28 DE ABRIL DE 1971 727
incumbe permitir, como devem, na medida do possível, facilitar o espontâneo cumprimento dos deveres religiosos das indivíduos, nomeadamente o respeito pelos domingos f dias santos de guarda, a observância do dia de descanso semanal, etc.
O direito a receber sepultura de harmonia com os ritos da religião professada também necessita de ser entendido era termos hábeis.
Não se trata de um direito da pessoa em face da confissão a que pertença. Pode o interessado dispor que o seu Mineral seja católico; se a Igreja (entender que o não deve efectuar, não são as autoridades civis que gozam da competência bastante para derrogar a decisão das autoridades eclesiásticas.
Da mesma sorte, se a antiga religiosa quiser ser inumada no cemitério privativo da ordem a que pertenceu [cf. artigo 257.°, 2. °, alínea b), do Código do Registo Civil], mas quem superintende na congregação entender que a sua vontade não merece ser acatada, não compete à autoridade civil revogar tal decisão, para se dar cumprimento às disposições da interessada.
Há, no entanto, toda a conveniência em acentuar que a fixação dos termos do funeral, bem como a determinação dos sufrágios, constituem matérias que cabem no âmbito da liberdade religiosa, competindo, assim, a cada pessoa dispor acerca delas domo melhor lhe aprouver. O disposto na alínea, a) do artigo 2326.° do Código Civil bastará para afastar, só por si, a tese, aceite por alguns autores italianos (cf. Jemolo, ob. cit., n.º 39), segundo a qual são os parentes, e não o decide, quem decide quanto à sepultura e funerais deste. Mas nada se perde em trazer explicitamente a solução dessas questões para a sua sede adequada 159.
A ordem dos factores atendíveis ma realização dos funerais, segundo o texto sugerido pela Câmara (base V), tem como escopo dominante aproximar-se quanto possível da vontade real ou presuntiva do finado. Se houve unanimidade da Câmara quanto à finalidade da disposição, já a não houve, porém, quanto à forma.
A faculdade de decidir sobre a educação religiosa dos filhos ainda constitui, sem dúvida, uma faceta, aliás muito importante, da liberdade religiosa dos pais. A Igreja repetidas vezes tem insistido no carácter prioritário do direito e do dever da família em matéria de educação religiosa dos filhos 160. Mas, analisando a situação apenas sob o prisma da vontade paterna, o jurista não capta todos os aspectos que nela interessam ao direito, e nem sequer toca no lado fundamental da questão. Mais que um direito de opção dos pais (o direito de educação e de ensino, como lhe chama a base III do projecto), a educação (religiosa ou não) dos filhos é fonte de deveres para os seus progenitores; mais do que o mero exercício de uma liberdade individual do pai ou da mãe, a educação religiosa dos menores constitui, dentro da jurisdição familiar, peça integrante do poder paternal ou tutelar.
Defini-la apenas à luz dos direitos subjectivos dos pais equivale a deixar na zona de penumbra o interesse capital dos menores, subjacente à instrução e educação da prole.
A fórmula sugerida pela Câmara (base VIII) procura retratar os dois aspectos (direito e dever) do poder que nesta matéria de primordial importância na vida social compete aos pais. A simples remissão para o regime do poder paternal ou da tutela pode dar a aparência de um excessivo rigor legalista numa zona onde será sempre pouca toda a flexibilidade da lei e toda a maleabilidade das suas normas. Trata-se, porém, de mera aparência, dada a notória flexibilidade que, como vimos, caracteriza o novo regime jurídico da menoridade fixado pelo Código Civil.
A Câmara hesitou, na redacção do preceito, entre os vocábulos decidir (sobre a educação dos filhos) e orientar, preferindo o primeiro, entre outras razões, por ele se ajustar melhor à faculdade que compete ao pai, no caso de conflito insanável com a mãe, sobre o sentido da educação do filho.
Quanto ao direito de reunião salientado na alínea i), nenhuma dúvida se levantará sobre a necessidade do seu tratamento especial em matéria de liberdade religiosa.
Tratando-se de qualquer sociedade, comercial ou civil, ou de qualquer pessoa colectiva, o direito de reunião conferido aos seus membros está naturalmente reservado apenas aos sócios da colectividade e há-de subordinar-se às regras próprias de funcionamento das assembleias gerais.
Quando, porém, se trate de reuniões para a prática comunitária do culto, dentro dos templos ou nos lugares para tal destinados, o regime jurídico aplicável terá de ser diferente: nem a reunião, pela natureza pública dos lugares, está reservada aos fiéis da confissão, nem a sua realização, pela índole especial dos actos, se encontra sujeita às medidas normais de polícia.
A solução que pareceu preferível à Câmara, de acordo, aliás, com a doutrina do projecto, foi a de declarar lícitas as reuniões para a prática do culto nos lugares especialmente destinados a esse fim, sem dependência de autorização oficial ou de participação às autoridades.
Em todos os outros casos vigorarão os princípios comuns aplicáveis à Liberdade de reunião.
O direito de associação, referido na alínea j) da mesma base do projecto, também reveste, nesta matéria, aspectos muito particulares, que justificam a especialidade do seu regime. Julga-se, porém, que esse direito deve, pelas consequências lógicas do seu exercício, constituir objecto da disposição legal que serve de introdução à disciplina jurídica das confissões e associações religiosas.
Resumindo as considerações precedentes, dir-se-á que parece de toda a conveniência dar um outro arranjo ao articulado que está concentrado na base n do projecto, aproveitando a oportunidade para retocar ao mesmo tempo alguns dos seus preceitos.
Neste novo arranjo, a Câmara evita deliberadamente a tentação de definir (em termos exaustivos) o conteúdo da liberdade religiosa ou de classificar doutrinàriamente as faculdades ou poderes em que o respectivo direito se divide, agrupa as soluções de acordo com a sua real afinidade lógica ou teleológica e procura melhorar a redacção de algumas das proposições formuladas.
46. A liberdade religiosa e o poder paternal. - Na articulação jurídica da liberdade religiosa com o poder paternal ou tutelar não basta considerar a liberdade religiosa dos pais para procurar a classificação exacta dos poderes que emanam da autoridade paterna. Há tam-
159 O artigo 260.° do Código do Registo Civil fixa os termos em que pode ser feita a incineração do cadáver, a qual só é legalmente permitida quando haja declaração escrita deixada pelo falecido, na qual manifeste expressamente a vontade de vir a ser incinerado.
A Igreja Católica considerou sempre com as maiores reservas, como é sabido, a prática da cremação: Dr. Quelhas Bigote, "Evolução histórico-jurídica da sepultura", na Lumen, XXX, 1966, pp. 274 e segs.
160 Cf., entre outras passagens de textos pontifícios sobre a matéria, n.º 6 da Declaração Gravissimum Educationis.