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716 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 70

se poderia admitir que a rebeldia do adolescente à educação religiosa que o pai pretende ministrar-lhe pudesse servir, por si só, de fundamento legal à decretação de qualquer das medidas previstas nos artigos 17.° e 18.° da Organização Tutelar de Menores 122.

Um outro problema pode suscitar ainda a educação religiosa dos filhos, nas suas atinências funcionais com o poder paternal: o do possível dissídio entre pai e mãe, quanto à orientação a dar a essa educação 123.
Entre nós, no plano estritamente jurídico, nenhuma razão válida subsiste para não aplicarmos a esta matéria todos os princípios que integram o regime do poder paternal.
"Compete a ambos os pais", diz o n.° 1 do artigo 1879.º do Código Civil, "a guarda e regência dos filhos menores não emancipados com o fim de os defender, educar e alimentar."
Nas disposições subsequentes, além de se atribuir expressamente ao pai a chefia da família, definem-se os poderes especiais de cada um dos progenitores, dizendo-se concretamente, no que toca à mãe, que lhe compete ser ouvida e participar em tudo o que diga respeito aos interesses do filho € velar pela sua integridade física e moral.
Da leitura destes preceitos conclui-se que a educação dos filhos (sem exceptuar a sua formação religiosa, que é peça fundamental do sistema) cabe conjuntamente a ambos os pais. Se, não obstante a colaboração que a lei reclama de ambos, houver uma divergência irredutível entre eles neste domínio, prevalecerá a orientação do pai (quer ele seja crente, quer não seja), como chefe da família. A ele competirá assim, em última instância, decidir se o filho há-de ou não ser educado religiosamente e escolher a religião em que ele deva ser educado.
Sabe-se qual foi o objectivo que preponderou no espírito da lei civil ao consagrar semelhante opção.
Perante o dilema de respeitar o princípio formal da igualdade dos cônjuges, sacrificando em larga medida a paz da família ao mais ligeiro dissídio entre os pais, ou defender a intimidade e a paz do núcleo familiar, com prejuízo daquele princípio, preferiu-se decididamente a segunda alternativa. E as razões que justificam a solução no tocante à defesa e alimentação do menor colhem, com igual força, relativamente à sua educação.

31. III) A liberdade de crenças, a liberdade de culto e a liberdade de propaganda. - Os autores e as legislações distinguem muitas vezes entre a liberdade de crenças ou de consciência e a liberdade de culto.
A primeira consistiria na possibilidade de as pessoas professarem quaisquer ideias em matéria de religião, sem nenhumas limitações ou restrições por parte da autoridade civil. A segunda traduzir-se-ia, por seu turno, na possibilidade de adorar a Deus ou prestar veneração à divindade, em termos paralelos.
Já no Edicto de Milão de 313 se teria distinguido, quanto aos cristãos, entre a faculdade sequendi religionem quani quisque vult e a faculdade colendi religionem suam.
Para quem acompanhar o penoso e acidentado percurso da ideia da liberdade religiosa nos vários países do Ocidente, a distinção entre a Uberdade de consciência e a liberdade de culto terá incontestável justificação histórica, na medida em que algumas vicissitudes especiais desse processo (nomeadamente a destrinça entre o culto privado e o culto público, na época em que as novas ideias começam a despontar sobre a cerrada intolerância do período anterior) interessam particularmente a esta última.
Hoje, porém, que as leis dos vários Estados consagram abertamente, em termos amplos, o direito da liberdade religiosa, a liberdade de culto não passa, conceitualmente, de uma simples faceta da Uberdade de crenças ou de consciência.
A distinção entre uma e outra não constitui senão um resíduo histórico de certa evolução, que temos de considerar ultrapassado em face da real dimensão dos preceitos da legislação vigente.
Pela mesma razão se pode considerar històricamente explicável, mas logicamente desnecessária perante a nova substância que os conceitos adquiriram na doutrina moderna, a distinção verbal que a Constituição Portuguesa faz entre a liberdade de crenças e a Uberdade de práticas religiosas, sabido que nestas práticas religiosas se incluem, principalmente, os actos de culto.
A liberdade de crenças, ou a liberdade de consciência, como várias constituições estrangeiras lhe chamam, compreende, naturalmente, a liberdade de culto, por ser a adoração colectiva da divindade uma das formas - quiçá a forma por excelência - de as pessoas manifestarem, por actos e por palavras, os seus sentimentos religiosos.

Considerações até certo ponto análogas aproveitam à chamada liberdade de propagandam, visto a difusão das convicções em matéria de religião representar um complemento natural da sua força emocional ao serviço dos sentimentos de solidariedade humana e constituir, por vezes, um imperativo da própria confissão religiosa.
Sabe-se, porém, como tem sido especialmente moroso o polimento legislativo desta faceta do princípio da liberdade religiosa e lenta a evolução da liberdade de propaganda das confissões não católicas nos países de mais forte tradição católica, (tal como tem sido gravemente coarctada a pregação do cristianismo nos Estados de ideologia marxista.
Decerto pelos aspectos particularmente delicados que esta liberdade envolve, a generalidade das constituições modernas não faz menção expressa dela.
Exceptuam-se a Constituição Grega de 1928 [que, não obstante proclamar a liberdade de consciência e a Uberdade de cultos, proíbe o proselitismo (artigo 1.°)], a Constituição Russa de 1936 [que expressamente consigna, ao lado da liberdade de exercitar o culto religioso, a liberdade de propaganda anti-religiosa (artigo 124.°)] e a Constituição Italiana de 1947 [onde se afirma apertis ver-

122 Cf., em sentido paralelo ao desenvolvido no texto, as judiciosas considerações de Jemolo, ob. cit., p. 194.
123 Quanto aos critérios a observar ma regulação (judicial) do poder paternal (no que nomeadamente se refere a entrega do menor), quando um dos país seja crente e o outro não, v. supra, p. 41, e ainda Jemolo, ob. cit., pp. 198 e 199; Bigiavi, "Ateísmo e affidamento delia prole", na Riv. trim. dir. proc. civ., 1950, pp. 534 e segs. Cf. L. Spinelli, "Educazione religiosa della prole e contrasto tra genitori", no Archivo giuridico, 1964, p. 46; Allorio, "Ateísmo ed educazione dei figli", na Giurisp. Ital., 1949, parte I, secção II, cols. 11 e segs., e "L'ateo educatore", na mesma revista, IV, cols. 83 e segs.
124 A expressão "liberdade de propaganda", usada por muitos autores, pode considerar-se um pouco agressiva para a sensibilidade dos crentes, dado o sentido um tanto pejorativo que a difusão desregrada das convicções políticas emprestou ao termo "propaganda".
Outros prefeririam, por isso mesmo, chamar-lhe liberdade de doutrinação, de predicação ou pregação.