28 DE ABRIL DE 1971 711
Não se admitia, quanto a elas, a liberdade de culto público; e o próprio culto particular ou doméstico apenas era reservado aos cidadãos estrangeiros.
Em situação análoga viveram essas confissões em Espanha, até a entrada em vigor da recente lei sobre a liberdade religiosa (Lei de 28 de Junho de 1967). No relatório europeu vigorava o artigo 6.° do Foro dos Espanhóis, segundo o qual "ninguém será perseguido por motivo das suas crenças religiosas no exercício particular do culto. Não serão permitidas outras cerimónias externas que não sejam, as da religião católica". Nos territórios de oportuna espanhola em África havia uma situação de facto, que era de tolerância, mesmo quanto ao culto exterino, das confissões não católicas. Embora não houvesse nenhum preceito de carácter constitucional sobre a matéria, não deixou de fazer-se alusão a essa situação no texto da Concordata de 27 de Agosto de 1953, celebrada entre a Santa Sé e o Governo Espanhol. "No que se refere à tolerância dos cultos não católicos, nos territórios de soberania espanhola em África", dizia o Protocolo ao artigo 1.°, "continuará em vigor o statu quo observado até agora."
A liberdade religiosa distingue-se do regime da mera tolerância, pelo menos em dois aspectos fundamentais 97: por um lado, garante-se com ela a liberdade de culto, tanto particular como público, a todas as confissões religiosas reconhecidas e não apenas a uma delas; por outro, admite-se a liberdade de organização das diferentes comissões, embora possa variar o processo de reconhecimento da personalidade jurídica das associações nelas integrados.
26. A liberdade religiosa e a igualdade de regime jurídico aplicável às diferentes confissões. - Não pode, com. efeito, considerar-se essencial ao princípio da liberdade religiosa, sobretudo na perspectiva histórica da sua evolução, a igualdade de regime aplicável às diferentes confissões.
Trata-se de conceitos absolutamente distintos. Uma coisa é a liberdade religiosa e a igualdade dos cidadãos perante a lei, seja qual for o seu credo, que se referem a eliminação de toda a coacção em matéria de religião e constituem o mínimo igualmente exigível do Estado por todas as confissões reconhecidas. Outra coisa é o conjunto de providências que, excedendo o mínimo de tutela exigível por todas em obediência ao princípio da imunidade da coacção, se consideram aplicáveis apenas a algumas delas 98.
Assim se compreendo que a Alemanha Ocidental, por exemplo, onde a influência do catolicismo e do luteranismo não encontra termo de comparação junto das outras confissões, considere a Igreja Católica e a Igreja Evangélica como corporações de direito público, enquanto as outras, de muito menor projecção na vida social germânica, têm o estatuto de simples associações de carácter privado.
No que toca à religião caítólica apostólica romana, o tratamento especial de que ela goza em alguns estados europeus e sul-americanos (cf., no que respeita à Argentina, a nota informativa dada por J. Alberto Soggin, La liberta di culto nella Repubblica Argentina negli ultimi anni, in Il dir. ecclesiastico, 1963, pp. 49 e segs.) justifica-se por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, a Igreja Católica assenta sobre uma organização jurídica que conta muitos séculos de existência 99. Os camonistas, a quem se deve em muitos pontos uma contribuição notável para o aperfeiçoamento do próprio direito civil, souberam condensar e sistematizar, primeiro em compilações de textos, depois em codificações de preceitos (normativos, os princípios fundamentais aplicáveis às matérias em que a Igreja se arroga, jurisdição. Todo o movimento associativo do catolicismo, aperfeiçoado ao longo dos séculos pelo saber e a experiência dos pontífices e doutores da Igreja, encontra no Codex Júris Cantinici (tal como anteriormente no Corpus Júris Ganonici) a sua completa e minuciosa regulamentação.
Esta lenta e conhecida sedimentação de princípios com uma notória vocação (ecuménica fornece naturalmente aos diferentes Estados uma base jurídica mais sólida de apoio do que a facultada pelas outras confissões religiosas, algumas das quais se insurgem mesmo, como é sabido, contra o assento jurídico da organização eclesial romana. Assim se compreende que o reconhecimento da personalidade jurídica das associações católicas possa ser mais facilitado do que o das associações integradas em confissões diferentes: que, no primeiro caso, possa, nomeadamente, vigorar o sistema do reconhecimento normativo, e, no segundo, o regime do reconhecimento por concessão.
E, mais ainda do que isso: a existência de um ordenamento jurídico canónico, dotado de autonomia, permite regular as relações entre o Estado e a Igreja Católica por via de pactos, convenções ou concordatas, como os celebrados entre Estados (G. Olivero, Sui contatti fra i Protocolli lateranensi e la Costituzione, no Foro ital., 1962, IV, col. 75), enquanto as relações com os cultos não católicos têm de ser disciplinadas por acto de autoridade estadual, no plano da legislação interna.
Em segundo lugar, não só as raízes cristãs da comunidade nacional, como a formação católica da quase totalidade da população de alguns dos estados europeus 100 e sul-americanos, criam em vários sectores da vida social um condicionalismo especial que ao Estado de nenhum modo é lícito ignorar.
É elucidativo o exemplo da instrução pública.
97 Em regra, o regime de tolerância caracteriza-se ainda pelo caracter confessional do Estado que o consagra. Há uma religião oficial (religião do Estado, religião dominante), mas o Estado admite (tolera), em termos mais ou menos apertados, o culto de outras confissões.
98 Vale a pena transcrever as passagens incisivas do trecho de Ruffini (apud Pio Fedele, La liberta religiosa, 1963, p. 76), que, não obstante a reconhecida autoridade do escritor, deu lugar a uma acesa polémica com Scaduto: "Falar, porém, de igualdade, ou mesmo de equivalência, é simplesmente ridículo em relação àqueles países do continente europeu - a Itália, por exemplo - em que as várias confissões não católicas não chegam a recrutar senão uns escassos milhares de adeptos, desagregados e disperses, em face dos compactos milhões de fiéis da igreja católica. Em tais circunstâncias, a ideia de pôr em prática uma perfeita paridade ou igualdade de tratamento jurídico significaria necessariamente que o Estado devia, em homenagem a puras abstracções ou teorias, ignorar a realidade concreta dos factos." E mais adiante: "Há uma paridade em sentido falso, que é a da igualdade absoluta, abstracta, matemática, e uma paridade no sentido justo, que é a da igualdade relativa, concreta, jurídica: pois, como justamente escreve Kahl, o verdadeiro princípio da paridade não é a cada um o mesmo, mas a cada um o que lhe pertence." Sobre o valor dos argumentos invocados pelos dois autores, cf. a explanação do próprio Pio Fedele, ob. cit., pp. 78 e segs.
99 J. Maldonado, Curso de derecho canónico para juristas civiles, 1967, pp. 27 e segs.; António Garcia y Garcia, História dei derecho canónico, 1, 1967, pp. 11 e segs.; D. Teodoro A. Marcos, Instituciones de derecho canónico, I, 1940, pp. 35 e segs.; P. Ferreres, Instituciones canónicas, 5.ª ed., I, 1934, pp. 20 e segs.; Sinopoli, est. cit., n.° 9.
100 Informa Corral Salvador ("El ordenamiento...", na Rev. de Est. Políticos, 158, p. 88) que foi apenas de 35 000 o número de espanhóis que declararam pertencer a confissões religiosas diferentes da católica.
Na Itália, calculava-se em 1955 que andaria à volta de 190 000 o número de não católicos, distribuídos por quarenta e oito confissões religiosas (cf. Pio Fedele, ob. cit., p. 59, nota 25).