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8 Diário da Câmara dos Deputados

Antes, porém, de os apontar à Câmara, devo fazer mais urna vez a declaração formal de que não movem a minha atitude propósitos de facciosismo político, religioso ou simplesmente pessoal.

Nada disso.

O meu desejo é, apenas, de ver as Universidades do meu País elevadas àquela posição em que elas devem permanentemente estar, num regime democrático como o nosso, que precisa ainda de fazer uso de todos os instrumentos para se radicar de vez no espírito do povo.

Mas o que vemos nós? Vemos que êsses organismos que vivem à casta do Estado se permitem procedimentos que muito bem podem, em determinado momento, comprometer a vida da Nação.

Ainda hoje são cheias de actualidade as - cartas de Ribeiro Sanches, precioso volume que existe na estante de todos aqueles que se interessam pelas questões de ensino.

Efectivamente, é preciso que tenhamos as suas palavras presentes no nosso espírito para não cairmos na mesma desgraçada situação que êle nos aponta por entre a sua mais desassombrada condenação, e que poderia ser nesta conjuntura deplorável para a República e para o País.

Sr. Presidente: o mais alto grau académico que as faculdades concedem em Portugal, é o de doutor. Êsse grau é conferido após a apresentação duma tese de doutoramento e é, na faculdade de medicina, obrigatória para os indivíduos que desejam exercer a profissão, de médico.

No mês passado foi julgada com 18 valores uma tese intitulada «Lourdes e a Medicina» que logo na primeira página contém as palavras nihil obstat, firmadas por um cónego censor, e imprimatur, com a assinatura do Sr. Bispo de Coimbra.

Quere dizer: o autor da tese antepõe ao juízo da Faculdade o placet das autoridades eclesiásticas!

E isto é possível num país que possui uma Constituição que estabelece o ensino neutro em matéria religiosa!

Muitos apoiados.

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — O autor da tese em questão escreveu aquilo que quis e estava no seu direito.

O Orador: — Não estava tal, porque o regulamento da Faculdade de Medicina estabelece que as teses versarão apenas assuntos de medicina...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Isso é que é liberdade!

Sussurro.

Trocam-se àpartes.

O Orador: — Nunca, nem mesmo no tempo da monarquia se aceitou na Universidade uma tese com tal assunto e tal s orientação.

Do que lemos no texto da tese, conclui-se que cinco anos de longo e trabalhoso curso não chegaram ac doutorando para encontrar matéria para escrever a mesma tese, mas três dias que esteve em Lourdes foram suficientes para fazer um trabalho que pôde ser classificado como tal...

O Sr. Paulo Cancela de Abreu: — Tanto os milagres de Lourdes interessam à medicina que ainda há bem poucos dias o Sr. Ferreira de Mira publicou no Diário de Notícias alguns artigos interessantes a tal respeito.

O Orador: — E como o regulamento da Faculdade de Medicina determina que a tese seja um trabalho original, o doutorando limitou-se a transcrever na íntegra, sem qualquer parcela de investigação ou de crítica, os escritos de alguns módicos empregados no santuário de Lourdes.

As conclusões finais não são as que devem tirar-se num trabalho que tem de ser apreciado, como tese, por uma faculdade de medicina.

Muitos apoiados.

Sr. Presidente, acabo de demonstrar à Câmara, com êste caso, que a Universidade de Coimbra saiu para fora das leis e dos princípios que norteiam o regime em que vivemos.

O meio da Universidade de Coimbra é de tal ordem que, havendo numa das faculdades um professor, antigo republicano e liberal, o Sr. Angelo da Fonseca, que há dois anos foi atingido por uma sindicância feita aos hospitais, e que o deixaria porventura, mal colocado, para conseguir a solidariedade dos seus cole-