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28 DE ABRIL DE 1971 705

religiosa para as confissões não católicas como a causa imediata da iniciativa do Governo 70.
Em que consistem as dificuldades justificativas da necessidade de regulamentação realçada pelo Governo?
Entre os casos genèricamente referidos na comunicação do Sr. Presidente do Conselho há pelo menos um, que é do domínio público, por ter sido objecto de apreciação dos e ninais, e se mostra capaz de facultar alguns esclarecimentos sobre a matéria.
Trata-se do caso versado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Outubro de 1962.
Um particular, intitulando-se bispo da Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica, interpôs recurso contencioso contra a sentença da Auditoria Administrativa do porto 71, que confirmara a decisão do governador civil do distrito, indeferindo o pedido de registo dos estatutos de certa associação.
A associação que o requerente pretendia registar era, precisamente, a "Igreja Lusitana Católica Apostólica evangélica" e o governador civil desatendera a pretensão, por entender que "a associação em causa não revestia as características legais das associações religiosas".

16. O reconhecimento da personalidade jurídica das associações religiosas não católicas. - A disposição legal invocada pelo peticionário para obter o registo da associação era o artigo 450.° do Código Administrativo, cujo texto diz o seguinte:

As associações religiosas adquirem personalidade jurídica pelo acto de registo da participação escrita da sua constituição, apresentada na secretaria do governo civil do respectivo distrito.

Resta saber, porém, que entende a lei administrativa per associações religiosas para o efeito deste processo abreviado 72 de aquisição da personalidade jurídica.
Dizem-se associações religiosas, nos termos do artigo 449.° do mesmo Código, aquelas "que se constituírem com o fim principal da sustentação do culto, de harmonia com as normas da hierarquia e disciplina da religião a que pertencerem".
A definição está formulada, como justamente se observa no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, em termos que pressupõem uma distinção básica entre as associações religiosas, de um lado, e a religião 73 (ou a confissão religiosa) a que elas pertencem e a cujas normas a sua constituição se deve subordinar, do outro. E só às primeiras, aliás justificadamente", como se verá mais adiante, aproveita o processo abreviado de reconhecimento da personalidade jurídica, que a lei administrativa consagra.
Ora, no caso concreto que o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a decidir, era uma verdadeira confissão religiosa que o interessado pretendia registar, sendo os estatutos por ele apresentados que consignavam as normas da hierarquia e da disciplina por que a religião se haveria de reger.

17. O reconhecimento das próprias confissões religiosas. - Mas, perguntar-se-á, como se processa então o reconhecimento da personalidade jurídica das próprias confissões religiosas?
O problema não se levanta em relação à Igreja Católica, cuja personalidade jurídica se encontra directamente reconhecida, quer na Concordata, quer na Constituição Política. Mas tem já pleno cabimento quanto às outras religiões ou confissões, uma vez que elas nem sequer se encontram abrangidas na remissão genérica que o § único do artigo 449.° do Código Administrativo faz para o direito comum.
E a dificuldade não pode ser solucionada com a facilidade que poderia depreender-se dos termos da decisão do Supremo Tribunal Administrativo.
Diz, em resumo, o acórdão de 26 de Outubro de 1962 que a noção restrita de associação religiosa nada tem que ver com o princípio constitucional da liberdade de cultos e de religião, "pois o facto de certa associação ser, ou não, considerada religiosa de forma alguma vai afectar a liberdade da práticas religiosas que aquele princípio postula"; além disso, "tal princípio não implica o reconhecimento da personalidade jurídica às próprias igrejas, como resulta, aliás, da parte final do artigo 46.° da Constituição Política, e se afirmava já claramente no relatório do Decreto n.° 11 887, de 6 de Julho de 1926, ao escrever-se:

[...] não é, pois, às igrejas como tais que o Governo concede personalidade, mas às corporações e institutos encarregados de promover o culto".

Pode, é certo, sustentar-se que o princípio da liberdade de crenças e práticas religiosas, que o n.° 3.° do artigo 8.° da Constituição inclui entre os direitos invioláveis dos cidadãos portugueses, não conduz forçosamente a ideia da autonomização jurídica dos grupos de pessoas com a mesma crença ou com princípios afins em matéria

70 O trecho a que o texto se refere, extraído da comunicação feita ao País do dia 16 de Novembro de 1970, é o seguinte: "Com relativa frequência nos últimos tempos têm sido apresentados ao Governo requerimentos para a constituição de associações religiosas não católicas ou a abertura de templos de confissões diferentes.
Embora a Constituição assegure a liberdade de culto e de associação religiosa, tal matéria não está devidamente regulamentada para as confissões não católicas: e no estado actual da questão as autoridades ignoram mesmo quais sejam as confissões que exercem a sua actividade em Portugal, que princípios professam, quem as representa.
Foi, pois, a partir de casos concretos e de necessidades evidentes da administração pública que se impôs a necessidade de regulamentação, indo ao encontro, aliás, de princípios formulados na última assembleia conciliar da Igreja Católica."
71 Diário do Governo (apêndice n.° 173), de 10 de Julho de 1963.
72 Não tão abreviado, em todo o caso, como o consagrado no § único do mesmo artigo 450.° para as associações religiosas dia Igreja Católica: o reconhecimento da personalidade jurídica destas prescinde do acto de registo, bastando a participação feita pelo bispo da diocese onde tiverem a sua sede, ou pelo seu legítimo representante, ao governador civil.
Ficam, no entanto, fora da letra do § único do (artigo 450.° do Código Administrativo, quer as associações religiosas católicas, cujo fim principal não seja ia sustentação do culto (como sucede com as pias uniões e ias ordens terceiras seculares), quer as associações ou fundações cuja instituição não pertença ao bispo da diocese, mas a outra autoridade (cf. Prof. Sebastião Cruz, est. cit.).
73 Diz-se intencionalmente religião ou confissão religiosa, e não igreja, porque nem todas as confissões adoptam a forma ou a designação de igreja (Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8.ª ed., I, p. 374). A distinção entre a confissão religiosa e as associações nela integradas ou a ela pertencentes é corrente na doutrina e na jurisprudência italiana: cf. Foro Ital., 1958, I, col. 1778.