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18 Diário da Câmara dos Deputados

a pôr em conta corrente, bem como o trigo existente no Pôrto, porque previa que daí a poucos dias ficaria sem farinha e sem trigo nessa cidade.

Esta violência da parte do Govêrno passou sossegadamente, sem protestos; e ficou assegurado assim pão até ao dia 15 do mês corrente no Pôrto, deixando mais tempo disponível ao Ministro para cuidar do problema em Lisboa.

Em Lisboa toda a gente me dizia que estivesse descançado, porque tínhamos ainda bastante farinha. E assim devia ser.

Entretanto soube que o vapor que trazia o segundo carregamento de trigo tinha encalhado. Foi êste o primeiro embaraço do Govêrno nesta questão.

Eu tinha mandado abrir, logo depois da compra dos dois primeiros carregamentos, um concurso para o fornecimento de 60:000 toneladas de trigo, que davam para uns meses, com entregas escalonadas, e com um financiamento financeiro o melhor possível.

Entretanto os preços do trigo no mercado estrangeiro subiam dia a dia, às vezes com saltos diários de 5 por cento; e quando chegou o dia do encerramento do concurso, 28 de Janeiro, foi um verdadeiro dia de pânico em todo o mundo, especialmente em Buenos Aires, porque de hora a hora subia o preço do trigo, que chegava às cotações máximas dos últimos 26 anos.

O momento era péssimo, e a mais banal sciência comercial aconselhava que nestes dias de pânico se comprasse o menos possível.

Como as propostas apresentavam condições inaceitáveis de cotação para uma entrega imediata, amarrando-me ùnicamente ao mercado de Buenos Aires, que era justamente aquele que eu sabia mais influenciado pelas manobras europeias, eu resolvi, cheio de tristeza, não comprar trigo nenhum nesse dia, e marquei êsse dia como um dos mais negros da minha vida.

Abri imediatamente concurso para dois carregamentos de trigo. E no entretanto, o navio fantasma do trigo não se sabia dêle. E esgotava-se a farinha de Lisboa.

Reuni a comissão sempre que pude. Mas havia momentos em que não houve tempo nem de vir aqui, nem de reünir a comissão.

Só burocratas é que me podem censurar por isso. Sabem lá o que foram êsses dias de angustia, com os navios estrangeiros ao Tejo para a festa de Vasco da Gama! ...

Não perdi a minha serenidade (e quási a ia perdendo agora ao lembrar-me do passado) perante as dificuldades do problema. Mas os meus embaraços cresciam dia a dia.

Tentei a compra de navios flutuantes de trigo. Não os havia; ou os dois que puseram à minha disposição eram por um preço a escaldar. Tentei trazer trigo do Alentejo para Lisboa. Devo fazer notar que a farinha que saíu de Lisboa, embora em quantidades importantes, não teve influência alguma na dificuldade do problema.

Lisboa - a Lisboa de muitas e desvairadas gentes, ao soalheiro cansada de proezas e mares, como disse Fialho - depois de bocejar pela manhã, come cêrca de 200 toneladas de trigo, todos os dias. Mas, como disse, não era a farinha que saiu que trouxe maiores dificuldades ao Govêrno. Não quere isto dizer que eu consentisse tal fuga; sejamos claros. Não tinha outra solução no momento senão o confisco da farinha e do trigo de Lisboa. Estava em face dum problema delicado e resolvi-me pela máxima resistência.

Empreguei toda a minha fôrça de convicção para os sacrifícios; os sacrifícios, porém, só merecem ser assam chamados pelos outros, quando custam pouco mais que palavras. Mas quando custam muito dinheiro, os sacrifícios não há quem os faça. E o Ministro da Agricultura (que nunca o foi porque até agora tem sido apenas o Ministro do pão e do peixe), teve de recorrer à farinha que pôde obter, marcando-lhe o preço correspondente ao legal do trigo, 1$80.

Essa farinha da província não vinha toda no diagrama correspondente ao que estava em vigor, porque não era possível. Noutra parte qualquer, o Ministro da Agricultura decretava o negro pão da guerra. Mas o Ministro da Agricultura, tentou resolver as cousas com a menor dificuldade para a população de Lisboa e sem prejuízo para o Estado.

Eram poucos os dias de sacrifício, porque se esperava o vapor a cada momento.