978 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 79
administração do Estado aos problemas da época, regulamentação actualizada das liberdades essenciais, e alargamento do polígono de sustentação política da acção do Governo, com as consequências correspondentes. Este último desejo significava, na prática, uma certa preferência por maior policentrismo nas decisões e, por conseguinte, traduzia o receio de a evolução conjuntural ser muitas vezes influenciada por um número reduzido de forças ou grupos de pressão. Que o relato nos não ofenda nem alarme demasiado, pois verificações ou reparos de índole idêntica são hoje comuns, ao fazer-se o exame sociológico das situações existentes, mo mundo livre ou nas democracias populares. De tal modo que o presidente Georges Pompidou repetidamente se tem referido à necessidade de desbloqueamento ou desblocagem da sociedade francesa.
Perante uma expectativa internacional quase sempre pouco benévola, processaram-se as mudanças políticas que a idade tornara aconselháveis e os factos haviam imposto por forma de que nos poderíamos orgulhar se não fosse natural em nação tão antiga e estabilizada como a nossa. E, se então se houvesse querido manter o statu quo, o vácuo deixado por um prestígio moral reconhecido por amigos e adversários teria imposto, como única solução, um crescente reforço das medidas de autoridade, contrário aos sinais dos tempos e negador da maturidade cívica que o País tão bem havia sabido demonstrar. Sendo assim, e embora - como tudo - isso tenha o seu preço, qualquer transição inteligente e ordenada viria a determinar uma orientação mais permissiva e conforme aos "padrões europeus", desde a actividade sindical à vida das Universidades, desde a importação de livros à exibição de filmes ou à apresentação de espectáculos teatrais. Em termos de objectividade, isto mesmo entre nós sucedeu.
E decerto se produziram também, embora em escala modesta, os fenómenos que os Estados Unidos conheceram após as crises de Berkeley ou da Universidade de Colúmbia: alguns limites de permissão foram postos tem risco ou excedidos e houve aí necessidade de reencontrar a disciplina, em nome do interesse geral. O arquiduque Otão de Habsburgo, um dos mais lúcidos comentadores da actualidade, escreveu em Junho de 1969 que o Mundo sente neste campo as consequências de a maior parte dos seus dirigentes terem sido formados sob o impacte do III Reich, ou por o haverem servido, ou por haverem lutado contra ele. Tiveram ou souberam o que era ter problemas de consciência perante ordens de repressão. Em consequência, hesitam em dá-las ou fraquejam quando se trata de as executar. Daí, no Ocidente (e nem só nele) estar-se perante uma crise psicológica da autoridade.
Todavia, e sempre em termos objectivos, a transição processa-se entre nós por modo geralmente afastado das perturbações inconvenientes; e fez nascer as primeiras expressões de policentrismo e o alargamento correlativo dos grupos de pressão. Os mais antigos não deixaram de existir (e em todo o mundo há grupos de pressão); mas viram-se contestados por outros e já não detêm um certo exclusivo no acesso à informação política, que inteligentemente haviam conseguido alcançar. A participação das populações na escolha das opções fundamentais começa agora a formar-se em contacto bilateral e da periferia para o centro; e a administração deixou de ser tão acentuadamente selectiva e, quanto às necessidades prioritárias - sobretudo na educação - perdeu timidez perante os novos caminhos e mostras-se receptiva a uma democratização do acesso aos bens de cultura e outros, ou mesmo a uma relativa socialização de soluções.
Direi portanto, como Jacques Delors quanto à sociedade francesa contemporânea, que os movimentos de descompressão estão pouco a pouco atenuando os mecanismos de travagem das influências públicas ou privadas de tendência monopolista. Sem as destruir, porque também são úteis; mas sem lhes permitir o domínio exclusivo - tal é o seu grande risco- quanto aos meios de produção e às estruturas do ensino oficial ou da educação permanente.
Pode, por conseguinte, concordar-se ou não com o caminho escolhido por este ou aquele governante; apoiar-se ou criticar-se esta ou aquela decisão política, ter-se medo das soluções mais ousadas ou repelirem-se a priori quantas o não sejam. Mas, olhando em redor - de nós próprios e do País -, não sei, dentro do parâmetros concretos da vida e do mundo, como poderia ter-se seguido rumo diferente, na prossecução do bem comum.
3. Deste modo, o conjunto vasto e complexo de medidas tomadas pelo Governo, na parte mais importante e significativa, com a colaboração parlamentar, visou corresponder às aspirações atrás enumeradas. Sobretudo a duas: dinamizar a administração pública e regular mais adequadamente os direitos do Homem, como se diz ma O. N. U. ou garantir mais eficazmente as liberdades do cidadão, como no princípio do século se costumava dizer. Integram-se na primeira numerosos diplomas, desde o decreto sobre horário do trabalho à lei do ensino tecnológico, desde a nova lei de seguros à lei sobre recuperação dos diminuídos; reportam-se mais especialmente à outra finalidade a reforma da Constituição e as leis de imprensa ou de liberdade religiosa. Mas a todos os diplomas importantes se referiram o Sr. Presidente da Câmara e os oradores que me antecederam em termos a que muito pouco tenho a acrescentar.
Um volume assim de actividade é situação sem paralelo na nossa, vida pública e gerou as naturais consequências emergentes de um rendimento acrescentado das instituições ao nosso dispor. Como é razoável prever que a maximação do ritmo se mantenha, um dos aspectos a considerar será o da melhor articulação e aproveitamento recíproco dos trabalhos levados a efeito na Câmara Corporativa e na Assembleia Nacional. Mas não é a esses problemas que me desejaria referir, nem tão-pouco ao alcance das leis publicadas, pois acerca delas largamente se pronunciaram a Assembleia e, por vezes, a opinião pública interna e internacional.
Apenas gostaria de anotar que, graças à decisão posta no estudo de muitos assuntos prioritários, o Governo se encontra habilitado, a meu ver, com meios jurídicos e administrativos susceptíveis de operar profundas adaptações e transformações na sociedade portuguesa. Ê isso flagrante na educação e no ensino, onde vastas reformas haviam sido tornadas possíveis pelo recente prolongamento da escolaridade obrigatória. E a elas é de esperar que em breve se juntem novas directrizes sobre os mecanismos do mercado, na política industrial.
Também quanto a estas medidas - como em relação a tudo que seja importante - as opiniões se hão-de dividir e polarizar. Ouvir-se-ão os reparos e, em menor grau as palavras de aplauso; as cassandras anunciarão o fim do Mundo e os reformistas hão-de proclamar a sua desilusão. Isto significará apenas que o Verbo ao fazer-se carne traz sempre consigo o estigma das coisas imperfeitas e perecíveis. Mas os problemas económicos e sociais (disse-o um grande papa) hão-de resolver-se pela razão ou sem ela,