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28 DE ABRIL DE 1971 719

Por outro lado, prevê-se expressamente na Constituição, ]i3 Concordata e no Código Administrativo (arts. 449.° e seguintes) o sistema do reconhecimento indirecto para as associações religiosas: reconhecimento normativo para a generalidade das associações católicas 130, reconhecimento por concessão (art. 450.° do Código Administrativo) para as associações não católicas.
Esta diversidade de regime, conforme as associações sejam ou não católicas, não exprime nenhum tratamento de privilégio para as primeiras.
Assenta, como se viu, na profunda diferença existente entre a estrutura jurídica da Igreja Católica e a organização das demais confissões praticadas no território nacional, 131 e bem assim no reconhecimento recíproco, manado desde há séculos, com breves interrupções apenas entre as duas hierarquias, a da Igreja Católica e a do Estado.
As deficiências de que sofre a legislação vigente, neste capítulo do reconhecimento da personalidade jurídica das associações religiosas em geral, que principiam logo com a noção demasiado restrita dada pelo artigo 449.° do Código Administrativo, bem como as alterações capazes de as suprirem, serão analisadas mais adiante, na altura em que se proceder ao exame na especialidade do projecto de proposta governamental.

35. Limites da liberdade religiosa. - A liberdade religiosa está naturalmente sujeita, nas suas várias manifestações, à observância de certos limites.
Dizem os moralistas, com razão, que liberdade não é sinónimo de licença, ou, em termos mais expressivos, que a liberdade se não pode confundir com a libertinagem.
O homem só é, de facto, verdadeiramente livre, na mais nobre acepção do termo, quando, emancipado da escravidão dos instintos e superior a todos os respeitos humanos, conseguir identificar a sua vontade com os puros ditames da lei moral.
Porém, no domínio terreno e social do direito, o que conta para o legislador é a necessidade de conciliar o exercício da liberdade de cada indivíduo com o respeito devido aos direitos de terceiro e com a salvaguarda dos valores fundamentais da sociedade em que todos se integram. Necessidade particularmente ponderosa no que toca ao sector ideológico da religião, pelos excessos a que pode conduzir, tanto o fanatismo dos crentes como o sectarismo dos ateus.
Daí que a própria Declaração Conciliar, depois de filiar a liberdade religiosa na dignidade humana, aluda por mais de uma vez aos limites a que ela tem de subordinar-se 132.
Também a maior parte das constituições modernas, ao traçarem as linhas gerais do respectivo regime jurídico, aludem expressamente a esses limites.
Os limites geralmente referidos, quer na doutrina, quer nas legislações, são os ditados pela ordem pública, pelos bons costumes e, em um ou outro caso, pela moral 133.
A salvaguarda dos bons costumes reporta-se, em princípio, aos ritos religiosos ou às práticas do culto 134, ao passo que a ordem pública visa, de preferência, os princípios incorporados na doutrina ou moral da confissão 135.
A fixação destas restrições, principalmente pelo que concerne à ordem pública, tem-se prestado, porém, a muitas dúvidas entre os autores e tem oferecido o flanco a algumas críticas na doutrina.
A respeito dos bons costumes, permitirá apenas, no entender de muitos autores, condenar os ritos religiosos ou as práticas de culto que violem o sentimento de pudor das pessoas ou os valores que a lei penal tutela com a punição dos crimes sexuais.
Seria o caso dos ritos que envolvessem promiscuidade ou perversão sexual ou que consagrassem práticas nudistas, ou o caso da confissão religiosa que reconhecesse a licitude do incesto.
Dar à expressão "bons costumes" um sentido mais amplo, de modo a incluir nela, por exemplo, a condenação de todas as práticas nocivas à saúde ou repugnantes à sensibilidade comum (caso dos gestos, gritos e atitudes descompostas com que os pontecostais propiciariam a descida do Espírito Santo sobre os fiéis), tem os seus perigos de abuso, dizem alguns comentadores, bastando recordar para o efeito as críticas com que o pensamento positivista do século XIX se insurgiu contra certas práticas do catolicismo (as penitências excessivas, o uso de cilícios, a clausura de algumas ordens, a castidade dos seminaristas, ministros de culto e religiosos, etc.), considerando-as um atentado contra o são desenvolvimento físico e psíquico do organismo humano.
Seja, no entanto, qual for o sentido exacto desta limitação 136, tem-se por incontestável que ela não basta para

130 Para a generalidade e não para a totalidade das associações católicas. O reconhecimento da personalidade jurídica, por parte do Estado, pressupõe que a associação ou instituto tenha adquirido previamente a personalidade jurídica canónica, ficando assim excluídas as associações que apenas são aprovadas ou recomendadas. Entre as associações ou institutos canonicamente erectos não haverá que distinguir entre os que são constituídos pelo ordinário da diocese e os que sâo criados, mediante privilégio apostólico, por outra autoridade, contanto que, nos termos do texto concordatário, a participação escrita seja feita pelo bispo da diocese respectiva ou pelo seu legítimo representante.
131 "Entre mós", escreve o Prof. Sebastião Cruz (est. cit., separata, p. 6), "as associações religiosas não católicas constituem uma percentagem mínima (talvez cerca de 0,2 por cento), e, em virtude de a sua organização jurídica, ser, religiosamente, bastante rudimentar e muito variável, não merecem uma análise especial."
É sublinhada a parte do trecho que se pretende salientar.
132 Estes limites provêm, quer do facto de o homem, como ser eminentemente social, viver forçosamente em sociedade, quer da circunstância de estar permanentemente exposto, pela sua natureza, ao erro e ao pecado: Piola, nos Annali della Facoltà di Giurisp. di Genova, 1965, ip. 519.
133 Refere-se concretamente à moral cristã o artigo 40.° da Constituição da Colômbia.
134 Assim, de modo explícito, o artigo 19.° da Constituição Italiana de 1947, quando, depois de proclamar a liberdade de culto, quer particular, quer público, e de omitir, parece que intencionalmente, a limitação fundada na ordem pública, acrescenta a seguinte ressalva: "contanto que não se trate de ritos contrários aos bons costumes".
135 Neste sentido se acha redigido o § único do artigo 46.° da Constituição Portuguesa: "Exceptuam-se os actos de culto incompatíveis com a vida e integridade física da pessoa humana e com 08 bons costumes, assim como a difusão de doutrinas contrárias à ordem social estabelecida."
Algo diferente é a redacção proposta pela Câmara, no parecer sobre a revisão constitucional, para o artigo 45.°: "O Estado assegura a liberdade do culto de Deus, bem como a de organização das confissões religiosas cujas doutrinas não contrariem os princípios fundamentais da ordem constitucional, nem atentem contra a ordem social e os bons costumes e desde que o culto praticado respeite a vida, a integridade física e a dignidade das pessoas." V. Actas da Câmara Corporativa, n.° 67, de 16 de Março de 1971.
136 Na doutrina civilistica, bem como na própria legislação, está muito divulgada, a propósito do negócio jurídico, uma
concepção mais ampla que a referida no texto. Contrário aos bons costumes (gegen die guten Siten, como dizem os autores alemães) tem aí o sentido de imoralidade. O acto e é contrário aos bons costumes quando ofende as regras morais aceites pela consciência social dominante (cf. M. Andrade, Teoria geral da relação jurídica, II, 1960, n.ºs 169 e segs.; Trabucchi, "Buon costume, na Enciclopedia del diritto, n.° 7; Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, tradução portuguesa do Dr. Manuel de Alarcão, 1967, pp. 163 e segs.; Protetti, Buon costume no Novíssimo Digesto Ital., n.° 3.