 5
da palavra sobre o projecto. Quando se iniciou a discussão, nem sequer sabia de que projecto se tratava. O que ouvi ao Sr. Ministro da Marinha e ao Digno Par Sr. Jacinto Candido levou-me a pedir a palavra, não para os combater, mas para fazer algumas considerações sobre assuntos vitaes para a sociedade portuguesa. Discute-se a força naval, e, a proposito d'ella, foram feitas considerações sobre a marinha de guerra, sobre a administração colonial, e ainda sobre o Cuanhama. Procedo da mesma maneira, não falando por falar, mas porque não quero que o meu silencio signifique approvação de todas as ideias e opiniões que ouvi expender. A minha opinião sobre a marinha de guerra é já conhecida: tratar da marinha colonial, como absolutamente necessaria ao exercicio do dominio português, e, logo que as circunstancias financeiras o permitiam, organizar a marinha de guerra por maneira a poder evitar una golpe de mão ou um enxovalho, dotando-a com o que for necessario para esse fim, mas sem os pruridos de para já organizar uma esquadra de combate. Uma esquadra nestas circunstancias serviria para um de dois fins: ou para uma acção isolada contra qualquer potencia naval, ou para auxiliar nação amiga, em caso de guerra maritima.
No segundo caso, a Inglaterra nem precisaria do nosso auxilio naval, nem deixaria de receber serviços de maior valia do exercito de terra, quando elle seja collocado nas condições de desenvolvimento e de perfeição que á nação convem que tenha.
Nada faz prever que o Brasil, nação a que nos ligam os mais estreitos laços de fraternidade, venha precisar, na Europa, do auxilio, que da melhor vontade lhe prestariamos.
Na hypothese de prepararmos uma esquadra de combate para uma acção isolada, todos os nossos sacrificios seriam inuteis, e enormes são elles, pelo custo e sustentação dos navios de guerra. As nossas relações são amigaveis com todas as nações, felizmente, e nenhum indicio ha de que venham a perturbar-se, o que não impede que possamos estabelecer a hypothese de nos vermos na necessidade de auxiliar ou de combater algumas nações da Europa e da America, que comnosco teem affinidade, a que nos ligam laços de estreito affecto, ou que, pela sua situação geographica em relação a algumas colonias ou aos Açores, nos podem expor a incidentes desagradaveis.
São ellas a Inglaterra, o Brasil, os Estados Unidos da America, a Allemanha, a Franca, a Hollanda e a Espanha. Basta ver a força que já teem, e a que pretendem aumentar, para desde logo se reconhecer que o adquirirmos mais dois ou tres navios, sobretudo como os que possuimos, isso é absolutamente indifferente, envolvendo um sacrificio inutil. O que se fizer execute-se com um plano geral de defesa por terra e por mar, e até lá não façamos sacrificios que venham aggravar a nossa situação financeira e que, sob o ponto de vista militar, sejam inuteis. Conforme se vê do livro de Balincourt, Les flottes de combat, em 1908, as nações a que me referi encontram-se nas seguintes circunstancias navaes:
A Inglaterra possue 55 couraçados d e 1.ª linha, 6 couraçados de 2.ª, 38 cruzadores-couraçados, 58 cruzadores protegidos de 1.ª classe, 13 cruzadores protegidos de 3.ª classe, 8 estafetas, 1 cruzador porta-torpedeiros, 17 canhoneiras contra-torpedeiros, 40 destroyers de 27 milhas, 69 de 30 milhas, 34 de 25 milhas, 7 de 800 toneladas, 80 torperdeiros do alto mar, 25 torpedeiros e 36 submarinos. Ao todo 487 navios E os arsenaes ingleses preparam sempre novas machinas de guerra.
A França possue 32 couraçados de 1.ª classe, 9 de 2.ª, 4 guarda-costas, 23 cruzadores-couraçados, 15 cruzadores protegidos, 4 cruzadores não protegidos, 11 avisos, 12 contra-torpedeiros, 59 destroyers, 39 torpedeiros do alto mar, 224 torpedeiros de defesa naval, 57 submersiveis e 39 submarinos. Ao todo 525 navios.
