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28 DE ABRIL DE 1971 725

nação diferente: a liberdade e a inviolabilidade de crenças e práticas religiosas 151.
Não parece, no entanto, que seja necessário nem cabido proceder a este desdobramento do conceito genérico da liberdade religiosa nas disposições introdutórias da matéria. A liberdade de crenças ou de consciência e a liberdade de práticas religiosas são como que duas zonas diferentes, nos pertencentes ao domínio da mesma ideia fundamental. A inviolabilidade de umas e outras refere-se, por seu turno, a um aspecto especial do seu regime, que não deixa de caber ainda no conceito amplo da liberdade religiosa.
Mais delicada é a questão de saber se a liberdade religiosa deve ficar consignada na lei como uma liberdade, tout court, no sentido específico que a expressão parece revestir dentro da trilogia conceituai (direitos, liberdades e garantias individuais) usada no artigo 8.° da Constituição 153, ou há-de, pelo contrário, ser expressamente incluída na categoria dos direitos subjectivos, como sugere a Declaração Conciliar.
Falando apenas em liberdade (religiosa) na base I, e dando em seguida o nome de direito, na base II, a várias das faculdades em que essa liberdade se desdobra, o projecto parece inclinar-se para a primeira orientação 153.
Todavia, é, pelo menos, duvidoso que seja essa a soluto tecnicamente mais recomendável.
Os civilistas dão em regra o nome de direito subjectivo ao poder fundamental, ou ao conjunto de poderes, de que goza o titular de um interesse juridicamente protegido, quando a tutela legal ó posta à sua disposição; e chamam faculdades às várias manifestações ou exteriorizações em que esse poder ou complexo de poderes, analiticamente examinado, se desdobra 154.
Fala-se, assim, no direito de propriedade, ao lado das faculdades de usar, fruir, dispor ou alienar, que cabem ao proprietário. O credor é titular de um direito de crédito, nessa qualidade lhe competindo as faculdades de interpelar o devedor, de ceder o crédito, de remitir a dívida, de conceder moratória ao obrigado, etc. Dir-se-á, na mesma linha de conceitos, que as pessoas têm direito ao nome, à imagem, à intimidade da sua vida privada, mas não se dirá, tecnicamente, que há um direito subjectivo de fumar, de beber, de comer, de passear na via pública, de vestir como melhor aprouver a cada um, etc.
De acordo com o mesmo critério, poder-se-ia chamar direito ao conjunto de poderes que exprimem a afirmação da personalidade individual em matéria de religião e considerar como meras faculdades as múltiplas facetas em que é possível desdobrá-lo.
Para fugir, no entanto, a todas as dificuldades de uma terminologia ainda bastante fluida e imprecisa, a Câmara sugere uma redacção das bases subsequentes (bases n e seguintes) que, tocando o aspecto essencial dos poderes reconhecidos aos indivíduos ou às confissões ou associações religiosas, evita intencionalmente qualquer qualificação doutrinária mais contestável.

À semelhança da redacção adoptada no artigo 137.° da Constituição (cuja eliminação consta da proposta de revisão constitucional), o projecto faz questão, no texto da base I, de reconhecer e garantir expressamente a liberdade religiosa tanto a nacionais como a estrangeiros.
Todavia, não parece que haja qualquer justificação para consignar na matéria versada uma espécie de estatuto real ou local, que em todos os seus aspectos se sobreponha às soluções decorrentes dos princípios do direito internacional privado.
Se alguns aspectos há, no vasto capítulo da liberdade religiosa, em que a aplicação da lei material portuguesa se impõe, sem discriminação entre nacionais e estrangeiros 155 (cf. art. 7.°, § único, da Constituição Política e artigo 14.° do Código Civil), outros haverá, como os da educação religiosa dos filhos [cf. alínea g) da base n do projecto governamental] e da não obrigatoriedade de resposta às perguntas formuladas acerca das convicções religiosas de cada um, por exemplo, em relação aos quais se não vislumbra nenhuma razão suficientemente forte para afastar o estatuto da lei pessoal (cf. artigo 27.º do Código Civil).
Por outro lado, a fórmula "liberdade religiosa de nacionais e estrangeiros" pode dar a falsa impressão de que a liberdade, em matéria de religião, aproveita apenas aos indivíduos isoladamente considerados, às pessoas físicas, quando a verdade é que o princípio vigora igualmente, em muitos dos seus aspectos (culto público, propaganda, formação de ministros de culto, comunicação de ordens ou directrizes da autoridade eclesiástica, etc.), para as pessoas colectivas religiosas.

Também não parece que tenha real cabimento a parte final do texto proposto: "em todo o território português".
Para que possa vir a vigorar nas províncias ultramarinas, o diploma não necessita de semelhante fórmula.

151 O mesmo princípio aparece inscrito no artigo 18.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada em 10 de Dezembro de 1948. Sobre as declarações de princípios, com carácter programático ou ideológico, muito em voga na época cio liberalismo e nos períodos de paz subsequentes às duas conflagrações mundiais, veja-se Dr. Oliveira Pilho, Revista Forense, 156, p. 53.
152 Dentro da trilogia constitucional, as liberdades consistiriam, segundo 'a concepção do Prof. Marcello Caetano (Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 5.ª ed., n.° 259), nos direitos não políticos (ou direitos públicos apenas), em que nos indivíduos corresponde o poder de exigirem do Estado uma abstenção ou omissão. O mesmo autor logo reconhece, porém, que a enumeração do artigo 8.° se não ajusta a esta noção nem aos conceitos correlativos de direitos e garantias.
Embora a terminologia dos autores não prime, Beste domínio, por uma grande precisão e acuse, pelo contrário, uma notória flutuação (haja em vista o que sucede com o chamado direito ao trabalho), há, de facto, uma vincada tendência da doutrina para, atribuindo as liberdades constitucionais uma origem pré-estatal, ligada ao indivíduo e não ao cidadão, lhes reconhecerem uma extensão potencialmente ilimitada e considerarem excepcional toda a limitação ao seu exercício (cf. Carl Schmitt, Verfassungslehre, trad. esp., México, 1966, p. 195). Já o mesmo não sucederá com os direitos (v. g., o direito à educação) que, tendo como sujeitos os cidadãos e não os indivíduos, são em princípio limitados ou condicionados, impõem deveres de acção (e não uma simples abstenção) ao Estado, podendo mesmo traduzir-se em encargos para o ente público (art. 7.°, § único, da Constituição).
153 A reserva com que a afirmação é feita no texto provém da estranheza que pode justificadamente causar o desdobramento, feito na proposta, da liberdade (religiosa) em dez direitos e uma garantia (?), sendo certo de todo o modo que liberdades e direitos surgem como figuras distintas e opostas dentro da terminologia constitucional.
154 Cf., por todos, Messineo, Manuale di diritto civile e commerciale, I, 1957, p. 136.
155 Há mesmo um dos aspectos da liberdade religiosa - o da liberdade de cultos - relativamente ao qual se compreenderia perfeitamente, em face da evolução histórica do seu regime, a afirmação expressa de que ela vigora, quer a favor de nacionais, quer em relação a estrangeiros.