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892 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 91

Admitida como real e possível, a situação seria delicada de ambas as maneiras.
Poderá sair-se da dificuldade estabelecendo que aos dirigentes dos organismos de coordenação económica deve ser conferida uma representação de natureza especial, intervindo nos conselhos da corporação ou das secções na qualidade de meros assistentes, com audiência, mas sem voto. Isto para manterem a sua posição de independência, sem de qualquer modo se vincularem, como membros da corporação, a decisões que não pudessem cumprir no exercício da sua função oficial, como executores do comando governativo.
Outra, saída para u dificuldade dir-se-ia ser a que foi posta mais acima, logo que se enunciou a questão que debatemos: eram as secções da corporação que deveriam fazer-se representar junto dos organismos de coordenação económica.
Esta hipótese parece de rejeitar in limine. Constituiria uma autêntica inversão de valores, só admissível num clima de corporativismo de Estado. Inversão de valores, ainda, noutro aspecto tão relevante como o anterior, qual seria o de subordinar o geral - a corporação no seu vasto âmbito - ao particular, que seria normalmente o círculo mais restrito das actividades adstritas ao organismo de coordenação económica.
Não é preciso mais para repelir em absoluto a alternativa formulada nem talvez necessário aclarar que com ela ficávamos assistindo à destruição total, pedra após pedra, dessa ideia do corporativismo autónomo em que assenta a concepção portuguesa.
Como resolver então o problema?
Recorde-se que começámos por pôr em dúvida que em toda esta questão houvesse realmente uma «dúvida».
Parece não haver. Circunscrevendo-nos exclusivamente ao articulado da proposta de lei, o mecanismo da competência da corporação quase exclui a hipótese de colisão entre ela e o organismo de coordenação económica. Isto porque, atribuindo-se à corporação, em matéria económica ou económico-social, apenas uma competência para «propor» normas ao Governo ou estabelecê-las, mas com o seu e assentimento», tal significa que, com o acordo ou desacordo do organismo de coordenação económica, qualquer decisão tomada nestes sectores visará ùnicamente uma «proposta» a fazer subir ao Governo; e será este quem a aprova ou rejeita, sem estar em causa, ao menos directamente, aquele organismo.
Não há, portanto, dificuldades deste matiz no pertinente à representação dos organismos de coordenação económica. A grande complexidade estará, sim, na divisão de funções que urge fazer entre os organismos desse tipo que sobrevivam e as corporações nascentes. Isso já é, porém, um outro problema.
E, como elucidação, dir-se-á ainda que se entendeu dar todo este desenvolvimento à questão posta só pelo motivo justificável de ter sido concretamente suscitada a dúvida que se discutiu, e alvitrada, também concretamente, uma das soluções criticadas.

68. Encaremos agora um outro aspecto do relacionamento entre corporação e organismo de coordenação económica, que constitui uma verdadeira dúvida e também foi concretamente levantada. Depreendendo-se da base III que os mesmos indivíduos que compõem uma dos secções da corporação constituem também a «junta em sessão» (no caso de uma junta nacional reunida em plenário), tal significa que um determinado assunto poderá ser estudado, com o mesmo critério, na corporação ou no organismo de coordenação económica.

E, sendo assim, qualquer dos dois organismos poderá tomar a iniciativa desse estudo e deliberar sobre ele ou propor ao Governo as medidas julgadas convenientes ou deverão caber a algum, deles especificadamente essas ou alguma dessas funções?
Reconhece-se que a solução é duvidosa. E foi exactamente pela possibilidade de casos como este - pois tantos outros podem e devem surgir - que mais atrás obtemperámos ser o critério da proposta de lei acerca dos organismos de coordenação o mais praticável e realista, mas também, e com certeza, o mais dificultoso na execução e menos correcto no rigor dos princípios.
Contudo, raciocinemos sobre as bases em que repousa a economia da proposta de lei e a construção do nosso corporativismo autónomo, dado que só por essa via poderemos buscar uma conclusão harmónica.
Quanto ao primeiro ponto - qual dos organismos pode tomar a iniciativa de estudar um problema? -, nem sequer seria necessária qualquer fundamentação para logo responder que ambos devem ter essa faculdade, ou, melhor ainda, que qualquer dos membros da secção, ou da «junta em sessão», o poderá fazer por direito próprio e conforme a prática universalmente consagrada.
Aliás, há na pergunta formulada um certo fundo de confusão, visto que não é possível destrinçar nìtidamente a secção da corporação e a «junta em sessão». Esta circunstância é mais uma dificuldade a ter em conta e confirma inteiramente o que já se afirmou e repetiu a propósito do critério da proposta de lei neste particular: imposto pelo condicionalismo real, mas pouco correcto nos princípios. E serão fatais, por isso, os obstáculos à sua execução.
Mas passemos a encarar o núcleo central desta dúvida: será a corporação ou o organismo de coordenação económica que deve submeter ao Governo a proposta para a disciplina do caso sujeito?
Aqui têm já que funcionar os princípios, como se afirmou.
Assim, se nos colocarmos apenas, e objectivamente, perante a hierarquia dos valores, e se a corporação normalmente é o «geral» e o organismo de coordenação económica o «particular», poderemos concluir desde logo que será a corporação o organismo competente para entrar em contacto com o Governo.
Mas tomada essa hierarquia de valores agora sob um ângulo subjectivo, em que se considere a pessoa moral Estado, na sua posição mais qualificada e soberana, perante a pessoa corporação, constituída por particulares - qual delas é hierarquicamente superior?
Ainda poderia argumentar-se pela igualdade de grau hierárquico- - duas entidades independentes e sem subordinação uma perante a outra -, mas a tese não resistiria a uma análise, por menos profunda que fosse. Não vale a pena fazê-la; e concluiremos, de seguida, que é o Estado o elemento inquestionàvelmente mais valioso.
Ficaremos, deste modo, não já em presença duma hierarquia de valores, dentro da qual se haverá de decidir, mas sim entre dois critérios de hierarquia - objectivo e subjectivo. Qual deve prevalecer?
Não vamos entrar em consideração com a circunstância de aqui poder pôr-se também o problema da hierarquia entre o «objectivo» e o «subjectivo», sendo aquele, porventura, o mais valioso e prevalente, porque, como critério, é mais geral. Reconhecemos, porém, que discuti-lo seria entrar em certa profundidade pelo terreno filosófico, o que - mesmo não havendo outras razões impeditivas - havia de julgar-se deslocado neste parecer.