O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

20 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

minai, admittido o juro de 6 ou 7 por cento, como seria mais justo.

Mas - segunda hypothese - se os bens da herança forem nullos ou muito inferiores aos encargos, se o passivo exceder o activo, então a situação do Rei de Portugal é muito diversa da de qualquer outro cidadão português.

Um individuo, como eu, que viva da remuneração do seu trabalho, pode, para honrar a memoria de seu pae, tomar a si o pagamento das dividas por este deixadas que excedam o activo da herança, consignando para esse effeito durante um certo numero de annos, vinte por exemplo, uma parte maior ou menor dos seus vencimentos.

O Rei de Portugal é o unico cidadão português que não pode usar livremente d'esse direito, porque a dotação que recebe é intangivel, insusceptivel de consignação e preceptivamente destinada, não a remunerar o seu trabalho, para o que seria absurdamente excessiva, mas exclusivamente a manter o prestigio da Coroa.

Se, portanto, pelo proprio testemunho do Monarcha ou por qualquer outro meio de investigação, viesse a ré conhecer-se que a dotação proposta podia, alem do fim para que é constitucionalmente destinada, comportar outra qualquer applicação, isso só provaria que ella era excessiva, e ás Côrtes Geraes corria o estricto dever de reduzi-la immediatamente ao que fosse exclusivamente necessario para o fim prescrito na Carta Constitucional.

Assim, nesta segunda hypothese, o artigo 5.° briga manifestamente com o artigo 1.°, porque, fixando este a quantia que é estrictamente necessaria e sufficiente para manter o decoro da magistratura real, aquelle vem impor a reducção maior ou menor, ou antes a consignação, durante vinte annos, de uma parte da referida quantia, que assim ficará abaixo do necessario.

O artigo 5.° não pode, pois, nem deve subsistir, porque na primeira hypothese representa um favor injustificavel feito á Coroa, e, na segunda hypothese, uma espoliação violenta e inconstitucional.

Se, apuradas as contas, o artigo 5.° vier a determinar uma deducção na lista civil, de 40 contos de réis, por exemplo, durante vinte annos, aquelles que estão dispostos a votar esse artigo devem, para proceder logicamente, eliminá-lo por completo e reduzir de igual quantia a dotação de 365 contos de réis, fixada no artigo 1.°: até para não cairem no contrasenso de autorizarem, a partir do 21.° anno do actual reinado, uma lista civil superior á que se considerou sufficiente durante os primeiros vinte annos.

Mas a deducção imposta no artigo 5.° é de 40, é de 50, de 60, ou de quantos contos de réis?

Ninguem o diz, porque ninguem o sabe.

Isto mostra como este projecto de lei foi mal apresentado ao Parlamento, desacompanhado de todos e quaesquer esclarecimentos e precedido apenas de um relatorio banal, onde em tres linhas se diz:

«Em conformidade com as prescrições dos artigos 80.° e 81.° da Carta Constitucional da Monarchia, tem o Governo a honra de vos apresentar o seguinte».

E nada mais para justificar um projecto tão importante como este.

Não, não era assim que o Governo deveria ter trazido a questão ao Parlamento se queria resolvê-la ás claras, com sinceridade e boa fé, á luz da verdade, da razão e da justiça (Apoiados).

Entre a organização do actual gabinete e a apresentação d'este projecto de lei á camara dos Senhores Deputados mediaram quasi quatro meses; tempo era este de sobra para o Governo:

1.° Proceder, pela Direcção Geral da Thesouraria, contraditoriamente com a Administração da Casa Real, ao apuramento da conta definitiva do debito da mesma Casa ao Estado, com indicação dos despachos dos diversos Ministros que hajam autorizado os adeantamentos comprehendidos na referida conta, consultando para esse effeito, se o julgasse necessario, a commissão extra-parlamentar de que trata o artigo 5.°, e que poderia nomear por acto do poder executivo.

2.° Proceder, por intermedio das mesmas entidades, ao exame cuidadoso do orçamento annual das receitas e despesas da Casa Real, para se poder fixar em bases seguras a importancia da futura dotação de El-Rei.

3.° Proceder de igual forma á avaliação dos bens da herança de D. Carlos para se averiguar a sua insufficiencia em relação aos encargos legados.

Com estes estudos, acompanhados de um largo e circunstanciado relatorio e apresentados lealmente ao Parlamento, poderia este ter resolvido o problema da lista civil e do reembolso dos adeantamentos com pleno conhecimento de causa e com a generosidade e o espirito de justiça que são o distinctivo das nossas assembleias politicas (Apoiados).

Não o fez, porem, o Governo, que achou preferivel recorrer á habilidosa invenção do primitivo artigo 5.°, e depois á injustificada teimosia da sua conservação na lei, apesar de radicalmente modificado.

Pois eu, para formar o meu juizo e justificar o meu voto, procurara! Pelo meu proprio esforço, e recorrendo a meios de informação mais ou menos indirectos, preencher a falta do Governo.

E primeiro que tudo, a quanto monta, ainda que seja aproximadamente, a divida da Casa Real ao Thesouro?

Não m'o soube dizer o Sr. Ministro da Fazenda, quando a esse respeito o interroguei na commissão de fazenda.

Mas o relatorio que precede o decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907 fixa em 771:715$700 réis a totalidade dos abonos feitos pelo Thesouro á Casa Real, desde 11 de marco de 1899 até 1906.

Ora, deduzindo d'essa importancia 1:980 francos, ou 356$400 réis ao par, abonados pelo Sr. Conselheiro Teixeira de Sousa, em 7 de julho de 1903, ao nosso Ministro em França e não á Casa Real, os quaes figuram, pois, por lapso manifesto, naquella conta; descontando igualmente 19:610$000 réis, abonados ao Sr. Infante D. Affonso, que, tambem indevidamente; nella apparecem; e encontrando no saldo o valor do yacht D. Amelia, que custou 306 contos de réis, e se acha encorporado na Marinha Real Portuguesa desde 27 de abril de 1899; fica a divida com que se contou no relatorio de 30 de agosto de 1907 reduzida a 445:749$300 réis.

Mas, por outro lado, ha que attender, como parece justo, ao agio, em relação aos abonos feitos pelo Thesouro em moeda estrangeira e calculados na referida conta, ao par, o que representa uma despesa de cerca de réis 255:600$000; e ha ainda a acrescentar a parte correspondente a cinco meses, de setembro a janeiro, do aumento da lista civil, decretado ditatorialmente em 30 de agosto, ou seja, 66:666$667 réis; o que elevará a divida da Casa Real a cêrca de 768 contos de réis.

Para contrapor a esta avultada divida, alem de outras contrahidas com diversos, qual á o valor dos bens herdados por D. Manuel?

A resposta a esta pergunta é mais difficil de formular e mais sensivel se torna, portanto, a falta do inquerito a que o Governo devera ter mandado proceder sobre tal assunto.

Ainda assim no relatorio de 30 de agosto, lê-se o seguinte:

«Vendidos os diamantes para comprar inscrições, vendidas as inscrições para pagar emprestimos, empenhados até á quasi completa absorpção dos seus rendimentos os bens particulares da Casa de Bragança, já nada havia que vender, nem que empenhar».

Recorreu se então aos expedientes, mencionados no mesmo relatorio; primeiro foi a liquidação de antigas reclamações da Casa Real, e, depois de esgotado este meio, foram os adeantamentos do Thesouro a descoberto e as