178 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 123
Perante as necessidades e por influência da guerra, o preço das mercadorias sobe desmesurada e imprevistamente, e, se o comércio pequeno ou de retalho vive de capitais - escudos limitados e apertado crédito, sucederá que a maior parte das vezes muitos que diminuem os seus stocks não auferem o lucro suficiente para repô-los sem quebra de grande vulto. O seu património realmente reduz-se.
Com que injustiça irá, puis, o imposto atingir as firmas em cujos exercícios estes factos tiveram lugar?
Necessita o Estado de receitas extraordinárias para cobrir despesas que a salvação comum impõe e pela qual o Governo tem a obrigaç3o de volar?
É legítimo o sacrifício, e todos o faremos, em cumprimento desse patriótico dever. Não há necessidade, sequer, de o justificar, mas também não se torna imprescindível alterar o sistema tributário dentro do qual temos vivido.
Por tudo isto se defendeu na Câmara Corporativa a criação do adicional de guerra sobre a contribuição industrial para os comerciantes retalhistas, admitida a isenção estabelecida na proposta do Governo para os contribuintes cujo rendimento ilíquido presumido não excedesse 35.000$.
E assim o Estado cobraria, extraordinariamente, o imposto a um sector da Nação, que com simpatia, o satisfaria, não porque tivesse obtido excessos de lucros que lhe competisse fazer reverter parcialmente para a comunidade, mas porque aquele carecia, na emergência, de auferir receitas - extraordinárias para enfrentar os encargos imprevistos motivados pela situação internacional.
Se o recurso a uma enumeração dos lucros extraordinários chamados de guerra, meramente exemplificativa, apresentava o natural inconveniente de deixar de fora alguns, cuja deficiência de elementos de apreciação fossa notória, não tinha o grave peso de tributar a êsmo todos os que, assoberbados pelos riscos constantes da própria valorização repentina e inevitável das mercadorias, não provocada mas por eles sofrida, se tinham encontrado, para aumentarem os seus réditos, em condições de luta permanente contra todas as dificuldades.
Ombreando, porém, com êsses, quantos negócios há que, sem contestação possível, aproveitando - embora alta de preços, se tornaram extraordinariamente rendosos pela sua ligação mais ou menos aproximada com a guerra?
Não seria difícil apontá-los seguida e longamente, mas bastam, para exemplo, os que pertencem, à indústria de armamentos e equipamentos para os exércitos, os do fornecimentos de mantimentos em larga escala para esse fim, as empreitadas com o Estados destinadas à defesa militar imposta pelo momento, construção, alteração e transferência de imóveis para adaptação àqueles destinos, transacções especuladoras em bolsas, operações bancarias meramente resultantes- da especulação, exportação extraordinária de certos produtos, tais como tecidos, conservas, minérios, sobretudo o decantado volfrâmio, que, fora os lucros de exportação, muitos outros produziu.
Bem sabemos que, de um modo geral, todos se acham compreendidos na intenção legislativa; mas estes, sem risco, aproveitam por dois canais - a valorização e a influência directa da guerra -, ao passo que todos os outros vêm a pagar também, mas aproveitando só por um e correndo todos os riscos. E «e, paira demonstração da justiça, se alega que não há desigualdades para ninguém, visto que se aplicam as mesmas taxas tributárias aos mesmos quantitativos de lucros de fontes diversas, não é fácil esquecer que não é d p mesma natureza a fonte do esforço que os produziu, nem para todos os resultados são iguais.
Há quem considere difícil, senão impossível, a tributação dos verdadeiros lucros de guerra obtidos por entidades mais ou menos estranhas ao comércio, justifican-do-se assim a determinação classificadora das firmas comerciais como sendo aquelas que, por não poderem fugir e já estarem sempre de antemão destinadas ao sacrifício, melhor e mais facilmente podem ser designadas para tal.
São interessantes algumas afirmações sôbre estes pontos contidas no já referido parecer, e que transcrevemos por terem íntima ligação com o que vimos deduzindo e apresentarem sugestões ponderáveis para casos omissos na proposta.
Transcrevendo:
Temos ainda um outro grupo, que classificaremos como actividade de exercício permanente em liquidação ou paralisação forçada - por virtude da guerra, em que colocaremos as firmas que liquidaram parcialmente os seus stocks e ficaram forçadamente com capitais disponíveis por não poderem adquirir mercadorias do seu comércio. Têm de manter as suas casas e os seus empregados mas não fazem transacções ou limitam-nas ao mínimo.
O caso que acabamos de citar é um dos que provoca reparos errados nos amantes das estatísticas. Verificando os números referentes aos depósitos bancários, e constatando o aumento desses números de um ano em relação aos anteriores, concluem erradamente por supor um acréscimo de riqueza.
Ainda há pouco, numa das sessões da Assembleia Nacional, um dos seus mais brilhantes componentes, ao apreciar a proposta de lei para a emissão do novo empréstimo de 3 1/2 por cento, se referiu êsse facto, concluindo por atribuir, muito justificadamente, o aumento destes depósitos a acréscimo de confiança pública nas instituições bancárias e à entoada de muitos capitais estrangeiros vindos em busca de asilo seguro onde abrigar-se.
Afinal o que se deve depreender é que esses capitais estão desviados da sua função principal, visto que se imobilizaram, o que é indício de paralisação e, portanto, de deminuïção de movimento para o comércio.
De tudo o que escrevemos não deverá deduzir-se que estejamos negando a existência de ganhos ou lucros extraordinários provenientes da situação anormal que se atravessa.
Esses existem e pode e deve o Estado- tributú-los como lucros de guerra incontestavelmente efectivados.
E não é tam difícil a sua busca como parece à primeira vista.
Num dos casos que citámos, o das vendas por preços quási fantásticos de terrenos em que se estão fazendo ou se fizeram explorações de minério, basta que as repartições de finanças e notários comuniquem as transacções de que tiveram conhecimento e as escrituras que lavraram. O resto é obra de informadores ; e depois vira o lançamento do imposto respectivo aos cedentes ou vendedores desses terrenos.
Aos particulares que, oportunamente fizeram negócios ou que neles intervieram, obtendo ganhos efectivos, também ao Estado é possível, sem grande dificuldade, colectá-los.
E natural que duas hipóteses se tenham dado: ou os ganhos foram depositados ou se aplicaram na aquisição de propriedades, etc.
O Estado não considera crime ou infracção o facto de se terem obtido lucros extraordinários. Portanto não há que temer o seu conhecimento.