28 DE ABRIL DE 1971 697
todas as ordens regulares, fosse qual fosse a sua denominação, instituto ou regra" 20 e 21.
Na disposição imediata (artigo 4.°), declarava-se a nulidade (sic!) do Decreto de 18 de Abril de 1901, com o fundamento de que disfarçadamente viera autorizar a constituição de congregações religiosas no País, quando pretendessem dedicar-se exclusivamente à instrução ou beneficência, ou à propaganda da fé e civilização no ultramar.
Para quem quer que não acatasse os efeitos da extinção das congregações religiosas eram estabelecidas sanções penais, pesadas, que poderiam ir até a incriminação por constituição de associações ilícitas ou de associações de malfeitores (artigo 7.°).
6. b) A Lei da Separação. - Na mesma linha ideológica do diploma anterior, o Decreto de 20 de Abril de 1911, depois de afirmar categoricamente o carácter não confessional do Estado, proclamava logo na primeira das suas disposições a plena liberdade de consciência de todos os cidadãos, quer portugueses, quer estrangeiros (cf. artigo 1.° da lei francesa de 9 de Dezembro de 1905); reconhecia, mais adiante (artigo 7.°), a absoluta liberdade de culto particular ou doméstico de qualquer religião; e assegurava ainda, dentro de certos limites, a liberdade do próprio culto público, fosse de que religião fosse (artigo 8.º) 22.
Pela primeira vez, não só o Estado e a Igreja aparecem dissociados, na medida em que é eliminada a religião oficial do Estado, como a confissão católica surge em pé de igualdade com as demais confissões, seja no que toca ao culto particular, seja no que respeita ao próprio culto público, agora franqueados dentro de certos termos uniformes a nacionais e estrangeiros 23.
Quem se der, porém, ao cuidado de analisar atentamente as largas dezenas de disposições contidas no instrumento jurídico da separação (é precisamente de 196 o número dos seus artigos), a breve trecho concluirá que não foi a consagração da regra da liberdade religiosa o principal objectivo nele visado. Até porque aos católicos não falecia a liberdade de que necessitavam para praticar e difundir os princípios da moral cristã, e porque não havia, de facto, no País nenhum problema sério de carência de liberdade para as confissões não católicas.
A intenção que sobressai na generalidade das disposições contidas no decreto, de acordo, aliás, com o espírito laicista da época, é a de reduzir o poder da Igreja Católica, apagando, na medida do possível, a influência que o factor religioso até aí tivera na vida moral e social da comunidade.
Por um lado, privou-se a Igreja Católica, e bem assim as associações religiosas nela integradas, dos bens essenciais ao exercício do seu múnus, não só mediante o confisco dos imóveis e móveis que lhes pertenciam a, como através das sérias limitações impostas à liberdade de testar e de doar dos particulares 24.
As associações civis (as cultuais) a que era obrigatoriamente confiada a sustentação do culto tinham a sua capacidade de aquisição de imóveis limitada às aquisições a título oneroso estritamente indispensáveis ao cumprimento dos seus deveres (cf. artigo 6.°, n.° 3.°, da lei francesa de 1 de Julho de 1901); as aquisições a título de herança não podiam exceder, por força do disposto no § único do artigo 1781.° do Código Civil, o terço da terça do testador, devendo ainda ser obrigatoriamente aplicado um terço, pelo menos, de tudo quanto recebessem a fins culturais e 'actos de assistência e beneficência; os edifícios ou templos destinados a fins de culto não podiam ser alienados nem onerados sem permissão do Ministério da Justiça 26.
Despojadas a Igreja e as congregações religiosas dos bens indispensáveis à manutenção do clero, houve que prover ao sustento dos ministros do culto mediante um sistema de pensões vitalícias, que de algum modo convertia os padres em meros funcionários públicos 27, sujeitos à jurisdição disciplinar do Estado 28.
