28 DE ABRIL DE 1971 737
rios ou de encargos inerentes a liberalidades que lhes, tenham sido feitas, ficarão sujeitos, mas apenas nessa parte, às disposições do direito interno, válidas para as pessoas colectivas votadas a fins de assistência ou de beneficência 190.
Aos institutos de assistência ou beneficência fundados, dirigidos ou sustentados por associações religiosas (neste caso, tanto católicas como não católicas) será aplicável, por seu turno, nos termos anteriormente expostos, o regime legal dos institutos de utilidade local de fins análogos, "sem prejuízo da disciplina e espírito religiosos que os informam".
O regime jurídico aplicável à capacidade de aquisição e disposição de bens das pessoas morais perpétuas, à data em que a Concordata foi subscrita (para o qual remete o artigo IV deste diploma), estava contido, quanto ao essencial, nos artigos 34.° e 35.° do Código Civil de 1867.
Da leitura conjugada destes dois preceitos resultava que as associações ou institutos católicos tinham capacidade para adquirir a título oneroso os imóveis indispensáveis ao desempenho dos seus deveres e podiam adquirir esses imóveis a título gratuito, sem pagamento de qualquer imposto periódico.
Quaisquer outros imobiliários que fossem adquiridos a título gratuito ficavam sujeitos ao pagamento do imposto periódico (por cada período de trinta anos).
Quanto aos actos restantes de aquisição, alienação ou oneração, vigorava o princípio da especialidade, fixado ao artigo 34.º
Publicado o Código Civil de 1966, a breve trecho se levantou, porém, a questão de saber, não obstante o disposto no artigo 6.° da respectiva lei preambular, se são ou não aplicáveis às associações e institutos católicos as novas regras definidoras da capacidade patrimonial das pessoas colectivas, que sujeitam a autorização do Governo todas as aquisições de imóveis a título oneroso, bem como a alienação ou oneração deles a qualquer título (artigo 161.°, n.° 2).
Várias razões podem ser invocadas no sentido da inaplicabilidade da nova lei civil 191, sendo a principal delas extraída logo da ratio legis do artigo 161.º do novo Código.
Facultando às pessoas colectivas a livre aquisição de imóveis a título gratuito (depois de se haver atenuado a excessiva rigidez do princípio da especialidade no artigo 160.°) e sujeitando ao regime da autorização governamental todas as alienações ou onerações de imóveis, o artigo 161.º afasta-se manifestamente da linha das providências legislativas que procuram evitar o aumento dos bens de mão morta, para acautelar interesses gerais da economia do País. O seu objectivo é visivelmente outro: trata-se de defender as próprias pessoas colectivas, pela natureza dos interesses que elas são chamadas a gerir, contra os perigos de uma administração ruinosa por parte dos seus dirigentes 192.
Ora, se nenhuma dúvida pode legitimamente levantar-se acerca do seu cabimento quanto às pessoas colectivas integradas na órbita dos fins do Estado, esse objectivo seria de todo em todo deslocado, da parte do Governo, em relação às pessoas colectivas eclesiásticas, atento o regime de separação existente entre a Igreja e o Estado.
Como a dúvida, porém, se levantou e tem dado lugar a pontos de vista desencontrados no seio da Administração Central, considera-se oportuna a resolução explícita da questão, no breve capítulo consagrado ao regime da religião católica e das associações ou institutos nela enquadrados.
Daí, e de outras dúvidas análogas que possam levantar-se, o interesse especial da base XXIV, incluída no novo articulado sugerido pela Câmara.
58. Capacidade patrimonial das confissões e associações não católicas. - Importa analisar agora o problema em relação às associações religiosas não católicas.
A capacidade patrimonial destas, bem como os poderes de administração dos seus órgãos, estão definidos pelo artigo 452.° do Código Administrativo (segundo a redacção dada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 31 386, de 14 de Julho de 1941), nos seguintes termos:
As associações religiosas administram-se livremente e podem adquirir bens e dispor deles nos termos por que o podem fazer, segundo a lei civil, as pessoas morais perpétuas.
A remissão feita para a lei civil tinha como resultado prático, até à entrada em vigor do novo Código, que às associações e institutos não católicos eram aplicáveis às mesmas disposições (artigos 34.° e 35.°) do Código de 1867, cujo sentido foi já analisado no número precedente.
Com a publicação da nova lei civil o conteúdo da devolução feita pelo Código Administrativo alterou-se. Os termos genéricos em que ó feita a remissão do artigo 452.' apontam imediatamente para a aplicabilidade do novo regime. O fundamento do artigo 161.° do novo Código, conjugado com o princípio da separação, levam, no entanto, a considerar como deslocada a intervenção tutelar do Governo na aquisição onerosa, bem como na alienação ou oneração, a qualquer título, dos imóveis de pessoas colectivas religiosas.
Por essa razão, a Câmara aprova a ideia de se fixar um regime especial, aplicável ao comum das organizações religiosas.
Nenhuma razão justifica, entretanto, que a lei aplique à capacidade de aquisição das pessoas colectivas religiosas toda a rigidez do princípio da especialidade, quando outra foi, como é sabido, a solução adoptada pelo novo Código Civil (artigo 160.°, n.° 1) relativamente às pessoas colectivas em geral.
Além disso, afigura-se à Câmara que nenhum inconveniente grave advirá do facto de se tornar extensiva à alienação ou oneração de bens imóveis a mesma solução que no projecto se estabelece para a hipótese da aquisição.
As duas bases reguladoras dos poderes de administração e da capacidade patrimonial das ~ organizações religiosas deveriam ter assim, por força das razões expostas, a seguinte redacção:
BASE XVII
1. As organizações correspondentes às confissões religiosas, bem como as associações ou institutos religiosos, administram-se livremente, sem prejuízo do regime vigente para as pessoas colectivas religiosas que também se proponham fins de assistência ou de beneficência e para os institutos de assistência ou beneficência a que se refere o artigo 454.º do Código Administrativo.
190 O artigo 453.° do Código Administrativo, concretizando e generalizando em certo aspecto a ideia proveniente da Concordata, manda que as associações religiosas, em geral, nas condições referidas no texto, prestem contas da sua actividade beneficente ou de assistência nos termos prescritos para as associações de beneficência, acrescentando no § 2.° que as contas serão prestadas através do ordinário competente, quando se trate de associações religiosas da igreja católica.
191 Cf., nesse sentido, a argumentação do Dr. A. Barbosa de Melo, est. cit.
192 Nesse sentido, Dr. Barbosa de Melo, est. cit., pp. 17 e segs.