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28 DE ABRIL DE 1971 735

giosos se estenda, com respeito das normas legais aplicáveis, a finalidades como, v. g., o aperfeiçoamento moral, o recreio ou a cultura dos fiéis ou ministros da confissão, a prática da pidedade religiosa, etc. 186 A ideia de, mais que secularizar ou publicizar, ir até ao ponto de burocratizar, além do estritamente indispensável, todo o movimento da beneficência e da assistência, divorciando-o por completo do ambiente de piedade e de caridade cristãs em que durante séculos floresceram os mais elevados sentimentos de solidariedade humana, não é positivamente, a que melhor se presta a canalizar para o vasto reservatório do bem comum todas as energias morais aproveitáveis na complexa rede do agregado social.
Pode, é certo, argumentar-se contra a excessiva proliferação das pessoas colectivas ou o seu empolamento patrimonial com os reconhecidos inconvenientes de retenção nas suas mãos de uma parcela importante da riqueza nacional. Mas os perigos da mão morta combatem-se por outros meios, que não a limitação artificial da área de ocupação reservada a determinada categoria de pessoas morais.
As duas ordens precedentes de considerações explicam as principais alterações propostas pela Câmara à redacção da base XI do projecto.
Amplia-se a noção de associações religiosas, incluindo nelas as associações ou institutos com outros fins religiosos, que não a sustentação do culto. Mas não se prescinde de que tenha carácter especificamente religioso o seu fim predominante 188.
Este requisito pouca importância prática terá quanto às associações ou institutos católicos, canonicamente erectos, cuja constituição tenha sido participada à autoridade civil competente nos termos do artigo m da Concordata. Mas reveste um interesse decisivo, quer quanto às pessoas colectivas religiosas não católicas, quer em relação às pessoas colectivas católicas cuja constituição não tenha sido participada nos termos concordatários.
Quanto às associações ou institutos, católicos ou não católicos, que, além dos fins religiosos, se proponham também fins de assistência ou beneficência, em cumprimento de deveres estatutários ou de encargos que onerem heranças, legados ou doações por eles aceites, a sua actividade de assistência ou beneficência está sujeita a fiscalização oficial, nos termos do artigo IV da Concordata e do artigo 453.° do Código Administrativo.
Quanto aos institutos de assistência ou beneficência fundados, dirigidos ou sustentados por organizações religiosas, haverá que distinguir.
Tratando-se de institutos que, pela área a que se destina a sua actividade, possam ser considerados como pessoas colectivas de utilidade pública (local) administrativa, ser-lhes-á aplicável o disposto no artigo 454.° do Código Administrativo 189.
Se a sua actividade não aproveitar especialmente aos habitantes de determinada circunscrição (hospital destinado apenas aos fiéis de certa confissão religiosa, casa de repouso para padres doentes ou idosos, etc.), e essa actividade predominante for considerada especificamente religiosa, o instituto será ainda uma organização religiosa, mas já não estará sujeito ao regime próprio dos institutos de utilidade local.

O projecto fixa no Ministério do Interior a competência do Governo para intervir na matéria das fundações e associações religiosas. A Câmara hesitou, porém, entre atribuir essa competência ao Ministério do Interior, como vem no projecto, ou ao Ministério da Justiça, como faz a lei espanhola e seria mais conforme à solução com mais tradições entre nós.
À cautela, o texto sugerido pela Câmara remete em termos genéricos para o Governo, na ideia de se lixar mais adiante, em regulamento adequado, o Ministério competente.
De harmonia com as considerações expostas, as bases VIII e XI do projecto deveriam ser substituídas por disposições com a seguinte redacção:

BASE XII

1. As confissões religiosas podem obter, mediante reconhecimento, a atribuição de personalidade jurídica à organização correspondente ao conjunto dos respectivos fiéis.
2. O reconhecimento será pedido ao Governo, em requerimento subscrito por um número não inferior a 500 fiéis, maiores e domiciliados em território português.
3. Do requerimento devem constar os elementos necessários à prova da existência da confissão em território nacional, incluindo os princípios essenciais da sua doutrina, o nome da confissão, a descrição geral dos actos de culto, as regras da disciplina e hierarquia

186 Verifica-se, no entanto, pela simples leitaria das disposições que no Código Administrativo regulam as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, bem como as associações religiosas (artigos 416.° e segs. e 449.° e segs.), que o Estado pretende mio só inspeccionar e fiscalizar, mas coordenar também a acção dos organismos que, no plano da administração local, se consagram a actividades beneficentes ou de assistência. Cf., quanto ao ultramar, o disposto no antigo 561.° da Reforma Administrativa Ultramarina. É este legítimo chamamento da coordenação da beneficência e da assistência local ao plano superior idos fins do Estado não pode, realmente, ser descurado pelo legislador numa apreciação global da matéria.
187 Muitos das finalidades referidas podem ser, e são de facto muitas vezes, prosseguidas por meio de realizações concretas das associações religiosas, realizações que não chegam, todavia, a ser autonomizadas.
E elucidativo, nesse aspecto, o que se prescreve nos n.ºs 2.º e 3.° do artigo 38.° do Regulamento Geral da Fábrica da Igreja e do Benefício Paroquial:

2.º Porque o pároco deve ter o maior cuidado com a formação religiosa dos fiéis, a fim de que nada aprendam contra a fé e os costumes, a fábrica da igreja pode fundar infantários, asilos, patronatos, lares, escolas, oratórios, construir salões paroquiais, casas de recreio, cinemas, etc. (cf. Cânones 467, § 1.°, e 469);
3.° Porque o pároco deve abraçar, na sua caridade fraternal, os pobres e os indigentes e ajudar, com toda a solicitude, os doentes, principalmente os moribundos, a fábrica pode fundar obras de previdência, hospitais, casas de repouso, etc. (Cf. Cânones 467 e 468.)

Algumas destas iniciativas poderão dar lugar à formação dos institutos (de assistência ou beneficência) a que se refere o artigo 454.° do Código Administrativo; porém, a maior parte delas funcionará, sem autonomia, sob a directa gestão da associação religiosa (lato sensu), que é a fábrica da igreja. Neste caso, a obrigação de prestação de contas às entidades civis oficiais só existirá quando a actividade de assistência ou beneficência se executor "m cumprimento de deveres estatutários ou de encargos impostos em liberalidades.
188 Cf., a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sobre o recurso interposto pela Venerável Ordem Terceira de S. Francisco da Cidade (Colecção de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, XVII, 1951, p. 551).
189 Os traços comuns ao regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade administrativa local estão sinteticamente descritos no Manual de Direito Administrativo (do Prof. Marcello Caetano), 8.ª ed., I, p. 867.