20 Embora nenhum diploma legislativo (posterior) tenha revogado as disposições cuja vigência era reafirmada pelo Decreto do 8 de Outubro de 1910, a realidade dos factos subjacentes à legislação explica facilmente o objectivo prático da medida tomada, com embargo das leis existentes", dizia, com efeito, o relatório do Decreto de 18 de Abril de 1901, "por todo o País, nas cidades mais populosas como nas vilas e aldeias, se foram introduzindo comunidades ou congregações religiosas, estabelecendo escolas, hospitais, lasilos, creches, instituições de toda a ordem, com aplicação ao ensino, à beneficência, a caridade, à propaganda da fé e da civilização no ultramar, dando educação a crianças, tratamento a doentes, albergues a velhos e inválidos, preparando missionários e levando por eles às colónias, ao mesmo tempo que a devoção e a fé, o amor pela Nação Portuguesa. Tudo isto, porém, eu em grande parte, fora das leis e da acção do Estado."
21 Já antes di célebre decreto de Joaquim António de Aguiar tinham sido publicadas várias medidas da mesma natureza. O Decreto de 17 de Maio de 1832, dia autoria de Mouzinho da Silveira, suprimira os conventos de religiosos e de religiosas nos Açores, considerando os seus bens como pertença da Fazenda; os Decretos de 30 de Abril e de 15 de Maio de 1833, apresentados por Silva Carvalho, suprimiriam os conventos abandonados; o Decreto de 3 de Agosto de 1833, preparado por Cândido Xavier, ordenou a supressão de todos os mosteiros ou conventos que acolhessem eclesiásticos que se houvessem insurgido contra o governo da rainha D. Maria II; o Decreto de 5 de Agosto de 1833 proibiu a admissão de noviciados monásticos "de qualquer instituto ou natureza que fossem"; finalmente, o Decreto de 9 de Agosto de 1833 sujeitou aos bispos das dioceses as comunidades de todos os conventos, mosteiros e casas religiosas.
Antes do período liberal, entendia-se que apenas estava sujeita a permissão régia a fundação de noves conventos. "É ponto incontroverso", dizia-se no relatório do mencionado Decreto de 18 de Abril de 1901 "que, ainda no regime absoluto, só com permissão régia se podia fundar ou levantar conventos novos, ou sequer mudar os existentes; disto são prova explícita es cartas régias de 22 de Setembro de 1610, 24 de Maio de 1622, 14 de Fevereiro e 2 de Outubro de 1630, 2 de Novembro de 1633, e 14 de Abril de 1657. Era uma prerrogativa da Coroa de que esta não podia abdicar. Como no sistema constitucional ê atribuição do poder legislativo."
22 Algumas destas manifestações jurídicas dia liberdade religiosa transitaram para o domínio dos direitos e garantias individuais, consagrados pela Constituição de 21 de Agosto de 1911 (artigo 3.°, n.ºs 4.° a 9.°, 13.° e 14.°), na qual se prescrevia ainda, não só o carácter neutral de todo o ensino ministrado em estabelecimentos públicos ou particulares fiscalizados pelo Estado (artigo 3.°, n.° 10.°), como também ia proibição da constituição de congregações religiosas e de ordens monásticas (artigo 3.°, n.° 12.°).
23 Em relação ao culto das confissões não católicas, desapareceu intencionalmente, quer da lei ordinária (artigo 8.° da Lei da Separação), quer do texto constitucional (artigo 3.°, n.° 8.°), a restrição da que ele não poderia ter lugar em casas com forma exterior de templos. As "casas para isso escolhidas ou destinadas pelos respectivos "rentes", diz o n.º 8.º do artigo 3.° da Constituição de 1911, "para toda e qualquer religião, poderão sempre tomar forma exterior de templo".
24 Artigo 62.°
25 Artigos 29.°, 32.° e 33.°
26 Dr. Barbosa de Melo, As pessoas colectivas eclesiásticas católicas e o artigo 161.º do Código Civil, 1970, pp. 9 e 10.
27 Artigo 113.° e seguintes (cf. artigo 11.° da Lei francesa de separação). Também o artigo 153.°, referindo-se "aos capelães e outros ministros da religião católica, que estavam adstritos a estabelecimentos ou serviços do Estado, tais como escolas, regimentos, hospitais, asilos e prisões", anunciava que se procuraria "dar destino a esses indivíduos, nos próprios estabelecimentos e serviços, como empregados de secretaria ou como professores devidamente fiscalizados".
28 Cf. os artigos 145.° e 146.°, que prevêem, ia perda ou a suspensão da pensão para os ministros da religião católica que contraviessem as disposições da Lei da Separação ou do Código do Registo Civil.