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28 DE ABRIL DE 1971 709

CAPITULO I

A liberdade religiosa

22. Sentido e alcance do princípio para a Igreja Católico. - A este valor básico da liberdade das consciências, numa visão axiológica do fenómeno religioso, se ajusta tanto o facto de a Constituição proclamar a liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas (artigo 8.°, n.° 3), antes de tratai das relações do Estado com as diferentes confissões religiosas (artigos 45.° a 48.°) como a própria circunstância de, na sua proposta de alteração da lei constitucional, o Governo alterar a ordem das matérias versadas nos artigos 45.° e 46.°, antepondo à definição da posição especial da religião católica apostólica romana a tese da liberdade de culto e de organização das diferentes confissões religiosas.
Note-se, porém, que a coincidência dos pontos de vista do Estado e da Igreja sobre a posição sistemática do princípio da liberdade religiosa não significa que esta liberdade tenha o mesmo sentido e alcance para ambas as instituições.
A Igreja Católica, sem abdicar da sua doutrina quanto à verdadeira religião e a única Igreja de Cristo 84, associa ao direito (civil) à liberdade religiosa o imperativo ético de cada um procurar a verdade e de por ela pautar a sua vida, na profunda convicção de que essa livre indagação conduza o homem ao verdadeiro caminho da sua salvação 85.
Pelo nexo teleológico que une as duas realidades em presença, dir-se-á que a liberdade civil individual, em lugar de constituir um fim autónomo ou um fim em si mesma, não passa de um simples meio ou instrumento, conquanto meio inderrogável, para o exacto cumprimento do dever moral transcendente que recai sobre todos os seres racionais 86.
"A liberdade religiosa é, no dizer do arcebispo Botero Salazar (Rev. e loc. cits.), o direito da pessoa humana ao livre exercício da religião, em conformidade com as exigências da consciência."
São muitos, porém, os homens que em todo o percurso da sua existência não chegam a procurar as verdades capazes de servirem de autêntico fundamento à vida humana. Uns limitam-se a receber passivamente a herança das práticas do culto, que os seus maiores lhes legaram; outros refugiam-se habitualmente numa atitude de cómodo indiferentismo, resistindo à tentação de se debruçarem sobre problemas que a razão formula a cada passo, mas de cujo exame pressentem que algumas inibições menos agradáveis lhes poderiam advir; enquanto a maior parte só cogita vagamente em tais questões, muito de longe em longe, nos grandes momentos que assaltam a consciência individual, por mais alheia que ela seja às reflexões sobre o sentido da existência e as relações do ser humano com o Universo.
Como quer que seja, a Igreja Católica entende que a concessão da liberdade religiosa não pode, de modo nenhum, constituir privilégio de quem mostre querer efectivamente usá-la para alcançar o fim a que ela se encontra funcionalmente adstrita. Há que manter permanentemente abertas, até ao último sopro de cada vida, as portas através das quais os indivíduos podem alcançar a suprema bem-aventurança. A liberdade individual ó, nesse aspecto, inerente à própria natureza do homem. Não se trata de uma concessão da lei, proveniente do arranjo social dos cidadãos, mas de uma propriedade do espírito humano, fundada no destino transcendente das criaturas.
Não se pode, aliás, descurar a contribuição que o princípio da liberdade religiosa ó capaz de assegurar ao aperfeiçoamento da doutrina e da moral cristã, sobretudo numa época em que, como diz um autorizado pensador, os leigos deixaram de ser meros "objectos num sanatório clerical para a cura das almas" e são chamados pela hierarquia a uma colaboração cada vez mais activa e responsável.

23. Sentido e alcance do principio para o Estado. São diferentes as coordenadas espirituais que definem a posição da matéria na carta jurídica do Estado. Ao poder temporal ó de algum modo estranho o dever moral da procura da verdade com que a Igreja sublima o ideal político da liberdade religiosa, bem como o dever de conformação da vida de cada um com os ditames da verdade a que o seu espírito tenha aderido, para além do chamado mínimo ético exigido pela própria ordem jurídica. Às autoridades civis já não incumbe apontar o verdadeiro caminho que conduz a Deus, nem afirmar qual seja a autêntica igreja de Cristo.
A liberdade que as pessoas e as confissões religiosas exigem da sociedade civil traduz-se na imunidade de toda a coacção em matéria de religião, para que os homens sejam, inclusivamente, livres de seguir ou não seguir os preceitos que lhes dita a própria consciência 87; e essa exigência interessa ao Estado sob um duplo aspecto: como colorário relevante da liberdade das pessoas e das corporações e como meio importante de contribuir para o bem-estar e felicidade temporal dos indivíduos.
No primeiro aspecto, incumbe ao Estado assegurar a liberdade de crenças e de práticas religiosas, bem como a liberdade de organização das várias confissões, dentro dos limites impostos pelos valores (individuais ou sociais) que ao direito cumpre acautelar. No segundo aspecto, haverá mesmo que facilitar, na medida do possível, o cumprimento dos deveres impostos aos indivíduos pela sua religião.
Esta será a atitude de espírito própria do Estado que, sem fazer profissão de fé, não ignora nem subestima

84 "A defesa da liberdade religiosa", diz a Dignitatis Humanae, "deixa Integra a doutrina tradicional católica sobre o dever moral dos homens e das sociedades para com a verdadeira religião e a única Igreja de Cristo
85 Tanto esta convicção, como a tese fundamental sobre a validade eterna da missão confiada aos apóstolos, afastam da recente doutrina conciliar relativa aos irmãos separados toda e qualquer mancha de relativismo moral, de indiferentismo confessional ou de pessimismo diletante. Cf., a propósito, a Instrución pastoral sobre la libertad religiosa, do ascebispo T. Botero Salazar, na Universidad Pontifícia Bolivariana, 1965, p. 173. O que há, porventura, de novo e original nessa doutrina é a acentuação dos elementos de verdade e de santificação que podem encontrar-se disseminados pelas demais confissões e que sempre tornam incomparavelmente mais valiosa a sincera adesão a elas do que o materialismo ateu. Cf. Constituição Dogmática sobre a Igreja (in Vaticano II, Documentos conciliares, 2.ª ed.), n.ºs 15 e 16; Dr. Quelhas Bigote, est. cit., pp. 295 e segs.
86 "Ante a vocação cristã, devidamente entendida", escreve o Dr. Quelhas Bigote (est cit., p. 297) em termos bastante sugestivos, "não há opção moral livre, embora exista física e sociológica. Deus faz-nos livres não para que façamos o que nos dê na gana, mas para cumprir livremente o nosso dever."
87 Quer isto dizer que a liberdade religiosa é, para o Estado, um conceito essencialmente jurídico, de cunho aoentuadamente prático, e não um conceito filosófico, como o livre pensamento, ou um conceito teológico, como a liberdade eclesiástica: Ruffini, La liberta religiosa, I, 1901, p. 5. A diferente posição da Igreja e da sociedade civil em face da criatura humana e da sua liberdade em matéria de religião está descrita com bastante nitidez na declaração do cardeal Journet sobre o tema da liberdade religiosa, por ocasião do debate conciliar (Razon y Fe, 172, pp. 341-342).