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698 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 70

Por outro lado, introduziram-se graves derrogações ao direito comum na regulamentação de alguns, dos aspectos fundamentais em que se desdobra o preceito da liberdade religiosa.
Além de se manter a interdição das ordens religiosas, quer para homens, quer para mulheres 29, mandava-se que as corporações encarregadas do culto (às quais seriam cedidos a título precário alguns dos bens confiscados à Igreja) fossem associações laicas ou civis de mera assistência e beneficência, ou nelas se convertessem 30, sujeitando-as a uma apertada tutela e fiscalização administrativa por parte do Estado 31 ao mesmo tempo que terminantemente se proibia que os ministros da religião desempenhassem nelas quaisquer funções dirigentes 32.
Limitava-se o horário dos actos de culto (artigo 43.°, in fine); admitia-se a fiscalização policial destes actos pelos agentes da autoridade (artigos 46.º e seguintes), proibiam-se certas manifestações exteriores de fé e de piedade (artigos 55.° e seguintes) e não se permitia o uso dos hábitos ou vestes talares fora dos templos e das cerimónias cultuais (artigo 176.°), sujeitando-se, assim, as práticas da religião a um regime ide policia semelhante ao aplicável a quaisquer outras manifestações da vida social.
Por último, a Lei da Separação multiplicava-se numa série de restrições à autonomia interna da Igreja Católica e das associações nela integradas, que iam desde a sujeição ao beneplácito do Estado de todas as determinações ou comunicações da Cúria Romana, dos prelados ou de outros dirigentes religiosos 33, até à selecção unilateral (em função da nacionalidade e da proveniência dos seus títulos) das pessoas que podiam participar nos actos do culto 34 e ao estabelecimento de um sistema de pensões que era, sob determinado aspecto, uma franca desautorização da lei do celibato 35, passando pela intromissão das entidades oficiais na organização do ensino nos seminários e nas catequeses 36 (com o objectivo de garantir a observância do preceito constitucional da neutralidade do ensino em matéria religiosa), pela regulamentação administrativa do toque dos sinos (artigo 59.º, cf. artigo 27.°, II, da Lei francesa de 1905) e pela própria organização da tabela máxima dos emolumento dos vários actos cultuais (artigo 36.°) 37.

7. c) A lei do divórcio e as leis da família. - Algumas das violações do princípio da liberdade religiosa, que foram sucintamente referidas, atingiam por forma explicita a Igreja Católica, os seus ministros ou as associações organizações ou institutos a ela pertencentes. Outras, conquanto formuladas em termos genéricos, era às mesmas entidades que quase exclusivamente afectavam na prática, visto ser muito reduzida, nesse tempo, a actividade associativa de confissões diferentes do catolicismo no território metropolitano.
Já antes, porém, destas medidas directamente relacionadas com a fé e a piedade dos crentes, haviam agravado os sentimentos da população católica algumas das profundas e significativas inovações que no ano anterior o Governo introduzira no capítulo das relações familiares.
O Decreto de 3 de Novembro de 1910 viera instituir entre nós o divórcio, permitindo a dissolução do casamento com grande cópia de fundamentos, sem distinguir na sua aplicação entre o casamento civil e o casamento religioso. No mês seguinte, a Lei n.° 1, de 25 de Dezembro, acabou com a dualidade do , casamento, reconhecendo apenas validade ao casamento civil, e o Código do Registo Civil de 1911 (artigo 312.°) estabeleceu a precedência obrigatória da celebração do casamento civil, quanto aos nubentes que pretendessem realizar também o casamento na Igreja.
Toda esta operosa actividade legislativa dos novos governantas reflecte fielmente o pensamento laicista da época, empenhado em combater alguns dos valores morais, sociais e religiosos que constituíam as bases tradicionais da comunidade nacional.
Contribuíram em larga medida para a criação deste ambiente entre as camadas dirigentes do País, quer a actividade subversiva de algumas associações secretas. quer a influência que algumas das modernas correntes filosóficas exerceram nas tendências realistas e agnósticas da literatura da época, quer a perniciosa intromissão de muitos membros do clero nas lutas (temporais) do liberalismo político, cujo rescaldo se prolongou pelo período posterior ao advento da República 38.

8. Primeiras reacções (moderadas) da legislação posterior contra os excessos da Lei da Separação. A revolução de 5 de Dezembro de 1917 e o Decreto n.º 3856. - Apesar de uma boa parte dos seus preceitos (em especial os que regulavam a constituição e funcionamento das associações cultuais) não .ter ido além dos textos legais em largas zonas do País, por nenhum eco encontrar nos sentimentos

29 Artigo 25.° A extinção das ordens religiosas começou por abranger apenas, como é sabido, os ordens masculinas (Decreto de 28 de Maio de 1834).
30 Artigos 17.°, 20.° e 169.° "Eram, pois, proibidas", comenta o Prof. Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, 8.ª edição, I, n.° 169), "as associações exclusivamente religiosas, ficando privadas de personalidade jurídica as que à data existissem, e que seriam extintas caso até 31 de Dezembro de 1911 não se transformassem em corporações de assistência (artigos 27.° e 28.°).
A Igreja Católica não era reconhecida como pessoa colectiva.
Deste modo, as igrejas e suas associações não ficaram no regime do direito comum, mas sim em regime especial de desfavor."
O exercício do direito de reunião era então regulado pelo Decreto de 29 de Março de 1890 e pela Lei de 26 de Julho de 1893, e o exercício do direito de associação pela Lei de 14 de Fevereiro de 1907.
31 Artigo 23.°
32 "Os ministros de qualquer religião", dizia o artigo 26.°, "são absolutamente inelegíveis para membros ou vogais das juntas da paróquia e não podem fazer parte da direcção, administração ou gerência das corporações que forem encarregadas do exercício do culto."
33 Artigo 181.°
34 Artigos 94.°, 178.°, 179.° e 180.°
35 "Se a perda ou suspensão de funções eclesiásticas", dizia o artigo 150.°, "resultar do facto de o ministro da religião ter contraído ou contrair o seu casamento, a pensão não será por esse motivo negada, nem suspensa, reduzida ou extinta."
E não menos revelador do espírito que animava o diploma é o esquema sucessório das pensões fixadas pelo artigo 152.°, onde expressamente se reconhece direito a certa quota da pensão à viúva do .pensionista, bem como aos seus filhos menores, legítimos ou ilegítimos.
36 Artigos 10.°, 37.°, 53.º e 170.° Cf. o ofício-circular dirigido pelo Ministro da Justiça (António Macieira) aos governadores civis, em 2 de Janeiro de 1912, sobre a execução da Lei da Separação neste ponto do ensino.
37 O órgão principal de execução prática das prescrições contidas na Lei da Separação, especialmente incumbido de proceder ao arrolamento e inventariação dos bens confiscados pelo Estado, era a chamada "Comissão Central de Execução da Lei de Separação."
Foi na Portaria de 18 de Maio de 1911 que se nomearam os membros da Comissão, à qual se consideraram aplicáveis as disposições do Decreto de 31 de Dezembro de 1910.
38 Padre Miguel de Oliveira, História da Igreja, 1938, pp. 251 e segs.