O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

734 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 70

o nome da confissão, em termos de ele não dever confundir-se com os de outras confissões já existentes, à semelhança de quanto o direito mercantil exige para a firma ou denominação das sociedades comerciais que de novo se pretenda constituir, ou para as marcas dos produtos que vão ser lançados no mercado, e que também não devem prestar-se a confusões com outras sociedades ou produtos já existentes.
E no mesmo requerimento que há-de proceder-se à descrição geral dos actos de culto do novo credo, e assim por diante.
Ora, é de toda a conveniência dar aos preceitos da lei uma redacção que afaste por completo essa ideia, falsa e perigosa, de que para criar ou fundar uma religião bastarão umas dúzias de artigos gramaticalmente alinhavados sobre urnas tantas folhas de papel selado 178.
Não deixa, porém, de reconhecer-se como pode ser descabida a exigência da prova dos requisitos essenciais à existência de uma confissão religiosa, quando aplicada a comunidades como a judaica ou a muçulmana, há muito instaladas em território nacional. Deve o Governo, em tais casos, poder prescindir dessa prova. Quanto às confissões que tenham elementos de conexão com o estrangeiro, reconheceu-se a necessidade de acautelar, mediante indagação adequada, certas dificuldades especiais que elas podem suscitar, mas não se julgou conveniente fixar desde já ria lei um figurino muito rígido, pelo risco de ele nem a todas se adaptar.
Quanto à distinção entre as confissões religiosas e as associações que nelas se integram, parece ser este, realmente, o momento oportuno de proceder a uma revisão da noção legal de associações religiosas, visto não serem isentas de dúvidas as disposições do Código Administrativo reguladoras da matéria.
A noção dada nesse sentido na base XI do projecto parece sofrer de um duplo defeito.
Por um lado, aludindo apenas às associações, deixam-se fora do conceito legal as fundações religiosas 179, como sejam as massas de bens (e já não os núcleos ou agrupamentos de pessoas, os entes colegiais ou universitates personarum) afectadas unitàriamente à realização de certo fim (religioso) e às quais a lei atribui personalidade jurídica.
Estas pessoas morais não colegiais existem, com grande variedade, no domínio da organização católica. Basta lembrar as dioceses, as mitras, os seminários, as antigas colegiadas 180, as fábricas das igrejas paroquiais, os benefícios paroquiais, etc. 181.
Ora, nenhuma razão existe para que tais pessoas morais eclesiásticas não continuem, como pessoas colectivas religiosas, a gozar da protecção que a Concordata lhes quis conceder quando, no artigo m, ao assegurar o reconhecimento normativo da sua personalidade, se referiu intencional e discriminadamente às associações, corporações institutos religiosos canonicamente erectos 182.
E, se assim sucede quanto aos institutos religiosos católicos 183, nenhuma razão se descortina também para denegar o reconhecimento (embora em termos diferentes do prescritos na Concordata) de personalidade jurídica aos institutos religiosos não católicos.
Por ombro lado, em obediência ao critério restritivo fixado na lei administrativa (artigo 449.°), o projecto continua a limitar o conceito das associações religiosas às pessoas morais que têm por fim principal a sustentação do culto.
Essa limitação não se coaduna de modo nenhum, quanto às pessoas colectivas católicas, com o espírito e a letra do instrumento concordatário 184. Ao falar amplamente nas associações, corporações ou institutos religiosos canonicamente erectos, a Concordata não quis com certeza deixar fora do campo de aplicação dos artigos III e IV aquelas corporações ou institutos, como as pias uniões (destinadas à prática de actos de piedade e de caridade) ou as ordens terceiras seculares (apostadas em promover a perfeição cristã dos seus membros), tradicionalmente admitidos no seio da igreja católica (cf. Cânone 685 do C. D. C.), mas afectados a outros fins religiosos, que não a mera sustentação do culto 185.
Entre os tipos de associações eclesiásticas genericamente discriminadas nesse preceito do Código de Direito Canónico, incluem-se as destinadas a promover uma vida cristã mais perfeita (cân. 702 e segs.) ou a realizar obras de piedade ou de caridade. E entre as primeiras parece caberem perfeitamente organismos de carácter cultural (e por que não recreativos?). Alias, na própria Declaração Conciliar sobre a liberdade religiosa se diz (n.° 4, in fine) textualmente o seguinte: "Na natureza social do homem e na própria índole da religião se funda o direito pelo qual os homens, levados pelo sentimento religioso, podem livremente reunir-se ou formar associações educativas, culturais, caritativas e sociais."
E também não parece muito razoável nem equitativa a ideia de limitar a restrição às pessoas colectivas não católicas. Uma vez que as respectivas confissões sejam legalmente reconhecidas, não existirá fundamento sério para impedir que o âmbito das, corporações ou institutos reli-

178 Sobre as dificuldades que na jurisprudência norte-americana pode suscitai a caracterização de uma verdadeira religião ou confissão religiosa em face de uma pura seita ou heresia, v. Dodge, est. cit., pp. 688 e segs.
179 Note-se, porém, que na base XIV do projecto se faz já expressa referência às associações e fundações de fins religiosos, para dizer que elas se administram livremente, dentro dos limites da lei.
180 Cf. Amaro de Schenkl, Instituições de Direito Eclesiástico, trad. de Chaves e Castro sobre a 11.ª ed., §§ 249 e 255.
181 Cf., sobre a natureza e os fins das fábricas das igrejas paroquiais e dos benefícios paroquiais (que sucederam, às antigas comissões fabriqueiras), o respectivo Regulamento Geral, aprovado por decreto de 17 de Janeiro de 1962 do Episcopado Português.
182 Manuel de Andrade, Teoria geral da relação jurídica, X, p. 88, nota 1, pp. 106 e segs.; Prof. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8.ª ed., I, p. 375, nota 2; Dr. Barbosa de Melo, As Pessoas Colectivas Eclesiásticas e Católicas e o Artigo 161.º do Código Civil, 1970, pp. 5 e segs.
183 Parece que deve preferir-se neste domínio a terminologia mais usual do direito canónico (institutos: cf. Prof. Sebastião Cruz, est. cit., p. 8) à da lei civil (fundações), não só por se tratar de pessoas colectivas religiosas a que o Código Civil, em princípio, se não aplica, roas porque o termo "fundação" olha especialmente ao carácter liberal do acto que serve de origem à pessoa colectiva, enquanto o vocábulo "instituto" retrata directamente o fenómeno da autonomização jurídica de certa massa de bens; e é este o aspecto que especialmente interessa nas relações das pessoas colectivas religiosas não colegiais com o Estado.
184 Tomada rigorosamente ao pé da letra, a noção que o projecto importou do Código Administrativo (artigo 449.°) apenas cobriria as confrarias e as fábricas das igrejas, no que toca às pessoas morais católicas.
Advirta-se, aliás, que o § único aditado ao artigo 449.° do Código Administrativo pelo Decreto-Lei n.° 31 386, de 14 de Julho de 1941, admite claramente a existência de associações ou organizações dias igrejas (incluindo ia Igreja Católica), que exorbitem do conceito legal restrito de associações religiosas.
185 Do próprio texto do artigo IV (2.ª parte) da Concordata se depreende que as pessoas colectivas eclesiásticas católicas que, além de fins religiosos, prossigam a realização de fins de assistência ou beneficência, podem adquirir personalidade jurídica nos termos expeditos assegurados pela disposição anterior. Nesse sentido, Dr. Barbosa de Melo, est. cit., p. 5.