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28 DE ABRIL DE 1971 721

de jurisdição espiritual próprias da hierarquia eclesiástica. Sem embargo do regime da separação, que a Concordata de 1940 manteve entre a Santa Sé e o Estado Português, o censo populacional de 1960 continuou a acusar uma percentagem esmagadora de católicos entre os residentes no continente e nas ilhas (97,8 por cento) 141.
A concorrência íntima das qualidades de crente (católico) e de cidadão na personalidade da generalidade dos Portugueses reflecte-se praticamente em todos os sectores da vida nacional, mas sente-se, de modo especial, em dois domínios bastante vastos da nossa actividade social: na educação e na assistência.
Os pais que pensam sèriamente na instrução dos filhos, mesmo quando perderam a fé, nunca a tiveram ou não são praticantes, desejam no geral que estes sejam educados nos princípios da doutrina e moral cristã. Nem de outro modo se explica o visível empolamento do ensino particular a cargo das ordens religiosas ou do clero secular, depois que a Concordata assegurou à Igreja Católica a liberdade de acção de que ela carecia.
Por outro lado, foi por iniciativa ou com a preciosa colaboração das organizações católicas que durante séculos se processou quase todo o movimento da assistência no País. E ainda hoje, apesar da progressiva intervenção do Estado nesse domínio e da contínua deslocação de antigas tarefas da assistência caritativa para o sector da previdência oficial ou contratual, boa parte daquele movimento se opera por intermédio das associações religiosas. É nas instituições de assistência e de caridade que encontram o seu campo ideal de acção muitas pessoas ferverosamente crentes, ansiosas de pôr em prática os seus princípios morais e religiosos de amor pelo próximo e de salvação da sua alma. É para as corporações ou institutos religiosos que mais confiadamente se volvam os sentimentos de piedade de muitos dos que em vida amealharam alguns bens, cuja aplicação útil pretendem garantir para além da sua morte.
Cometeria o Estado um erro grave se, para dar guarida na legislação vigente aos novos aspectos da. liberdade religiosa, se dispusesse desnecessariamente a abrir mão deste conjunto de factores que tanto pesam na vida colectiva dos Portugueses. Para ser uma imagem autêntica da realidade, a ordem jurídica necessita de garantir uma .expressão adequada a todos estes valores morais, religiosos e sociológicos de que está fortemente impregnada a vida da comunidade nacional, sem prejuízo de se manter aberta a todas as conquistas reais do progresso moral dos povos.

37. Perfeita harmonia entre a liberdade religiosa e o tratamento jurídico devido à religião católica e suas organizações. - Que os dois objectivos referidos no final do número precedente são fáceis de congraçar entre si, pode confirmá-lo o articulado da Lei Espanhola de 28 de Junho de 1967.
No próprio diploma sobre a liberdade religiosa, precisamente no mesmo artigo em que faz rodar os gonzos das suas venerandas instituições para receber esse princípio verdadeiramente revolucionário em face da legislação precedente, o Estado Espanhol, coerente com o pensamento clássico da sua confessionalidade (sucessivamente afirmado no Foro dos Espanhóis, na lei da Sucessão na chefia do Estado, e na Concordata de 1953), continua a proclamar a religião católica como religião oficial do país.
Este exemplo de fidelidade às raízes profundas da cultura espanhola mostra, de facto, que é perfeitamente possível reconhecer e garantir a liberdade de consciência e de culto, a que todos os indivíduos têm direito, com o respeito pelos deveres a. que o Estado se encontra adstrito perante a Nação, como entidade moral e histórica distinta dos cidadãos que em cada momento a compõem, e bem assim dos governantes que a dirigem.
Também na Constituição Italiana, ao lado do princípio da liberdade religiosa, proclamado nos artigos 3.°, 19.° e 20.°, se afirma no artigo 7.° que as relações entre o Estado e a Igreja Católica (independenites e soberanos na sua esfera de acção) são reguladas pelos pactos de Latirão, que consagrara a religião católica como a religião oficial de Itália.
Não surpreende, assim, que sejam múltiplos os aspectos em que, na legislação portuguesa vigente, a despeito do carácter não confessional do Estado, se revela o tratamento jurídico especial devido a religião católica.
Logo no texto constitucional 142 se salientam as seguintes prescrições:

a) A afirmação da religião católica como religião da Nação Portuguesa;
b) A atribuição directa de personalidade jurídica à Igreja Católica;
c) O reconhecimento normativo da personalidade jurídica das associações ou organizações constituídas de harmonia com o direito canónico;
d) O princípio da regulamentação, por acordo, das matérias de interesse comum à Santa Sé e a Portugal;
e) O dever de o ensino oficial se orientar, quanto à formação das virtudes morais dos jovens, pelos princípios da doutrina e da moral cristãs, tradicionais do País;
f) A garantia de protecção e auxílio do Estado às missões católicas portuguesas do ultramar e aos estabelecimentos de formação do pessoal para o serviço delas, como instituições de ensino e assistência e instrumentos de civilização.

Da Concordata de 7 de Maio de 1940, convertida em direito interno português pelo artigo 61.° do Decreto-Lei n.° 30 615, de 25 de Julho do mesmo ano, abstraindo das normas correspondentes aos preceitos constitucionais que acabam de ser transcritos e de outras disposições de carácter transitório, ó possível respigar mais os seguintes pontos:

a) O reconhecimento do poder de ordem e jurisdição da Igreja Católica na esfera da sua competência, sem sujeição ao beneplácito do Estado (artigo II);

141 Numa população total (continente e ilhas) de 8 889 392 habitantes, é de 8 701 898 o número de católicos, de 38 005 o de cristãos não católicos, de 1742 e de não cristãos e de 147 747 e de pessoas sem religião.
142 Esse texto está sujeito, como se sabe, a próxima revisão da Assembleia Nacional. Manteve-se, porém, no articulado sugerido pela Câmara sobre a proposta de revisão constitucional, a doutrina que a seguir se refere no texto [alíneas b) e seguintes], com ligeiras alterações de redacção. A afirmação da religião católica como religião dia Nação Portuguesa é que foi substituída pelo reconhecimento da posição especial dia religião católica entre as várias crenças professadas pelos Portugueses.