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17 DE ABRIL DE 1961 1349

Pothier, há mais de dois séculos, no seu Traité du contrat de louage desenvolveu largamente a tese, que com a crise do liberalismo as legislações mais modernas vieram a adoptar, de que «lorsque le conducteur n'a pas été privé absolument de la jouissance de la chose, mais que, par un accident imprévu, sa jouissance a souffert une altération et une diminution trés cousidérable, il peut demander une diminution proportionnée dans le loyer, depuis le temps que sa jouissance a souffert cette diminution» 1.
Para a aplicação do seu princípio Pothier considerava indispensáveis três condições:

1.ª Que a causa da perda fosse de força maior e imprevisível;
2.ª Que a perda atingisse os frutos ainda pendentes;
3.ª Que o dano fosse considerável.
Dadas estas condições, não é difícil justificar a doutrina. Do ponto de vista jurídico, não deve poder transformar-se, um contrato comutativo, em que há equivalência de interesses, num contrato aleatório, assegurando-se sempre a um dos contratantes, ao senhorio, a satisfação dos seus direitos, embora com o sacrifício integral dos interesses do outro. Por outro lado, uma solução rígida pode conduzir à redução do potencial económico do arrendatário, obrigado a satisfazer, sem compensações nos réditos, os seus compromissos contratuais, com possível lesão dos interesses da economia nacional. Claro que não se justifica o benefício do Cultivador se tiver havido culpa da sua parte, ou se os frutos já estavam colhidos quando pereceram. Não deve, neste último caso, o senhorio suportar as consequências da demora na alienação ou no pagamento da renda. A causa do prejuízo deixa de ser inteiramente fortuita ou de força maior para ser, pelo menos em alguma medida, imputável ao arrendatário 2.
Nas legislações mais modernas, como já se disse, aceita-se a doutrina de Pothier. Podem citar-se, como exemplos, a espanhola, a grega e a italiana.
Na primeira (Regulamento de 29 de Abril de 1959, artigo 8.º)3, limita-se a possibilidade de redução da renda ao caso da perda dos frutos provir de causa insusceptível de seguro 4. Poderá então haver redução ou remissão integral das obrigações do arrendatário se se verificar um caso fortuito extraordinário. Na hipótese de caso fortuito ordinário, só poderá haver redução até 50 por cento se houver perda total das colheitas de um ano. Em ambas as hipóteses é preciso- que a perda atinja os frutos ainda pendentes, ou, quando colhidos, se verifiquem estas duas condições: não terem saído do prédio e não terem decorrido mais de quinze dias sobre á colheita.
No Código Grego (artigo 627.º) admite-se a redução proporcional das rendas, se os frutos, antes ou depois da colheita, sofrerem uma diminuição substancial por caso de força maior, salvo se os riscos estiverem cobertos pelo seguro.
No Código Italiano de 1942 (artigos 1635.º, 1636.º, 1637.º e 1648.º) estabelece-se, fundamentalmente, quanto aos arrendamentos ordinários, o regime sugerido por Pothier. Se o prazo do arrendamento é plurianual e se se perder, por caso fortuito, pelo menos, metade da produção ainda pendente, o arrendatário pode pedir a redução da renda, salvo se a perda tiver compensação nas colheitas seguintes. A redução é fixada, para este efeito, no fim do prazo do arrendamento. Se o arrendamento é anual e a perda for superior a metade, pode o arrendatário pedir uma redução não superior a 50 por cento. Quanto aos arrendamentos a cultivadores directos (familiares) os tribunais podem, mesmo que o arrendatário tenha assumido a responsabilidade pelo risco (caso fortuito), em atenção às suas condições económicas, permitir o pagamento das rendas em prestações.
As soluções do Código Italiano inspiraram o artigo 75.º do projecto do Prof. Galvão Teles, que a Câmara Corporativa, atentas as razões que a seguir expõe, entende dever substituir a base v do projecto do Governo.
O n.º 1 desta base torna dependente o direito de reduzir a renda da verificação de «circunstâncias imprevisíveis e de força maior, como inundações, ciclones, e outros acidentes meteorológicos ou geológicos e pragas de natureza excepcional». Não está redigido este número em harmonia com a terminologia corrente. As inundações, os ciclones e outros acidentes meteorológicos ou geológicos não são, em rigor, casos de força maior, mas casos fortuitos, por se tratar do desenvolvimento de forças naturais a que é estranha a acção do homem. Do ponto de vista legal o que interessa, porém, é a ausência de culpa por parte de qualquer dos contraentes, a não imputabilidade do facto ao senhorio ou ao arrendatário, e não, ser o caso previsível ou imprevisível, fortuito ou de força maior.
O n.º 2 da mesma base parece ser inútil. A sua doutrina está contida no número anterior, pois não é praticamente viável a determinação antecipada das perdas
sofridas. Só teria utilidade a disposição se os casos fortuitos previstos no n.º 1 se tivessem de verificar no ano em que houve perda dos frutos; mas não é isso o que se lê neste, número, nem é isso o que convém.
O que pode justificar-se é a atribuição ao arrendatário do direito de pedir a rescisão do contrato na hipótese de o acidente afectar de maneira duradoira a capacidade produtiva do prédio, pois seria para ele uma .situação muito onerosa ver-se constrangido, enquanto não terminasse o arrendamento, a pedir todos os anos uma redução da renda. A situação não deixa também de ter uma certa semelhança com a da expropriação parcial do prédio, e neste caso permite-se a rescisão (n.º 3 da base IX do projecto do Governo e n.º 3 da base viu do contraprojecto desta Câmara).
O n.º 3 não está em plena harmonia com os princípios correntes de técnica jurídica. Se houver incúria dó arrendatário, não há caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, mostraria ingenuidade do legislador a pretensão de resolver, com dois ou três exemplos e uma vaga afirmação de princípio, alguns dos mais graves é complexos problemas do direito privado - o problema da imputabilidade e o do nexo da causalidade 1. Note-se que a simples graduação da culpa fora dos moldes tradicionais, em razão da «influência da eventual incúria do arrendatário», constitui, de per enigma insolúvel.

1 N.º 148.
2 Não deixa, porém, a Câmara Corporativa de chamar a atenção paca a solução espanhola adiante referida.
3 Cf. o artigo 8.º da Lei do 15 de Março do 1985.
4 Trata-se, como dizem os autores, de uma medida destinada a fomentar o seguro, mas que, entre nós, e dados os disposições doe artigos 447.º e 448.º do Código Comercial, poderia conduzir, praticamente, à inutilização do benefício.

1 Vide, entre outros autores, Manuel de Andrade, Teoria, Geral das Obrigações, pp. 868 e seguintes; Prof. Voz Serra, Nexo Causal, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 84; Prof. Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, I, pp. 189 e seguintes; Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dover de Indemnizar, pp. 142 e seguintes, e Dr. Pereira Coelho, O nexo de causalidade na responsabilidade civil, no Boletim da Faculdade de Direito, suplemento n.º 9, pp. 65 e seguintes, e O problema da causa virtual na responsabilidade civil.