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704 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 70

méstico. A Lei da Separação acabou com semelhante limitação, admitindo a liberdade de culto, quer particular, quer público, com as mesmas restrições, tanto para católicos como para os crentes de outras confissões.
Este tratamento igualitário foi ainda mantido na primitiva versão dos artigos 45.° e 46.° da Constituição Política de 1933. A reforma constitucional de 1951 é que conferiu já, na sequência dos princípios aceites pela Concordata de 1940, uma posição especial à Igreja Católica e às associações religiosas a ela pertencentes. Mas não deixou de proclamar a liberdade) de culto e de organização quanto às outras confissões religiosas, cujos cultos são praticados dentro do território português, embora, na nova redacção do artigo 46.° se sujeite à regulamentação da lei as suas manifestações exteriores e se não reconheça de jure a personalidade jurídica das associações nelas integradas.
O princípio da liberdade religiosa pode assim considerar-se, pela segurança com que se radicou na legislação portuguesa a partir do primeiro quartel do século, como uma aquisição definitiva do património jurídico nacional. E é, sem dúvida, uma das grandes conquistas da civilização e da cultura dos povos, sobretudo atentando na estreita correlação existente entoe a suma dignidade da pessoa humana e a livre indagação dos caminhos transcendentes que conduzem o homem aos mistérios da vida e ao plano supremo do Universo.

14. Exame da primeira razão justificativa do projecto de proposta. - Não é, por conseguinte, a necessidade de implantar o princípio da liberdade religiosa no terreno do direito português constituído que explica a publicação de um diploma especial sobre a matéria.
Tão-pouco servirá de justificação para o efeito o apelo que a Declaração Conciliar de 7 de Dezembro de 1965 lançou aos governantes do mundo inteiro, visto não colher quanto às autoridades portuguesas, nem a queixa de negação formal do princípio, nem sequer a censura pelas graves dificuldades criadas à vida das comunidades religiosas, uma vez que desde há bastantes anos se instalaram na "metrópole algumas confissões protestantes, a comunidade judaica aqui tem praticado livremente a sua religião, enquanto no ultramar vivem também desde há séculos, com respeito do Estado pelas suas crenças e ritos religiosos, diversas comunidades não católicas, entre as quais se salienta a população muçulmana, quer da Guiné, quer de Moçambique. A explicação apresentada, sob este primeiro aspecto, no preâmbulo do projecto do Governo, não assenta na necessidade prática de formular o princípio da liberdade de cultos ou de garantir a sua efectiva realização, mas na conveniência de proceder a uma reelaboração, devidamente ordenada e sistematizada, dos múltiplos corolários em que esse princípio se desdobra, atenta a variedade dos diplomas aplicáveis à matéria.
A disciplina jurídica da actividade religiosa encontra-se, na verdade, repartida por diversos lugares do sistema, entre os quais se salientam os seguintes: Constituição Política (artigo 8.°, n.° 3.°, § 3.° do artigo 43.° e artigos 45.° a 48.°, 139.° e 140.°); Concordata e Acordo Missionário, de 7 de Maio de 1940, a que o artigo 61.° do Decreto-Lei n.° 30 615 atribuiu força de direito interno; o Código Administrativo (artigos 449.° e seguintes); o Decreto de 20 de Abril de 1931 (Lei da Separação); o Decreto-Lei m.° 22 468, de 11 de Abril de 1933 (que trata do direito de reunião) e o Decreto-Lei n.° 39 660, de 20 de Maio de 1954, relativo ao direito de associação em geral.
A nova lei que venha a ser publicada sobre o tema não pode ter a pretensão de se substituir a todos os preceitos que hoje em dia se encontram dispersos por estas várias fontes.
Efectivamente, entre o conjunto de regras aplicáveis à liberdade individual ou comunitária de culto e às relações do Estado com as confissões religiosas haverá sem necessidade de seleccionar aquelas que, pela sua natureza intrínseca, devam ser transplantadas para o plano superior do estatuto político do País.
Sabe-se, por outro lado, que a Concordata e o Acordo Missionário constituem instrumentos jurídicos de carácter bilateral, de nenhum modo se justificando que o ser corpo orgânico de soluções seja unilateralmente expurgado de algumas delas.
A lei administrativa constitui, por sua vez, o lugar próprio para a regulamentação do processo indispensável ao registo ou ao reconhecimento das associações religiosas; e nela encontrará ainda assento adequado a definição do regime jurídico das corporações ou institutos que, ao lado de fins religiosos, prossigam fins de assistência, benemerência ou educação.
A regulamentação especial do direito de associação parece igualmente essencial, na medida em que a sua disciplina excede por vários lados o fenómeno associativo confinado a fins religiosos.
Há-de, porém, reconhecer-se que o facto de sei- praticamente impossível concentrar toda a disciplina da actividade religiosa num único diploma não obsta a que a revisão actual do princípio da liberdade religiosa assuma incontestável utilidade.
O princípio começou por ser formulado logo na Lei da Separação, mas a sua regulamentação, mercê do condicionalismo muito especial que rodeou a preparação do articulado, foi feita em termos muito deficientes e em larga medida ultrapassados pela legislação actual.
A Concordada retomou mais tarde o fio da questão, em condições ideológicas de maior tranquilidade nos espíritos, mas curou somente das relações do Estado com a Igreja Católica.
A Constituição, pelo contrário, estende já os seus comandos, tanto à Igreja Católica como às demais confissões religiosas, mas não pode, pela própria posição hierárquica das suas normas, descer aos planos inferiores em que alguns aspectos do regime jurídico em causa se situam.
Haverá, por consequência, toda a vantagem em proceder a uma revisão completa ida matéria, fora do ambiente revolucionário em que a liberdade de culto foi pela primeira vez proclamada entre nós, e com a amplitude necessária para incluir no reexame do tema os múltiplos problemas que mão cabem, nem aio âmbito da Concordata, por dizerem respeito a confissões religiosas diferentes da católica, nem no esquema legal da Constituição, por se situarem no plano hierarquicamente inferior da legislação ordinária.

CAPITULO II

Situação actual das confissões religiosas não católicas

15. Pretensões concretas reveladoras da insuficiência da legislação vigente. - À consideração teórica assente na conveniência da reelaboração sistemática do princípio da liberdade religiosa adita o preâmbulo do projecto de proposta, governamental uma razão de ordem prática imediata, fundada na situação de carência em que presentemente se encontrariam, perante a legislação em vigor, as confissões religiosas não católicas. E nesse fundamento insistiu o Sr. Presidente do Conselho de Ministros ao apontar, em recente declaração pública, a necessidade evidente de regulamentar a liberdade de culto e de associação