7 DE JUNHO DE 1956 893
Seguiremos, pois, diferente caminho para atingir uma conclusão.
A toda a economia da proposta de lei preside a ideia de transitoriedade quanto aos organismos de coordenação económica; e o princípio da autonomia da corporação também reclama esse carácter transitório. Por outro lado - e com certeza por isso mesmo -, é o organismo de coordenação económica que se integra na corporação, e de modo nenhum esta que vai enquadrar-se naquele organismo.
Destes pressupostos - e tendo mais uma vez em consideração o facto ponderoso de ser a corporação, o «geral», perante o «particular», organismo de coordenação - ressalta naturalmente o resultado lógico a que seremos conduzidos de, na hipótese vertente, ser a corporação o organismo competente para submeter ao Governo qualquer proposta.
Este parece ser o procedimento devidamente correcto. Pode acontecer, porém, que, em casos especiais, a própria corporação encontre maiores vantagens - por mais expedito ou outras razões - em solicitar ao organismo de coordenação que se encarregue de submeter o problema directamente ao Governo.
Mas é bem compreensível que, ainda nesta hipótese, tudo ocorre como se fosse a própria corporação a estabelecer o contacto, visto que o organismo de coordenação económica funcionará como seu delegado ou intermediário. E parece que, mesmo no rigor dos princípios, nada haveria a opor de sério a tal processo, dada a qualidade legal do organismo de coordenação económica - agente de ligação entre o Estado e as corporações.
69. Outra dúvida, que já ficou aflorada dentro da anterior e que convém destacar agora, será esta: sendo os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica constituídos, sempre que possível, pelas secções das corporações (base III), estabelece-se praticamente a confusão entre esses órgãos (representativos e as referidas secções. E, sendo assim, como quem preside, por exemplo, a «junta em sessão» é o presidente do organismo de coordenação económica, será ele também quem vai funcionar como presidente da secção da corporação?
Um raciocínio alicerçado em puras razões teóricas atirar-nos-ia, possivelmente, para esse resultado, até porque se não compreende bem que o mesmo órgão - o mesmo, pelo menos, quanto aos vogais que o constituem - tenho, dois presidentes diversos.
Mas a este raciocínio, meramente teórico - por definição, o mais rigoroso -, terá de sobrepor-se, necessàriamente, uma vultosa objecção de ordem prática.
E bem visível a anomalia. Os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica, porque desempenham uma função oficial e são órgãos do Estado, iriam imprimir, pelo simples facto da sua presidência nas secções, uma nota vincadamente estadual à corporação; e bem poderia ser esse um autêntico «cavalo de Tróia», ainda que involuntário, dentro das suas muralhas, mal começadas a construir e, por isso mesmo, tão frágeis.
O motivo, porém, não é apenas este. Também se interpõe a questão, já anteriormente discutida, da perda de independência por parte dos dirigentes dos organismos de coordenação económica, mas agora com toda a acuidade e os sérios perigos que intuitivamente se antevêem. Perda de independência, com duplo carácter, atingindo-os tanto na qualidade de dirigentes estaduais como na de presidentes das secções corporativas.
Qualquer posição neutra seria, em regra, insustentável: ou haveriam de pender mais para o lado das corporações, iludindo a confiança do Governo e incorrendo em desvio da função, ou, mais naturalmente, haviam de inclinar-se para a órbita do Governo, e serviriam mal a sua corporação, agravada a falta com a responsabilidade e o relevo dos seus cargos de presidentes de secção.
O mais ligeiro senso prático repele, pois, a hipótese de acumulação de presidências. E restaria, assim, a solução anómala de o mesmo órgão - ao menos na sua composição - ser dirigido por duas pessoas diferentes.
Na vida concreta esta situação seria de tal modo estranha ou absurda que forçoso é indagar se não haverá - neste enfiamento de circunstâncias, raciocínios e conclusões - um equívoco qualquer.
Parece, realmente, haver em tudo isto um sério equívoco. E também parece que ele resulta do conteúdo da base III da proposta de lei.
Examinemos o caso.
Consigna-se naquela base III que os órgãos representativos dos organismos de coordenação económica deverão ser constituídos pelas secções das corporações. Exemplificando com o caso de uma junta nacional, o seu órgão representativo -compreendendo o presidente, o vice-presidente e os vogais - deverá ser constituído pelos membros da secção correspondente de uma determinada corporação.
Ora aqui começa já o equívoco. Como é possível que isto se possa verificar sem que desapareça o órgão representativo da junta - presidente, vice-presidente e vogais-, ficando apenas a secção da corporação? Não se poderia até concluir que, desaparecendo todo o órgão representativo da junta, ficaria sem significado prático o próprio organismo-junta?
A proposta de lei não pretende isto, seguramente; e o relatório demonstra-o com toda a clareza. O que se pretende, sim, é que a competência da «junta em sessão» se transfira para a secção respectiva da corporação, como já se dispunha no Decreto-Lei n.º 29110, ao regular o presente caso (artigo 3.º, § 2.º).
Quer dizer: a junta deixará de dispor do órgão privativo que actualmente tem; e quando quiser reunir, a fim de serem tomadas deliberações - para as quais o presidente e o vice-presidente, por si sós, não têm competência legal-, terá de ser convocada a reunião da secção da corporação, porque esta passará a substituir aquele órgão privativo actual.
O problema que então se levanta é este: vão os membros da secção da corporação, incluindo o seu presidente, à sala das sessões da junta, convocados pelo presidente deste último organismo, e reunir sob a sua presidência? Ou, ao contrário, solicita o presidente da junta ao presidente da secção corporativa que convoque a reunião da mesma secção e a ela presida, funcionando o presidente da junta como simples vogal?
São as duas soluções possíveis, desde que se admita - o que parece não oferecer dúvidas, em face da conclusão antes firmada - que o presidente do organismo de coordenação económica não poderá cumulativamente presidir à secção da corporação.
A primeira solução, que, de facto, atribui ao mesmo órgão dois presidentes, é indubitàvelmente a que se ajusta à base III da proposta de lei. E aqui reside, no fundo, o equívoco em que andamos envolvidos.
A situação ainda se mostra mais confusa se considerarmos que, no critério da proposta de lei, toda a secção reunirá mediante convocatória do presidente da
Junta e sob a sua presidência, isto é, vai o presidente a secção intervir agora como vogal, quando «de direito» é o seu único presidente.
O ponto de partida de todas estas anomalias cifra-se naquele vício de origem, já assinalado, de o mesmo órgão colegial funcionar simultâneamente como secção de uma corporação e como órgão privativo da junta.