A Allemanha possue já 37 couraçados, 9 cruzadores-couraçados, 9 cruzadores protegidos, 39 cruzadores de estação e canhoneiras, 2 avisos, 10 torpedeiros do alto mar, 47 torpedeiros e submarinos e 72 destroyers. Ao todo 223 navios, continuando, porem, as construcções pequenas, conforme o plano adoptado para ter execução até 1918. Os Estados Unidos teem já 29 couraçados de esquadra, 15 cruzadores-couraçados, 10 guarda-costas, 25 cruzadores protegidos, 16 pequenos cruzadores e canhoneiras, 16 destroyers, 4 torpedeiros do alto mar, 35 torpedeiros e 12 submarinos. Ao todo 162 navios, numero que está sempre a aumentar por novas construcções e acquisições.
O Brasil, que deve ser considerado a continuação da nossa patria, possue 6 couraçados, 4 cruzadores, 5 canhoneiras, 10 torpedeiros de 1.ª classe e 8 de 2.ª Tem em contracção 3 couraçados de 19:000 toneladas, typo Dreadnouyht, 2 canhoneiras-torpedeiras e 2 cruzadores. Projecta adquirir 6 destroyers, 12 torpedeiros, 3 submarinos.
A Hollanda, nossa vizinha na ilha de Timor, se não tem uma grande esquadra do alto mar possue 15 cruzadores-couraçados, 1 guarda-costas, 1 cruzador protegido e 30 torpedeiros de defesa.
A Espanha, apesar de ter perdido as suas [...] em Manilla e Santiago de Cuba, tem ainda 1 [...], 3 cruzadores couraçados, 5 cruzadores protegidos, 8 canhoneiras-torpedeiras, 4 destroyers e 4 torpedeiros.
Organizou o seu programma de aumento da marinha de guerra constante de 3 couraçados de 15:000 toneladas, typo Agamemnon, 3 contra-torpedeiros, 25 torpedeiros e 3 canhoneiras-costeiras.
Se nós quisessemos acompanhar este movimento naval, teriamos de fazer tudo, porque tudo está por fazer.
A Espanha pouco melhor está do que nós, se é que está melhor, mas prepara se para melhorar as suas condições navaes.
Nós não podemos fazê-lo por agora, ante a difficil questão financeira?
Emquanto as circunstancias se não modificarem, teremos de cuidar da construcção de pequenos navios de guerra para o serviço entre os nossos portos coloniaes e navegação dos rios. No meu tempo mandei construir duas lanchas - a Farim e a Cacheu - para a Guiné e duas outras para o rio Zambeze. Apropriei a canhoneira o pequeno navio Alvaro de Caminha, e depois d'elle pouco mais se fez, se alguma cousa se fez mais.
O Arsenal, depois do D. Amelia, produziu a Patria e a torpedeira Tejo, que não abonam a obra d'esse estabelecimento do Estado.
A marinha de guerra é carissima, consequencia do elevado custo dos navios - um couraçado do typo Dread-nougth custa milhão e meio de libras - e, alem disso, ha o seu custeio, que é dispendiosissimo.
Já o mesmo se não diz da marinha mercante.
Com um pequeno subsidio conseguiu-se a navegação portuguesa para Moçambique, realizando uma antiga aspiração do país, e sendo da mais reconhecida conveniencia para as relações entre as colonias e a metropole, e do maior alcance politico.
Lutei por esse grande melhoramento e venci. Identica luta teria vencido, se não tenho saído do Governo, em 1904.
A minha proposta de lei de navegação para o Brasil seria lei; a navegação portuguesa para a grande Nação brasileira seria um facto, e Portugal teria dado um passo do gigante para as relações politicas entre es dois países, com um consideravel alcance para as relações commerciaes entre os mesmos.
Hei de lutar pela resolução d'este problema, que se me afigura vital para a Nação portuguesa, por nos poder levar, com uma zona franca para os productos brasileiros, a um tratado de commercio que salve a nossa arruinada economia.