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28 DE ABRIL DE 1971 731

direitos alheios, como exigências da ordem pública (artigo 2.º)171
Ora, que dizer da fórmula de limitação contida na base III do projecto em exame?
Dois aspectos cumpre distinguir na apreciação imposta pelo preceito.
Um refere-se à identificação dos valores que servem de limites ao gozo e exercício da liberdade religiosa. Outro é o da forma indirecta como o projecto concebe o funcionamento do sistema: consideram-se interditos uns tantos direitos àquelas confissões cuja doutrina ou actos de culto sejam incompatíveis com os valores que ao Estado cumpre salvaguardar.
Começando pelo ponto que se afigura mais fácil de criticar, a Câmara julga não ser inteiramente feliz o critério proposto.
A confissão religiosa cuja doutrina ofenda qualquer dos valores fundamentais que a lei pretende acautelar não deve ser apenas limitada quanto aos direitos discriminados no texto da base. Por que razão lhe deveria ser facultada a instalação de templos, por exemplo, visto ser esse um dos direitos que a base III omite? Se os fiéis de qualquer confissão sacrificassem a vida de certa pessoa, por que não haveriam de ser perseguidos criminalmente, sendo certo que também a garantia consignada na alínea l) da base II é das que não figuram na lista dos direitos sacrificáveis, constante do n.° 1 da base III?
Além disso, a circunstância de certa confissão admitir a prática de um acto de culto, que seja, por exemplo, contrário aos bons costumes exigirá forçosamente que ela seja desde logo privada do exercício de todos os direitos mencionados na base III, mesmo que as autoridades competentes entendam que não é caso de mandar cessar compulsivamente as actividades da confissão?
Por último, a forma como o texto está redigido pode dar ao intérprete a, impressão de que só as confissões (e não as pessoas ou as associações nelas integradas) estão impedidas de praticar os actos que a lei pretende evitar. E não é essa, manifestamente, a orientação mais defensável.
Nestas circunstâncias, o critério que se julga preferível, ao fixar os limites da liberdade religiosa, é o de lazer incidir estes directamente sobre os actos (materiais, intelectuais, jurídicos, etc.) praticados, quer pelos indivíduos isolados, quer pelas pessoas reunidas, seja pelas confissões religiosas, seja pelas pessoas colectivas nelas integradas.
No que toca aos limites concretamente seleccionados, a Câmara nenhuma reserva tem a formular quanto àqueles que o projecto transplanta do § único do artigo 46.° da Constituição (correspondente ao artigo 45.° da proposta, de revisão constitucional). A circunstância de decorrerem no âmbito da actividade, religiosa de modo nenhum legitima a prática de actos que sejam incompatíveis com a vida e integridade da pessoa humana ou se mostrem ofensivos dos bons costumes (cf. supra, n.° 35).
Mais difícil é emitir um juízo seguro acerca dos dois limites restantes.
Dir-se-á, todavia, que o referido em último lugar - baseado nos princípios fundamentais da ordem constitucional -, além de ter uma apreciável vantagem, pela sua maior precisão, sobre o critério clássico da ordem pública, parece susceptível de cobrir, por si só, todos os valores essenciais da comunidade que ao Estado incumbe acautelar nesta matéria 172, além dos que tocam aos bons costumes, à vida e integridade das pessoas. Os próprios direitos da soberania portuguesa, que a base III refere discriminadamente, se podem julgar compreendidos entre os princípios fundamentais da ordem constitucional (cf. artigos 1.° e 2.° da Constituição).
Ressalva-se apenas, por uma questão de precaução, a limitação baseada nos interesses da soberania portuguesa.
Pode, realmente, suceder que determinada reunião de sequazes de certa religião não constitua, em si mesma considerada, uma violação dos direitos da soberania portuguesa (e não seja, por conseguinte, uma infracção dos princípios fundamentais da ordem constitucional), mas ponha em perigo os interesses da soberania portuguesa.
A hipótese dificilmente se verificará, na prática, quanto à metrópole, mas pode com mais facilidade ocorrer no ultramar 173 , por de antemão se saber como as reuniões de carácter (real ou aparentemente) religioso constituem um veículo particularmente cómodo e expedito para a circulação de todas as ideias subversivas.
Na redacção do preceito sugerido pela Câmara houve ainda a preocupação de o ajustar ao texto proposto para o artigo 45.° da Constituição no parecer sobre a revisão constitucional.

49. O metapsiquismo. - Um outro limite imposto à liberdade de pensamento em matéria da religião é o que resulta indirectamente da circunstância de o projecto não considerar religiosas as actividades ligadas aos fenómenos metapsiquicos ou parapsíquicos.
Com o termo genérico metapsiquismo (ou parapsiquismo) designam os autores o conjunto de teorias assentes sobre a existência de uma força psíquica que os crentes julgam capaz de actuar a distância, sobre os vários seres que povoam o Universo. Nele cabem o espiritismo (fundamentalmente caracterizado pela comunicação, provocada, com es espíritos do além), a telepatia, a clarividência, a magia, o magnetismo individual, etc.
A atitude de espírito do projecto em relação a estes fenómenos, metapsiquicos ou parapsíquicos parece ser a mais prudente.
Em lugar de proferir sobre eles um anátema da ordem geral, desprezando o interesse que podem ter os estudos sobre a matéria, o projecto limita-se a afirmar que não são consideradas religiosas as actividades ligadas a esses fenómenos.
Do ponto de vista prático, a disposição legal significa que, não sendo embora interditas em absoluto tais actividades, elas não gozam do tratamento especial que a lei concede às actividades religiosas.
Os vários sectores ou departamentos do metapsiquismo estão de tal modo tipificados na prática que não vale

171 Veja-se, sobre estas várias limitações, o desenvolvido comentário do P.° Joaquim López de Prado, intitulado "Recepción de la libertad religiosa en el ordenamento jurídico español, na Rev. esp. de der. can., 1967, pp. 592 e segs.
172 É fácil verificar como estão em manifesta colisão com os princípios fundamentais da ordem constitucional portuguesa algumas das ideias aceites pelos adeptos da Watch Tower (mais vulgarmente designados por Testemunhas de Jeová). 0 Prof. Silva Cunha fornece, no estudo cheio de interesse sobre os Aspectos dos Movimentos Associativos na África Negra, i, pp. 61 e segs., uma descrição muito minuciosa, quer das origens deste movimento, fundado em 1872, por C. Taze Russel, na Pensilvânia, quer das linhas gerais da sua doutrina.
173 O limite fundado nos interesses da soberania nacional pode revestir, de facto, grande interesse em relação às províncias ultramarinas. Alguns dos movimentos confessionais registados, quer em Cabo Verde (núcleo dos "rebelados"), quer em Angola (Testemunhas de Jeová; kitawala; kimbanguismo; lassismo; tocoismo; Fé de Santo Estêvão; Santos e Santas; seita "Simão Tasi"; Mambanda), não parece que sejam de carácter estritamente religioso.