4 DE FEVEREIRO DE 1942 163
o primeiro caso entrega das terras às associações de regantes ou ao próprio Estado - não resolveriam o problema da colonização interna por meio dos casais agrícolas. Esse defeito é orgânico em parte, porque derivará do princípio da injusta distribuição dos encargos, mas será também de execução na parte em que resulte de erros de fixação desses encargos, se os houve.
Finda aqui, Sr. Presidente, a parte crítica da minha exposição, «m que apreciei os defeitos do regime legal de hidráulica agrícola. Passo agora à sua parte orgânica.
Conhecidos os males ou defeitos do regime legal da hidráulica, ou leito o seu diagnóstico, há que instituir-se, como na medicina, a terapêutica para os curar ou melhorar.
Quanto aos encargos, defendo, como já expus, o princípio da sua distribuição bilateral pelo» proprietários e pelo Estado.
Mas até onde deve ir a comparticipação do Estado nos encargos e qual o modus faciendi?
A Junta fixa o limite de 10 por cento da mais valia à redução da taxa de rega; não será ficar demasiado perto? A Câmara Corporativa, no seu tom douto parecer sobre a proposta de lei n." 1:949, fixava-lhe o de 30 por cento. Na Itália e nos últimos aproveitamentos hidroagrícolas de Espanha, como já aqui foi dito, vai de 50 por cento e mais, além de outras facilidades concedidas aos proprietários não será ir longe de mais?
Será preferível a comparticipação do Estado efectivar-se, como estabelecem algumas legislações estrangeiros, excluindo do reembolso do Estado o custo dos estudos e planos preparatórios das obras, ou de certas obras dos melhoramentos hidroagrícolas?
Não é isso o que nos interessa discutir no momento. Essas questões «ao já de pormenor, de modalidades da execução do princípio da distribuição bilateral dos encargos, e o que importa é a fixação deste princípio dentro do próprio quadro em que o aviso se movimenta.
Só o Governo, conhecedor das possibilidades do Estado e das realidades da política da hidráulica agrícola, deverá ser juiz nessas questões e determinar em quo termos deve ficar na sua mão essa manivela de comando.
Apoiados.
Julgo, em segundo lugar, urgente e indispensável & organização das associações de remontes pelo seu importantíssimo papel no êxito da política da hidráulica agrícola, como mostra o elenco das suas muitas atribuições, feito minuciosamente no artigo 6.º do decreto n.º 28:653, e entre as quais se destaca a sua intervenção directa na determinação e registo da produção e dos seus rendimentos, na fixação e lançamento da taxa de conservação, nu organização e execução dos planos desta e da exploração, distribuição e horários de água e processos de cultura, iniciativa de campos experimentais, etc.
A sua organização pode ser um factor decisivo na justiça da actuação da Junta Autónoma, na posição esta perante os proprietário e na defesa dos interesses destes.
Em seguida, Sr. Presidente, para fortalecimento da confiança plena e isenta de quaisquer apreensões nos resultados dos estudos económicos, e por uma questão de princípios e técnica jurídica do instituto do recurso, parece que deverá dar-se nos interessados o direito de o interpor das decisões da Junta Autónoma sobre as suas reclamações para outra entidade ou instância idónea, ou, pelo menos (e talvez isso seja preferível, por menos perturbador dos serviços da hidráulica agrícola), determinar-se que a instrução das reclamações possa fazer-se também com os resultados de vistorias realizadas por peritos que não sejam nomeados pela Junta Autónoma ou só por ela, como ela sugere.
Finalmente, justo e conveniente se me afigura também que se conceda aos proprietários uni prazo razoável, após a entrada dos terrenos em regadio, paru começarem a pagar o aumento da contribuição predial, embora nesse ponto não se vá tam longe como em certos países, que chegam a alargar esse prazo até ao limite de vinte anos, e que a taxa de conservação se sujeite ao mesmo regime, se continuar toda a cargo dos proprietários.
Em tese seria defensável o princípio de o aumento da contribuição só começar a pagar-se a partir da época em que se verificasse o aumento de rendimento colectável que o justifica, relativamente a cada cultura, mas a sua execução ofereceria grandes e até invencíveis dificuldades e inconvenientes práticos, pelo que é preferível o estabelecimento de um prazo certo.
Com essas modificações parece-me que serão limadas as arestas mais vivas do regime legal da nossa hidráulica agrícola e da sua execução, na parte em que é defeituosa, e se evitarão as decepções e os fracassos que têm assinalado os suas primeiras experiências noutros países.
E necessário é que assim seja, porque o exemplo é o melhor apóstolo do êxito ou do insucesso das doutrinas ou instituições exemplificadas, e que se evitem, quanto possível, as queixas e reclamações justificadas.
O clamor e a extensão que têm assinalado essas queixas e reclamações, o antipodismo das alegações da Junta Autónoma e dos proprietários sobre pontos fundamentais, o fôsso intransponível que separa factos, afirmações, ilações e resultados trazidos dos dois lados ao processo em curso têm impressionado muitos espíritos. Confesso que não são essas circunstâncias que mais impressionam o meu.
Quem por dever profissional estiver em contacto com litígios de vária espécie, designadamente de carácter patrimonial, e ainda mais particularmente de carácter fiscal, está habituado a observar que, frequentemente, são equidistantes da exactidão as alegações de ambas as partes e sabe que, por uma lei psicológica de quási constante aplicação, o litigante que tem de receber procura exagerar aquilo a que se julga com direito, ao inverso do que tem de pagar, que emprega todos os esforços para reduzir ao mínimo a sua obrigação.
E certo é também que o clamor e a generalização dos protestos contra inovações nem sempre dão a medida da sua justiça, e não são, por vezes, mais do que táctica e armas de combate a que se recorre parada formação, mais ou menos artificial, de um falso ambiente favorável ao triunfo de causas precisamente pouco justas.
Mas não infalibilizemos os serviços públicos ou os seus agentes, nem dogmatizemos as suas afirmações, como também não podemos acolher sem prudentes reservas as dos reclamantes.
Não posso, porém, perder de vista que, das cinco reclamações já decididas, quatro foram atendidas, o que, se por um lado marca a isenção da Junta Autónoma e a eficácia das garantias de defesa que a lei dá aos proprietários, por outro deve ter-se como prova da realidade dos erros que originaram essas reclamações e da justiça destas; e essa realidade e alguns números legitimam a presunção da possibilidade da justiça, pelo menos em parte, das reclamações ainda não julgadas e da existência dos erros que lhes servem de fundamento.
Mas a experiência da nossa hidráulica agrícola é curta; está ainda distante da sua fase de maturação e não deu ainda todas as provas. E, segundo aquela impecável fórmula do Sr. Presidente do Conselho, que encerra todo um. programa sábio, honesto e prudente de processos de administração pública - estudar na dúvida e realizar na certeza -, não é tarde ainda para tomar posições definitivas.
E, porque nunca o Governo deixou de honrar escrupulosamente o largo o justificado crédito de esperanças e de fé que lhe foi aberto pelo País, durei o meu voto