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724 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 70

dição das congregações religiosas, a fiscalização do ensino nos seminários e nas catequeses, as numerosas violações da autonomia interna das organizações católicas, fácil será concluir que entre um e outro não há distância sensível.
Com uma diferença importante: enquanto o sistema jurisdicionalista defendi" as prerrogativas da Coroa em face dos poderes da Cúria Romana 150, a legislação de 1911 combatia a influência espiritual da religião em obediência as concepções positivistas dominantes na época.

41. A separação assente na distinção entre a sociedade civil e a sociedade religiosa, como expressão da plena autonomia das respectivas autoridades. - Outro muito diferente, tanto do sistema jurisdicionalista como da mentalidade laica dos princípios do século, foi o espírito que presidiu em 1940 à revisão das relações entre a Igreja e o Estado.
Manteve-se o sistema da separação, não chamando à esfera de competência das autoridades civis matérias da jurisdição especial da hierarquia eclesiástica. Mas tomou-se ao mesmo tempo em linha de conta a importantíssima repercussão do factor religioso, não só na vida privada como na existência social da colectividade, reconheceu-se a natureza de ordem jurídica primária a que tem jus o direito canónico na esfera da sua competência e respeitou-se a independência recíproca dos poderes da Igreja e do Estado.
As soluções consagradas em matéria de propriedade de bens, de livre organização das congregações, de administração do seu património, de liberdade de culto e de ensino, de poderes de ordem e jurisdição, de apreciação jurisdicional da validade do casamento católico, da indissolubilidade deste, para aludir somente aos pontos mais importantes do instrumento concordatário, ilustram de forma inequívoca o pensamento que serviu de base ao novo estatuto jurídico concertado entre a Santa Sé e o Governo Português.
É, sem dúvida nenhuma, um regime completamente distinto do fixado em 1911, mas a que cabe, com muito maior propriedade do que a este, em aspectos não despiciendos, o nome de separatista. Na separação fortalecida entre as duas sociedades radica precisamente o princípio básico da colaboração (mediante concordatas ou acordos) entre as respectivas autoridades, consagrado no artigo 45.° da Constituição para a regulamentação das matérias de interesse comum.

42. Conclusão. Em face das longas considerações que acabam de ser expostas, a Câmara não tem nenhuma dúvida em dar a sua aprovação na generalidade ao projecto de proposta de lei sobre a liberdade religiosa.

II

Exame na especialidade

43. Sequência. Amplitude do diploma e sua disposição introdutória. - Apreciadas as razões justificativas da publicação do diploma projectado e compilado o material informativo que se considera indispensável para atribuir e regime jurídico da liberdade e da actividade religiosa dimensão lógica adequada, é chegada a altura própria de. se principiar o exame na especialidade do articulado que o Governo elaborou.
O projecto rompe com a proclamação solene da liberdade religiosa.
Trata-se, como é sabido, da pedra angular de iodo o sistema; mas é uma peça apenas que, isoladamente trabalhada, não preenche todos os alicerces do edifício que o projecto de proposta de lei pretende construir. Sendo a Nação, e não o indivíduo, o elemento fundamental de toda a construção ideológica do texto constitucional haverá toda a conveniência em incluir, na regulamentação da matéria religiosa, no lugar e com o relevo que lhe compete, o aspecto fundamental das relações do Estado com as confissões religiosas.
Desta sorte entende a Câmara que a lei deveria começar, em princípio, com o enunciado sintético das ideias-força nas quais se deve inspirar a disciplina jurídica da actividade religiosa.
De acordo com a indagação levada a cabo nos números precedentes, podem reduzir-se a ires as ideias fundamentais do novo sistema.
A primeira é a da liberdade religiosa, verdadeiro caput et fundamentam da matéria, no plano da afirmação da personalidade individual e da superior dignidade da pessoa humana.
A segunda é o reconhecimento da posição especial que, por direito próprio, compete à religião católica, entre as crenças professadas pelos Portugueses. A afirmação constitui um traço fundamental da fisionomia histórica do ser moral que é a comunidade nacional. Longe de constituir uma proposição de carácter puramente doutrinário ou de mero sentido programático, a tese proclamada em 1951 traduz-se numa série de corolários de ordem prática, sobretudo em matéria de ensino e de acção missionária no ultramar, que não podem deixar de ser assinalados no roteiro do novo diploma.
A terceira é a consagração do regime da separação nas relações entre o Estado e as igrejas.
Foi esse o sistema que a Concordata manteve em relação à Santa Sé, e nenhuma razão existe, no pensamento da maioria da Câmara, para que igual solução não haja de vigorar relativamente às outras confissões religiosas.
Quanto à forma técnica de articular logicamente os três princípios expostos, admite a Câmara, porém, que o processo mais aconselhável será o de assentar formalmente o novo regime da actividade religiosa sobre o princípio básico da liberdade de cultos e o valor positivo das confissões religiosas no seio da comunidade, traduzindo-se este último na protecção jurídica devida às organizações confessionais.
A posição de relevo que compete, por direito próprio, a religião católica aparecerá retratada, no articulado sugerido pela Câmara, dentro da disciplina das confissões religiosas, como elemento fundamental da reelaboração sistemática que o Governo se propõe levar a cabo.
O princípio da separação terá também o seu lugar adequado na definição da disciplina das relações do Estado com as diversas confissões.

Base I

44. Proclamação formal do princípio da liberdade religiosa. - O princípio da liberdade religiosa está já formulado na Constituição (antigo 8.°, n.° 3.°), mas sob uma desig-

150 "É até para notar", observa Marnoco e Sousa (ob. cit. e loc. cit.) a este propósito, "que os soberanos mais fervorosos e mais dispostos a derramar largamente o sangue dos heréticos foram os que mais se salientaram na defesa e aplicação do sistema jurisdicionalista. Haja vista a Filipe II, de Espanha, que resistiu às pretensões do papado até ao ponto de arrostar com. os raiou espirituais da Santa Sé."