974 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 79
Assim, em 23 de Setembro de 1957, foram criadas as quatro primeiras corporações económicas: Lavoura; Transportes e Turismo; Crédito e Seguros, e Pesca e Conservas. E, decorrido um ano, em 23 de Setembro de 1958, vieram a ser criadas as restantes: Indústria; Comércio; Imprensa e Artes Gráficas, e Espectáculos.
Quanto às corporações morais e culturais, a base XV da Lei n.° 2086 incumbiu o Governo de promover a sua instauração e definir quais os ramos de actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados. Mas só em 23 de Setembro de 1966 foram instituídas três dessas corporações: Ciências, Letras e Artes; Assistência, e Educação Física e Desportos. Apenas a segunda se encontra em efectivo funcionamento.
Apesar de a Constituição plebiscitada em 1933 afirmar que incumbia ao Estado autorizar todos os organismos corporativos, morais, culturais ou económicos e promover e auxiliar a sua formação (artigo 16.°) - disposição constitucional que foi, na sua essência, mantida nas revisões subsequentes - a verdade é que decorreram mais de trinta anos antes de se concluir, no campo legislativo, a integração corporativa de todos os ramos das actividades nacionais.
É certo que os interesses culturais e morais vinham tendo efectiva audiência através da sua representação na Câmara Corporativa, onde constituíam os seguintes grupos (artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 29 111, de 12 de Novembro de 1938): Ciências e Letras; Belas-Artes; Educação Física e Desportos, e Interesses Espirituais e Morais. O mesmo agrupamento se mantém, por outra ordem, com acréscimo do Ensino (Decreto-Lei n.° 43 178, de 23 de Setembro de 1960). Tal intervenção, porém, não oferecia, só por si, suficiente expressão corporativa, consideradas as funções e natureza consultiva da Câmara.
3. O sistema constitucional português comporta a existência de dois órgãos colegiais: Assembleia Nacional, composta de Deputados eleitos por sufrágio directo dos cidadãos (persistência do conceito jurídico de povo), e a Câmara Corporativa, composta por representantes das autarquias locais e dos interesses sociais, considerados estes nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica (representação orgânica dias actividades nacionais). Adoptam-se, pois, critérios diferentes na composição da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa.
No parecer emanado desta Câmara acerca da proposta de lei sobre as recentes alternações à Constituição Política, explicava-se que o "governo" cabe à generalidade da população ou a representantes seus, não havendo ninguém cujo poder de direcção política ou cujo ofício governativo não tenha título representativo, e que, por outro lado, essa participação do povo no "governo" não se verifica por uma via exclusivamente individualista. Está previsto - acrescentava-se - que nele participem todos os elementos estruturais da Nação e, portanto, não apenas os indivíduos, mas também as "corporações" ou sociedades primárias em que eles se integram e parcialmente se realizam.
A essência do regime impulsionava naturalmente para a expressão orgânica dos grupos sociais, mas o condicionalismo político e a influência daquilo que se praticava nos países mais relacionados com Portugal fez desviar do rigor dos princípios.
Até à publicação da Lei n.° 2100, de 29 de Agosto de 1959, também o Chefe do Estado era eleito por sufrágio directo dos cidadãos. Seguidamente, passou a ser designado por intermédio de um colégio eleitoral constituído pelos membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa e por representantes municipais e ainda por representantes dos órgãos electivos, com competência legislativa, das províncias ultramarinas (artigo 72.° da Constituição).
4. A Assembleia Nacional tem funções legislativas de que o Governo comparticipa, excepto no que se refere a matérias reservadas à sua exclusiva competência (artigo 93.° da Constituição). Para além dessas atribuições exerce a fiscalização e crítica dos actos governativos.
O princípio da separação de poderes nunca foi absoluto. Desde logo se fez sentir a necessidade de criar um poder moderador inspirado numa tendência unificante, e a rigidez do princípio resultou diminuída pela praxe das autorizações legislativas conferidas ao Governo e pelo progressivo alargamento da faculdade normativa que as próprias leis fundamentais lhe foram atribuindo, em primeiro lugar, nos casos de urgente necessidade pública e, depois, a título permanente. Também se consagrou o princípio de as leis aprovadas pelas assembleias legislativas destinando-se a matérias mais essenciais, enunciarem apenas bases gerais, competindo ao Executivo a elaboração dos respectivos decretos regulamentares.
Na verdade, consideradas as suas características, os parlamentos não podem eficientemente intervir na elaboração de leis muito vastas ou que revistam grande complexidade ou carácter acentuadamente técnico.
Deve, ainda, considerar-se que a actividade legislativa das câmaras, sobretudo em momentos de maior perturbação, se viu sèriamente comprometida em lutas políticas e debates improdutivos.
A atribuição de funções legislativas ao Governo pode encontrar, na ortodoxia parlamentar, a justificação de que sendo o Governo uma emanação da maioria, será de presumir que a providência legislativa por ele tomada haveria de ter voto conforme do parlamento (presunção do consentimento da maioria).
De resto, o deslocamento da faculdade de fazer leis não se opera só a favor do Governo; a tendência geral é de a alargar a outros órgãos do Estado. Assim sucede em relação ao Supremo Tribunal de Justiça quando, funcionando em tribunal pleno, tira assentos para uniformização da jurisprudência, com força obrigatória para todos os tribunais (n.° 2 do artigo 769.° do Código de Processo Civil), bem como em relação às corporações, ao estabelecerem, com assentimento do Estado, certas normas de observância geral [base V, alínea b) e f), da Lei n.° 2086], e, até, a outros organismos corporativos, das convenções colectivas de trabalho (artigos 8.° e 24º, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 49 212, de 28 de Agosto de 1969).
Em vez de separação absoluta de poderes, melhor se dirá especificação de funções.
Todavia, a supremacia da Assembleia, mesmo no domínio legislativo, ainda se mantém, por lhe estar reservada competência exclusiva no tocante a certas matérias, nomeadamente liberdades fundamentais, organização judiciária, organização militar e autorização para cobrar as receitas do Estado e realizar as despesas públicas - esta última uma das atribuições históricas do parlamento.
A função fiscalizadora exercida pela Assembleia é a que melhor se adapta a um órgão de representação constituído segundo critérios numéricos, e não com fundamento na profissão ou noutra qualificação dos elementos que a compõem.
Pode compreender-se que, para além do ordenamento corporativo, se forma uma opinião política geral que deve influenciar decisivamente os negócios públicos e as linhais de rumo adoptadas peia governação. É assim que, nos termos do n.° 2 do artigo 91.° da Constituição,