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722 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 70

b) A equiparação das associações, corporações ou institutos religiosos, canonicamente erectos, em matéria de capacidade patrimonial, às demais pessoas morais perpétuas, com garantia da sua livre administração, sob a fiscalização das autoridades eclesiásticas (artigo IV; cf. artigos 452.° e seguintes do código Administrativo; base V, n.° 3, da Lei n.° 1998, de 15 de Maio de 1944, e base XXIV, n.° 2, da Lei n.° 2120, de 19 de Julho de 1963);
c) A necessidade do consentimento da autoridade eclesiástica para a demolição ou desafectação dos templos, edifícios, dependências ou objectos do culto católico (artigo VII);
d) As isenções fiscais concedidas, tanto em relação a determinados bens (nomeadamente aos estabelecimentos destinados à formação do clero) como a favor dos eclesiásticos, pelo exercício do seu múnus espiritual (artigo VIII);
e) A equiparação dos eclesiásticos, no exercício do seu ministério, às autoridades públicas, para o efeito da protecção do Estado (artigo XI);
f) A audiência de preceito do Governo Português, antes da nomeação dos arcebispos, bispos residenciais ou coadjutores, cum iure successionis (artigo X);
g) A exigência da nacionalidade portuguesa para a investidura em certos cargos de autoridade eclesiástica (artigo IX);
h) A garantia de assistência religiosa às forças armadas em campanha, através de uma organização adequada de capelania militar (artigo XVIII);
i) A atribuição de efeitos civis aos casamentos católicos e o reconhecimento da jurisdição eclesiástica quanto ao reconhecimento da validade deles (artigo XXV).

Estas disposições, entre outras, revelam que o Estado não só garantiu à Igreja Católica, através do instrumento diplomático firmado no Vaticano, a liberdade religiosa de que fora privada com a Lei da Separação, como tomou positivamente em linha de conta a importância excepcional que o catolicismo assumiu, desde a formação da nacionalidade, na vida da comunidade portuguesa, atribuindo às pessoas, às coisas e às instituições adstritas ao culto o tratamento correspondente a esse facto.
A Santa Sé reconheceu a atitude do Estado, abdicando por seu turno de algumas das prerrogativas que caberiam na esfera normal da sua competência.
Toda esta matéria constitui parte integrante do regime jurídico dos assuntos religiosos, e nenhuma (razão inculca que ela deva ser omitida ou não deva ocupar o lugar de relevo que logicamente lhe compete dentro do diploma em que o Estado se propõe rever a peça básica de todo o sistema, embora para tal não haja necessidade de repetir materialmente as dezenas de preceitos que, na legislação em vigor, interessam à Igreja, às associações ou aos institutos católicos.

CAPÍTULO III

A separação entre as confissões religiosas e o Estado ou o carácter não confessional do Estado

38. A separação e o regime instituído pela Concordata. - São perfeitamente conciliáveis entre si, quer em teoria, quer na prática, a liberdade religiosa, na ampla e moderna acepção do conceito, e o carácter confessional do Estado 143.
Mais fácil de harmonizar será ainda, na política legislativa do Estado, a concepção liberal dos novos tempos com o regime de separação entre o poder civil e as igrejas.
Sendo este o regime vigente, o Estado não faz sua nenhuma religião ou confissão religiosa. A religião não ó um serviço público, que ao Estado incumba manter ou para cujo governo disponha de Ministério e repartições apropriadas. Os sacerdotes ou ministros do culto não são funcionários públicos enumerados pelo Estado. Não é o erário público que custeia a construção dos templos ou a aquisição dos objectos destinados ao culto. Não é ao Governo que compete nomear ou destituir os prelados. Nem é a Igreja que confere o poder às autoridades civis, incumbidas do governo temporal, ou que nelas o delega como depositária directa- de toda a soberania entre os homens.
Igreja e Estado constituem duas ordens jurídicas distintas e perfeitas. Dois poderes diferentes e autónomos - o espiritual e o temporal; Deus e César.
Quando, em Maio de 1940, se divulgou a notícia da celebração da Concordata entre a Santa Sé e o Governo Português, é curioso observar que, nas breves considerações tecidas à volta do acontecimento, as entidades responsáveis tiveram o cuidado de acentuar expressamente que esse instrumento diplomático não prejudicava o regime da separação existente entre os seus signatários.
E compreende-se, à luz da história mais recente dos factos, que o hajam feito.
Havia uma diferença tão pronunciada entre o regime fixado pela nova Concordata e o conjunto de soluções mais destacadas da Lei da Separação, que parecia realmente oportuna uma palavra de esclarecimento sobre o real significado do novo arranjo concertado entre a Santa Sé e o Governo Português.
Como se explicará, de facto, que, não obstante a notória diferença de espírito existente entre os dois diplomas, ambos integrem o mesmo tipo de solução, pelo menos formalmente (o regime de separação), nas relações entre a Igreja e o Estado?

39. O sistema da religião oficial do Estado. - O estudo histórico das acidentadas relações entre a Igreja e o Estado levaria demasiado longe, e nem todos os seus capítulos interessam à apreciação crítica do projecto governamental.
Para se compreender a estrutura e o sentido da separação instituída em 1911, basta remontar à época anterior, de consagração da religião oficial do Estado.

143 O Prof. Marcello Caetano (Manual, 8.ª ed., I, p. 370) reduz a três os tipos fundamentais de relações que podem existir entre o Estado e as igrejas: união, separação e proibição.
A união pode assentar na dependência do Estado em relação à Igreja e às autoridades eclesiásticas ou realizar-se em sentido contrário.
No primeiro caso, a união pode revestir a forma de teocracia ou a modalidade mais atenuada de clericalismo (mera situação privilegiada do clero); no segundo, as formas historicamente conhecidas são as do cesarismo e do regalismo (com o monarca a controlar, sob o titulo de protector, padroeiro ou outro semelhante, a actividade da Igreja).
A separação é fruto do liberalismo, tal como a proibição o é do ateísmo.
Mantêm ainda hoje o princípio da confessionalidade, entre outros: quanto ao islamismo, a Arábia, a República Árabe Unida, o Sudão, a Argélia, Marrocos e a Tunísia; quanto ao budismo, a Birmânia, o Camboja e o Laos; quanto ao protestantismo, a Dinamarca, a Islândia, a Noruega, a Suécia e a Inglaterra; quanto à religião ortodoxa, a Grécia; quanto ao catolicismo, a Colômbia, a Espanha, a Itália e o Paraguai.