718 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 70
podem ser levadas a cabo mediante a congregação duradoura deles ao serviço de objectivos comuns 128.
E reveste mesmo uma importância fundamental para a maior segurança de muitos dos fins específicos da religião a atribuição de personalidade jurídica às associações dos fiéis, independentemente da personalidade dos indivíduos que em cada momento as compõem. Apoiada na capacidade pessoal dos seus membros dispersos, a actuação das associações estaria sempre limitada pela duração efémera da vida humana e sujeita aos riscos da dedicação pessoal e da situação patrimonial dos "eus sequazes. Dotada de personalidade própria, liberta dos elementos precários da personalidade singular dos seus membros, a associação pode evitar aquelas contingências, assegurando à sua actuação a estabilidade jurídica, a força patrimonial e a duração temporal mais consentâneas com os fins específicos da actividade religiosa.
Este reconhecimento da personalidade jurídica pode ser directo ou indirecto: no primeiro caso, a lei confere imediatamente a determinada associação ou instituto a possibilidade de ser titular autónomo de direitos e obrigações; no segundo caso, a lei limita-se a fixar, em termos genéricos, os pressupostos de que depende a aquisição da personalidade.
Dentro do sistema comum do reconhecimento indirecto há, porém, que distinguir, como os tratadistas ensinam, duas modalidades diferentes: o reconhecimento normativo e o reconhecimento por concessão. Num caso, o reconhecimento dá-se logo que a associação ou fundação preenche os requisitos abstractamente fixados na lei; no outro, o reconhecimento depende da aprovação ou aquiescência da entidade oficial competente, depois da apreciação das circunstâncias concretas de cada caso.
O regime da liberdade de associação, por se tratar do sector da liberdade religiosa onde se põe com maior acuidade a questão dos seus limites, varia bastante de Estado para Estado.
A Constituição Portuguesa começa por incluir a liberdade de reunião e de associação entre as liberdades fundamentais garantidas aos cidadãos portugueses, em termos que aproveitam, como ó evidente, à prossecução de fins religiosos.
O único problema sério que pode suscitar-se, neste primeiro contacto com a matéria, consiste em saber se a liberdade de reunião e, principalmente, a de associação abrangem, entre os seus fins possíveis, o ateísmo activo.
Será lícita, pondo a questão com toda a crueza, a constituição de associações que tenham por fim a propaganda anti-religiosa?
Dir-se-á que a própria Declaração Conciliar, reivindicando para o homem o poder de agir em matéria religiosa, segundo a sua própria consciência, só ou associado, pretende envolver com o manto da licitude as associa. ções votadas à propaganda anti-religiosa. E que, sendo assim, a ideia de restringir o âmbito da liberdade religiosa no campo da legislação civil equivale em certo sentido, como se costuma dizer, a ser o intérprete desta legislação mais papista do que o próprio Papal
A verdade, porém, ó que semelhante conclusão, nem cabe no espírito da Declaração Conciliar, toda apostada em combater as forças capazes de destruir o fermento da religião na alma humana, nem pode afirmar-se que esteja contida na suia letra. E que, ao reivindicar o poder de cada um proceder em matéria religiosa segundo a sua própria consciência, a Declaração tem o cuidado de acrescentar prudentemente "dentro dos devidos limites". E tudo nos induz seriamente a crer que dentro desses limites não cabem as associações destinadas à propaganda anti-religiosa.
Poderá, no entanto, acrescentar-se que a dúvida não deve ser encarada sob o mesmo ângulo, quando observada pelos canonistas ou quando examinada por um Estado não confessional, como é o Estado Português.
Não confundamos, porém, o Estado não confessional, que não adopta como religião oficial nenhuma das confissões praticadas no seu território, com o Estado agnóstico ou mesmo neutral, que deliberadamente ignora ou subestima o valor (ético e social) da religião na vida da comunidade.
Compreende-se e aceita-se, sem grande dificuldade de adesão, que o Estado, ao proclamar o princípio da liberdade religiosa, garanta a faculdade de as pessoas não terem nenhuma religião, de o declararem ou não, como melhor lhes aprouver, e vá mesmo ao ponto de admitir a propaganda individual dessa posição ideológica.
O que já custará mais a entender é que este interesse individual da expansão do próprio pensamento se possa converter num interesse social (cf., a propósito, o artigo 157.° do Código Civil) capaz de justificar que o Estado estimule ou favoreça a sua realização, outorgando personalidade jurídica às associações adstritas a semelhante finalidade. E as dúvidas mais se acentuarão no espírito daqueles que, desapaixonadamente, meditarem nos prejuízos, muitas vezes irreparáveis, que psicólogos e sociólogos atribuem à eliminação da fé na idade infantil ou na pré-adolescência.
34. O reconhecimento da personalidade jurídica das confissões e associações religiosas. - Além da consagração, em termos genéricos, da liberdade de reunião e de associação (a primeira, regulamentada pelo Decreto-Lei n.° 22 468, de 11 de Abril de 1933; a segunda, pelo Decreto-Lei n.° 39 660, de 20 de Maio de 1954), a legislação portuguesa vigente contém muitas disposições dispersas aplicáveis ao reconhecimento das associações religiosas, lato sensu.
Por um lado, tanto a Constituição (artigo 45.°) como a Concordata de 1940 (art. I) reconhecem directamente a personalidade da Igreja Católica 129.
128 Assim se explica que a Dignitatis Humanac, ao definir a liberdade religiosa, tenha feito menção expressa da faculdade de associação entoe as pessoas:
Esta liberdade (refere-se à liberdade religiosa) consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coacção, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou de qualquer autoridade humana, de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja foiçado a agir contra a própria consciência, nem impedido, dentro dos devidos limites, de proceder, segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros.
Também a Constituição Italiana, ao definir no artigo 19.° o âmbito da liberdade religiosa, faz expressa menção da faculdade de associação conferida aos cientes:
Todos têm o direito de professar livremente a saia fé religiosa sob qualquer forma, individual ou associada...
129 A ordem das matérias versadas nos artigos 45.° e 46.° da Constituição virá provavelmente a ser alterada do acordo com a proposta governamental de revisão do testo constitucional.
O reconhecimento directo da personalidade da Igreja parece que não só aproveita a toda a agremiação dos católicos (desde o Santo Padre aos fiéis, passando pelos bispos e outras autoridades eclesiásticas), hierarquicamente organizada e tendo a sua sede na cidade do Vaticano, como se aplica a todas as associações eclesiásticas que integram, a sua estrutura.
Ficariam assim de fora apenas as associações religiosas, ou sejam, aquelas em que os leigos, nelas participantes, não deixam por esse facto, de continuar a ser leigos (Prof. Sebastião Cruz, est. cit., p. 6).