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28 DE ABRIL DE 1971 701

Foi esse o objectivo da Concordata e do Acordo Missionário que a Santa Sé e o Governo Português assinaram, em 7 de Maio de 1940, na Cidade do Vaticano, dentro do sistema de acordos bilaterais que melhor se adapta aos regimes em que a separação jurídica não impede a minha colaboração dos dois poderes - espiritual e temporal - na defesa e prossecução dos valores comuns ou independentes.
Entre as disposições mais importantes destes dois instrumentos jurídicos (algumas delas simples reprodução de soluções anteriores, com uma ou outra nota de adaptação), podem salientar-se as seguintes:
a) A restituição dos bens confiscados à Igreja, excepção feita àqueles que estivessem aplicados a serviços públicos ou classificados como monumentos nacionais ou como imóveis de interesse público (artigo VI) - providência que nem sempre terá sido possível executar ao pé da letra;
b) O reconhecimento expresso da personalidade jurídica da Igreja Católica (antigo I), bem como o reconhecimento normativo 52 da personalidade das associações, corporações ou institutos religiosos 53, canònicamente erectos, mediante simples participação do bispo ou seu representante à autoridade civil competente (artigo III);
c) A orientação do ensino, nas escolas públicas, de acordo com os princípios da, doutrina e moral cristãs, "tradicionais do País", passando a leccionar-se a disciplina da Religião e Moral católicas nas escolas elementares, complementares e médias aos alunos cujos pais ou representantes não façam pedido de isenção (artigo XXI);
d) A atribuição de efeitos civis aos casamentos católicos, a consagração da sua indissolubilidade pelo divórcio (artigos XXII a XXIV) e o respeito da jurisdição dos tribunais eclesiásticos nas questões da validade do matrimónio (artigo XXV);
e) A abolição do beneplácito do Estado, com o reconhecimento do poder de ordem e jurisdição da Igreja Católica 54, na esfera da sua competência (artigo II);
f) A regularização da actividade missionária no ultramar português (artigos XXVI e segs.) 55.
Analisando friamente as disposições mais significativas, tanto da Concordata como do Acordo Missionário, mas em especial da primeira 56, é possível verificar que houve, por um lado, o visível propósito de não regressar ao sistema da religião oficial do Estado, mas não se hesitou, por outro, em reconhecer e garantir a posição especial que para a religião católica advém (sobretudo em matéria de casamento e no capítulo da educação) da importância capital que os princípios da doutrina e moral cristãs tiveram, desde os alvares da nacionalidade, na formação do carácter dos Portugueses, nos quadros da sua vida familiar e social, bem como na expansão territorial da comunidade nacional.
Estavam ainda bem frescos na memória de todos os ponderosos inconvenientes do sistema da chamada união moral entre os dois poderes, que a Carta Constitucional de 1826 mantivera durante muitos anos no País. Sabia-se que o sistema podia facilmente degenerar no regalismo ou no clericalismo, e qualquer destas tendências seria capaz de acarretar graves prejuízos, tanto para a pureza da missão sobrenatural a cargo da Igreja, como para a plena dedicação do poder civil ao governo temporal da comunidade.
Por isso, a Concordata de 1940 é, como autorizadamente se lhe chamou 57, uma Concordata de separação.
Em lugar, porém, da separação hostil que fora instituída em 1911, sob a influência das concepções políticas reinantes na época, a Concordata de 1940 estabeleceu uma separação que não excluía a compreensão, e, em alguns pontos, a "cooperação activa no respeito mútuo da esfera de competência específica de cada parte", entre os dois poderes. Mantendo e salvaguardando a independência recíproca do Estado e da Igreja no exercício das suas específicas atribuições 58, o Governo Português e a Santa Sé não deixaram de reconhecer a existência de matérias de interesse comum (no ensino, na organização e defesa da família, na acção civilizadora, a exercer junto das populações do ultramar), que procuraram regular por acordo, de modo a prevenir conflitos entre autoridades civis e eclesiásticas e em termos de tornar tão fecunda quanto possível a colaboração amigável entre elas.
A fé cristã e o culto da Pátria, como grandezas tradicionalmente unidas nos grandes momentos da história da comunidade portuguesa, de algum, modo se reencontraram nos diplomas firmados no ano centenário da restauração da independência e da fundação da nacionalidade.

11. Alterações constitucionais de 1951. Proposta de revisão de 1970. - O novo clima gerado em torno da questão religiosa pelos instrumentos diplomáticos de 1940, que logo foram integrados na legislação interna portuguesa, veio a reflectir-se mais adiante nas significativas alterações que a revisão constitucional de 1951 introduziu no

52 Ao reconhecimento normativo, que funciona em termos gorais e abstractos, contrapõe a doutrina, como todos sabem, o reconhecimento por concessão, assente sobro um acto individual e discricionário da autoridade competente: Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, I. 1960, p. 104.
53 A propósito da distinção entre as categorias de pessoas jurídicas eclesiásticas mencionadas nos artigos III e IV da Concordata, cf., além de Manuel de Andrade (ob. cit. e vol. cit., p. 89), Prof. Sebastião Cruz, Associações Religiosas, extracto do Dicionário jurídico da Administração pública, especialmente o n.° 3 (onde se aludo à distinção entre as três espécies de associações religiosas católicas: ordens terceiras seculares, pias uniões e irmandades ou confrarias); e o Regulamento Geral das Associações dos Fiéis, de 23 de Maio de 1937, elaborado pelo Episcopado (Lumen, 1937, p. 597).
54 Sobre o sentido exacto do poder de ordem e jurisdição, a que o artigo n da Concordata se refere, veja-se o parecer do Prof. Guilherme Braga da Cruz, inserto no opúsculo do Dr. A. Carlos Lima, Aspectos da Liberdade Religiosa (caso do bispo da Beira), 1970, especialmente pp. 47 e segs.
55 Além das salientadas no texto, outras disposições de menor relevo podem ser ainda mencionadas: a exigência da cidadania portuguesa para os carges de autoridade eclesiástica, tanto na metrópole como no ultramar (artigo IX; cf. ainda o artigo 9.° do Estatuto Missionário); a audiência prévia do Governo na nomeação dos prelados, tendo em vista possíveis objecções de carácter político geral (artigo X); a garantia de assistência religiosa às forças armadas, mediante organização especial de um serviço de capelania militar (artigo XVIII).
56 As soluções passadas cm revista vieram, sem dúvida, dar satisfarão às legítimas aspirações da tal consciência católica oprimida a que o Decreto n.° 3856 se referia, mas certo é também que fias constituem, em alguns aspectos, fórmulas de verdadeiro compromisso, assentes sobre recíprocas concessões em pontes não considerados essenciais pelos signatários. Trata-se de um documento, diz a Lumen (ano IV, p. 821) em relação à Concordata, "que, não tendo dado a solução ideal à questão religiosa, há tanto tempo em aberto entre nós, deu-lhe no entanto a melhor que o condicionalismo português comportava, abrindo uma nova idade na história da Igreja em Portugal".
57 Cf. Cardeal Cerejeira, na entrevista ao jornal Novidades, de 21 de Janeiro de 1971; O. Salazar, Discursos, III, p. 239.
58 Comentando a celebração do instrumento diplomático que assinala uma nova era nas relações entre o Estado e a Igreja, afirmou o Cardeal Cerejeira (Lumen, IV, p. 323): "O Estado reconhece-a (referia-se à Igreja), garante-lhe o livre exercício da sua vida e missão - mas não se intromete na sua vida interna, nem como protector, nem como inimigo."