9 DE ABRIL DE 1957 1175
não é no diploma em preparação, mas naquele que há-de vir a completá-lo.
Por todos os motivos expostos a Câmara Corporativa dá a sua aprovação na generalidade à proposta de lei n.º 522.
III
Exame na especialidade
14. Declaro-se na base I da proposta qual o âmbito geral da competência dos tribunais do trabalho, relegando-se para diplomas especiais a sua especificação, e prescreve-se que dos mesmos tribunais haverá recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Não levanta reparos a primeira parte do preceito. A fórmula nele empregada é ampla e equivalente à usada no Estatuto do Trabalho Nacional (artigo 50.º); abrange não só os litígios emergentes de contratos de trabalho, para cujo julgamento a Constituição Política prescreve a existência de tribunais especiais (artigo 38.º), como todas as questões que interessam directamente ao mundo do trabalho, quer em relação aos acidentes ocorridos nele, quer à sua disciplina penal ou corporativa. Ela permite uma definição precisa, como a actualmente feita no Código de Processo aos tribunais do trabalho (artigo 11.º), que atribui a estes o poder legal de julgar e resolver quase todos os conflitos que emergem das relações do trabalho e também todos os que se originam no complexo jurídico da previdência, tão afim do do trabalho.
Suscita, porém, objecções de princípio a segunda parte. Não quanto à existência de um tribunal de recurso, órgão de censura das decisões da 1.ª instância, cuja necessidade não pode sequer discutir-se e é elemento próprio de toda a hierarquia judiciária; mas sim quanto à entrega dessa função ao Supremo Tribunal Administrativo.
Quando, em Setembro de 1933, se lançaram os fundamentos da organização corporativa, com a publicação do Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n.º 23 048) e dos outros diplomas basilares da mesma data, que fixaram o regime jurídico dos grémios (Decreto-Lei n.º 23 049), dos sindicatos nacionais (Decreto-Lei n.º 23 050) e das Casas do Povo (Decreto-Lei n.º 23 051), era natural supor que a organização corporativa tomasse grande corpo em prazo breve e viesse, assim, suscitar uma litigiosidade de tipo novo e volume: considerável. Por isso, criados pelo Estatuto do Trabalho Nacional os tribunais do trabalho (artigo 50.º), era lógico completá-los com um tribunal de recurso, que deveria, prolongar o espírito e a missão dos novos órgãos de justiça. Nesta ordem de ideias, certamente, cerca de um mês depois da publicação daqueles diplomas, ao proceder-se, mediante o Decreto-Lei n.º 23 185, de 30 de Outubro, à remodelação dos tribunais do contencioso administrativo, com a extinção do Supremo Conselho da Administração Pública e a criação do Supremo Tribunal Administrativo, ficou este Tribuna] constituído por três secções, entre as quais a do contencioso do trabalho e previdência social (artigo 2.º), com a competência de conhecer dos recursos interpostos das decisões dos tribunais do trabalho (artigo 10.º).
Em harmonia com este pensamento, no regulamento dos tribunais do trabalho, publicado a seguir, incluíram-se na competência destes tribunais numerosos tipos de questões de origem ou de carácter corporativo (Decreto-Lei n.º 24363, de 15 de Agosto de 1934, artigo 11.º, n.ºs 1.º, 2.º, 5.º, 7.º, 8.º e 9.º). E o mesmo sucedeu com o diploma que substituiu aquele - o actual Código de Processo nos Tribunais do Trabalho (artigo 11.º, n.ºs 2.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º).
O decurso dos acontecimentos dos anos posteriores à reforma de 1933 não confirmou as expectativas. A organização corporativa foi-se estruturando muito lentamente e nunca de molde a suscitar questões emergentes do direito corporativo específico em número já não simplesmente apreciável, mas ao menos visível. Assim, os tribunais do trabalho substituíram os tribunais extintos e o seu movimento foi de início idêntico, em natureza, ao que ocupava aqueles. Pouco a pouco foi surgindo movimento de origem corporativa sob a espécie de execuções e movimento de índole penal sob a forma de processos de transgressão, até se chegar a composição revelada pelo já citado mapa n.º l anexo.
Em consequência do carácter deste movimento nos tribunais do trabalho, a natureza dos processos subidos em recurso e mostrada no mapa anexo n.º 2 nada tem de corporativa. Como no n.º 10 ficou dito, a quase totalidade dos recursos em matéria civil deriva de processos emergentes de acidentes de trabalho, nos quais a lei aplicável é de interesse e ordem pública; por isso neles não é permitida a arbitragem voluntária (Código de Processo nos Tribunais do Trabalho, artigo 11.º, § único) e o acordo das partes acerca das pensões ou indemnizações tem de corresponder afinal à confissão pelo réu dos direitos do autor (artigo 66.º). Na pequena parte restante, ou se trata de processos do contencioso das instituições de previdência, em que as restrições das partes em matéria de arbitragem voluntária são as mesmas (idem, artigo 11.º, § único), o que indica terem de ser julgados por direito estrito, ou de acções emergentes de contratos individuais de trabalho, em que o tribunal superior, vinculado aos julgamentos da l.ª instância em matéria de facto pelas decisões do tribunal colectivo, só pode fiscalizar a aplicação das regras de direito.
Era matéria penal, muito embora a origem dos processos muitas vezes seja corporativa, o tribunal de recurso, posto em presença de uma infracção à lei, só pode assumir uma de duas atitudes: ou revogar a decisão, se julgar a infracção não provada, ou confirmá-la, no caso contrário. Nunca lhe será lícito atenuar as consequências dos factos por motivos de equidade, mesmo corporativa, porque a natureza da infracção penal o não consente. Por este modo, e na prática, o tribunal de recurso está limitado a decidir ou questões de natureza civil, como são as emergentes de responsabilidade por acidentes de trabalho, as derivadas de contratos de trabalho e ainda as do contencioso das instituições de previdência, ou questões de natureza penal, que são todas as ventiladas nos outros recursos.
É muito diferente a índole das outras secções do Supremo Tribunal Administrativo. Na do contencioso administrativo discutem-se os recursos dos actos da própria Administração, impugnados com fundamento em ilegalidade; na do contencioso das contribuições e impostos dirimem-se as controvérsias emergentes de relações de natureza tributária, e, finalmente, na secção aduaneira julgam-se as questões originadas na cobrança de rendimentos fiscais, embora através de relações jurídicas de carácter pessoal, e, portanto, penal. Em todas três, porém, a Administração é parte principal interessada, embora por efeito de relações jurídicas de índoles muito diversas.
Perante tão nítido contraste dentro do mesmo órgão, em que de um lado se ventilam sòmente problemas de direito público especial ou deste direito estreitamente dependentes e do outro só se resolvem questões de direito comum, é lógico entender que os recursos das decisões dos tribunais do trabalho devem subir aos tribunais comuns de 2.º instancia, como sucedia no regime anterior em relação aos tribunais de árbitros aviadores (Decreto n.º 16021, de 12 de Outubro de 1928, ar-