1044 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 95
teressados e julgada conveniente a realização da operação, o Governo a decreta. Na verdade, a partir desse momento a efectivação do emparcelamento não fica mais dependente do parecer dos proprietários afectados, os quais apenas poderão, pelos meios jurisdicionais próprios, reagir contra a actuação do serviço de concentração quando este se afaste das bases anteriormente furadas (').
33. Qual o sistema mais satisfatório para o nosso país no momento em que pretende iniciar-se a realização do emparcelamento e em que, portanto, e necessário actuar simultaneamente com decisão e prudência?
Conhecida a mentalidade da nossa população rural, caracterizada por um baixo nível de cultura, pelo seu apego à rotina, pelo seu entranhado amor à própria terra, não pode, manifestamente, enveredar-se em Portugal por um sistema de pura espontaneidade, confiando aos proprietários a iniciativa de solicitar o emparcelamento.
Também não se afigura conveniente optar por um sistema marcadamente coercivo, susceptível de provocar resistências ou reacções inconvenientes e de prejudicar, consequentemente, o clima propício à necessária colaboração.
Uma solução possível sem a de permitir que a iniciativa do emparcelamento partisse indiferentemente dos interessados ou dos Poderes Públicos, cabendo ao Estado a elaboração dos projectos de emparcelamento, que depois de concluídos seriam submetidos à aprovação dos interessados para se executarem apenas quando estes emitissem, em face do projecto ultimado, um voto favorável.
Contra um sistema assim delineado podem, porém, deduzir-se duas objecções: por um lado, tal sistema não permitiria a realização do emparcelamento quando os interessados não aprovassem o projecto elaborado, não obstante verificar-se na hipótese concreta um condicionalismo social e agrário de tal gravidade que o emparcelamento se apresentasse como medida necessária e urgente; por outra via, o sistema poderia conduzir a que o organismo encarregado de promover o emparcelamento realizasse um esforço considerável com vista à elaboração de um projecto e visse depois (em face de uma rejeição, porventura caprichosa, do resultado do seu esforço) reverter em pura perda um considerável dispêndio de meios técnicos e financeiros.
A estas dificuldades obvia, como se referiu, a lei espanhola.
Merecerá, por isso, o sistema espanhol ser acolhido entre nós?
A Câmara Corporativa inclina-se no sentido de que a solução espanhola não é satisfatória. Ela conduz, na verdade, a que a elaboração de um projecto de emparcelamento só tem lugar após a aprovação definitiva, com intervenção dos proprietários interessados, das bases em que o projecto assentará. Mas este sistema implica, por outro lado, a desagradável possibilidade de o emparcelamento vir a executar-se contra vontade dos interessados que embora subscrevendo inicialmente o pedido de emparcelamento e conformando-se depois com as bases fundamentais do projecto a elaborar, porventura não aprovariam o projecto de emparcelamento se este lhes- fosse submetido depois de ultimado. Quer dizer: o sistema espanhol pode vir a traduzir-se num processo coercivo, com todos os inconvenientes que lhe são inerentes.
É, com efeito, inegável que a sujeição à apreciação dos interessados das bases fundamentais referidas não dá plena satisfação aos interesses particulares em causa, porque os proprietários, ao apreciá-las, acham-se em presença de matéria necessariamente vaga, que não foca, concretamente, o caso particular de cada um. Só o projecto definitivo permite que os proprietários se apercebam claramente da medida em que são afectados pelo emparcelamento e só nesse momento poderão, consequentemente, ser chamados a dar uma aprovação consciente e operante.
34. Bem diverso do consagrado na lei espanhola é o sistema articulado no projecto em apreciação: iniciados, por iniciativa da Junta de Colonização Interna ou a pedido de algum, ou alguns dos proprietários interessados, os estudos necessários para fins de emparcelamento, os destinatários das medidas de recomposição agrária planeada só são chamadas a pronunciar-se sobre se a operação de emparcelamento deve ou não executasse, depois de ultimado o anteprojecto respectivo - num- momento, pois, em que já são colocados perante as soluções concretas, expostas com todos os pormenores, achadas para os diversos problemas que o emparcelamento suscita e para o caso particular de cada proprietário. É em relação a esse minucioso anteprojecto que os interessados vão pronunciar-se, aprovando-o ou rejeitando-a.
Ora afigura-se à Câmara Corporativa que, pelo menos na fase de arranque de um plano de recomposição agrária baseada no emparcelamento, o sistema consagrado no projecto governamental é superior à solução espanhola na medida em que permite enfrentar, com melhores probabilidades de êxito, as resistências que possam surgir no seio de populações rurais insuficientemente preparadas.
Para completo esclarecimento da matéria convém, porém, estudar com alguma largueza as bases em que assenta e as condições em que praticamente virá a funcionar o sistema articulado no projecto em apreciação para, respeitando-o embora, lhe serem introduzidas as correcções que se reputem necessárias.
35. Na elaboração e execução de um plano de emparcelamento distinguem-se nitidamente três momentos ou fases sucessivas:
a) Na primeira o organismo legalmente competente para realizar os trabalhos de recomposição agrária procederá a um inquérito acerca do ambiente económico-social dominante em determinada zona rural, destinado a estudar as vantagens que da realização de um plano de emparcelamento poderão resultar, a delimitar o perímetro da zona considerada, a fazer a estimativa do custo da realização do plano de emparcelamento, a determinar o grau de viabilidade técnico-económica da execução do projecto de reorganização agrária era função do custo respectivo e dos
(') Na Noruega a decisão quanto à realização do emparcelamento não é tomada pelos proprietários interessados e antes por um tribunal de emparcelamento, instituído para resolver as questões decorrentes da execução de operações de reconstituição fundiária e, designadamente, a referida questão prévia.
Na Irlanda a recomposição agrária é decidida, projectada e executada por um organismo criado para tal fim, único responsável pela realização do programa de emparcelamento, não tendo assim os proprietários interessados interferência decisiva a favor ou contra os projectos governamentais.
Na Bélgica os projectos de emparcelamento são submetidos a sufrágio dos interessados, distribuídos por dois grupos: o dos proprietários ou usufrutuários e o dos exploradores directos. Basta a simples maioria, em número e superfície de torras formada nos dois grupos, para decidir quanto à realização do emparcelamento, cabendo ao Governo resolver quando, formada tal maioria num dos grupos, a votação favorável ultrapasse no outro 25 por cento dos votantes e se esteja em presença de uma situação que imperiosamente exija medidas de emparcelamento.