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814 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 73

digo Penal aos delitos de imprensa, quando a publicação seja feita em país estrangeiro e a distribuição se faça era território português. Este diploma regula ainda a competência do juízo e a forma de processo para a punição destes crimes.
O Decreto de 25 de Agosto de 1903 determina que dos periódicos publicados no ultramar sejam enviados exemplares ao procurador da Coroa e Fazenda e ao seu delegado na comarca em que se fizer a publicarão.
Pelo Decreto de 7 de Dezembro de 1904 são definidos os termos em que pode ser proibida a circulação e exposição de qualquer impresso no jornal.

32. A Carta de Lei de 11 de Abril de 1907 revogou, por sua vez, toda a legislação especial sobre a liberdade de imprensa, determinando, quanto à competência do tribunal, que «os crimes de abuso de liberdade de imprensa serão julgados com intervenção do júri, salvo nos casos de ofensa, injúria e nos de difamação, quando não for admissível prova sobre a verdade dos factos imputados, casos em que o julgamento compete ao tribunal colectivo» (artigo 13.°), sendo objecto de críticas, entre outras, a, disposição que atribui competência a este tribunal.
Quando da elaboração da proposta de lei de imprensa, que havia de converter-se na Lei de 11 de Abril de 1907, Trindade Coelho, a pedido da Associação idos Jornalistas, redigiu um projecto sobre a liberdade de imprensa.
No relatório que o precede diz que há três maneiras de legislar para a imprensa: ou restringindo as liberdades do direito geral, caminho seguido pelo Decreto n.° 1, de 29 de Março de 1890 (Lopo Vaz); ou ampliando as liberdades do direito geral, caminho adoptado pela Lei de 7 de Julho de 1898 (Veiga Beirão); ou cingindo-se ao direito geral.
O autor pronuncia-se abertamente por esta última solução, que, em grande parte, é adoptada pelo projecto em apreço.
E, apesar de reconhecer que «deixar inteiramente livre a circulação e exposição de toda a ordem possível de impressos [...] é arriscar a imprensa a converter-se, aqui ou ali, em estátua de Pasquino», confiava em que «essa mesma liberdade concorreria, eficazmente para a educação dos costumes, e que, mais do que a coacção e a violência, a liberdade e a educação combinadas bastariam para extinguir abusos, o que é mais e melhor do que reprimidos».
No direito geral residia o equilíbrio. Por isso acrescentava:

A aplicação do direito geral — nivelando, no campo das responsabilidades, o jornalista e o escritor com os demais cidadãos — faria o resto, com a inevitável sanção da consciência e da opinião públicas, que desse modo se criam, educando também no ofício de julgar, habituando-se a ver nos abusos da imprensa, que degenerassem realmente em licença, os piores, os mais repugnantes e os mais desprezíveis abusos, que são sempre os abusos da força. A imprensa tem milhares de línguas, meão poderosa para dever precaver-se mais do que se tivesse só uma (Trindade Coelho, relatório do projecto de diploma sobre a liberdade de imprensa).

Assim, à semelhança da lança de Aquiles, que curava as feridas por ela feitas, para Trindade Coelho a sanção da opinião pública bastaria para reparar os danos causados pela liberdade de imprensa.
Também Anatole France defendia uma absoluta liberdade de imprensa, com o fundamento de que os males da liberdade a própria liberdade os cura.
Há, porém, que contar com o vício da má-língua e, por vezes, com o da própria calúnia.
Este vício, «quando incide sobre o cidadão que não exerce nem pretende exercer poderes públicos, começa a actuar com reticências, a medo, como quem pede desculpa se erra ou ofende; mas, quando o visado é político, todas as conveniências se dispensam, como se ao difamador pertencesse todo o património moral do homem público, sem restrições nem limites, salvo o que lhe impõe o condomínio de outros difamadores.
Do homem público tudo se acredita, de tudo o julgam capaz, e nem em relação a ele parece existir a presunção de honestidade.» (Manuel Rodrigues, Problemas Sociais, p. 112.)
A inveja não perdoa. «Não há maior delito no mundo que o ser melhor. Um grande delito muitas vezes achou piedade; ima grande merecimento nunca lhe faltou inveja», proclamou o padre António Vieira.
E pondo em confronto a vida, a honra e a fama, disse, com rara eloquência:

A vida é um bem que morre; a honra e a fama é um bem imortal; a vida, por larga que seja, tem os dias contados; a fama, por mais que conte anos e séculos, nunca lhe há-de achar conto nem fim, porque os seus são eternos; a vida conserva-se em um só corpo, que é o próprio, o qual, por mais forte e robusto que seja, por fim se há-de resolver em poucas cinzas; a fama vive nas almas, nos olhos e na boca de todos, lembrada nas memórias, falada nas línguas, escrita nos anais, esculpida nos mármores e repetida sonoramente sempre nos ecos e trombetas da mesma fama. Em suma, a morte mata ou apressa o fim do que necessàriamente há-de morrer; a infâmia afronta, afeia, escurece e faz abominável um ser imortal, menos cruel e mais piedosa se o pudera matar. A morte ofende a mortalidade da vida, a infâmia a imortalidade da alma.

Se os homens, no dizer de Montaigne, «não se ligam uns aos outros senão pela palavra» — veículo de inteligência e intérprete de sentimentos —, devemos usá-la por forma a respeitar nos outros o que exigimos para cada um de nós — a verdade, a honra e a justiça.
Assim, a lei não pode deixar de incriminar como delitos de imprensa os factos injuriosos e difamatórios que, ofendendo a honra e consideração de outrem, atentem contra a sua personalidade moral e, bem assim, as notícias falsas, tendenciosas, susceptíveis de perturbar a paz, ofender o interesse geral ou causar danos a terceiros.
O projecto de Trindade Coelho não se converteu em lei.
O Decreto de 20 de Junho de 1907 proibiu temporariamente a circulação e publicação de periódicos, escritos, desenhos ou impressos atentatórios da ordem e segurança pública.
O Decreto de 21 de Novembro de 1907 mandou que as disposições do Decreto de 20 de Junho de 1907 continuassem em vigor até resolução das Cortes.
Pelo Decreto de 31 de Janeiro de 1908 foram estabelecidas várias providências com vista à repressão dos crimes compreendidos no artigo 1.° do Decreto de 21 de Novembro de 1907 — anarquismo.
O Decreto de 5 de Fevereiro de 1908, publicado logo a seguir ao regicídio, declarou nulos os Decretos de 20 de Junho e de 21 de Novembro de 1907 e de 31 de Janeiro de 1908, sobre publicações periódicas.