130 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 49
Do que se trata exposto pode extrair-se a firme ilação de que a jurisdicionalização da pena e da medida de segurança se justifica, quer quando encarada à luz dos princípios, quer quando apreciada de harmonia com as conveniências da prática.
Bem se compreende, portanto, que no Congresso Penal e Penitenciário Internacional de Berlim, em 1935, a umanidade de opinião sôbre a necessidade da juricionalização fôsse tal que, dada como assente; o tema proposto sòmente versava sôbre os limites em que devia ser reconhecida.
¿ Não haverá porém, em relação ao direito português, fortes razões que se opunham à jurisdicionalização e aconselhem antes a manutenção do sistema presentemente em vigor?
¿ Não será preferível que a execução da pena e da medida de segurança continue, como até aqui, exclusivamente confiada a órgãos administrativos?
Afigura-se que não.
Em primeiro lugar não deve esquecer-se que o nosso direito acolheu o princípio da individualização da pena. Com efeito, outra significação não pode ter a existência da suspensão condicional da pena (lei de 6 de Julho de 1893 e decreto-lei n.º 29 636, de 27 de Maio de 1939), do regime progressivo para a execução das longas penas privativas de liberdade (decreto-lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936 - Reorganização dos Serviços Prisionais), da prorrogação das penas aplicadas a criminosos de difícil correcção, da liberdade condicional e do indulto (tudo referido também no mesmo diploma).
Sendo assim, valem aqui as considerações de ordem geral precedentemente feitas.
Depois, não se andará fora da verdade afirmando que o citado decreto-lei n.º 26:643 lançou, pelo menos implicitamente, as bases da jurisdicionalização. É o que resulta da demarcação, nìtidamente estabelecida, entre as atribuições dos órgãos directivos dos estabelecimentos prisionais e as do Conselho Superior dos Serviços Criminais e do Ministro da Justiça.
Entre estas últimas figuram, além de outras, as relativas à prorrogação de penas aplicadas a criminosos de difícil correcção, à concessão de liberdade condicionais, à sua revogação, em caso de não cumprimento das condições impostas, e a indultos. Quere dizer: O Conselho Superior dos Serviços Criminais e o Ministro intervêm, afinal, pelo menos, nas medidas modificadoras da pena que mais põem em jogo a segurança social e em mais alto grau podem interessar aos condenados. Mas se assim é, se as mais importantes medidas modificadoras da pena não entram no âmbito das atribuições dos orgãos directivos dos estabelecimentos prisionais, é de concluir que a jurisdicionalização, além de ser lógica, está também extraordináriamente facilitada, visto os actos sôbre que deve incidir se acharem já de certo modo desintegrados do âmbito específico da administração prisional.
Por conseguinte, introduzi-la no direito português é apenas sancionar uma orientação que está implícita no princípio da individualização da pena - há já muito nêle consagrado - e encontra clima legislativo propício para a sua efectiva execução prática.
Só razões de carácter transitório podem explicar, pois, que se não designassem logo tribunais para aplicação destas medidas e fôssem confiadas a orgãos administrativos.
A jurisdicionalização não é assim uma completa innovação, mas um natural complemento da Reforma Prisional e que esta deixava já antever.
2. A juridiscionalização, a que se tem aludido, suscita, porém, dois problemas de grande delicadeza e que cumpre analisar em separado: um é o da determinação sua amplitude, outro o da designação do órgão judicial que, em concreto, a deve realizar.
Analisemos aqui o apontado em primeiro lugar:
A jurisdicionalização não significa, de modo algum, a entrega pura e simples a órgãos judiciais das funções respeitantes á organização e vida prisionais, até aqui confiadas a orgãos administrativos.
A jurisdicionalizão requere uma certa medida, sem o que poderá dar lugar ao excesso oposto, não menos condenável, de invadir a esfera normal dos órgãos administrativos, com prejuizo do seu bom funcionamento e do seu prestígio. Quere dizer: não se reduz a uma mera transferência de funções. É que os juízes - para só apontar um inconveniente - têm uma formação e adquirem tendências de espírito que naturalmente os afastam de funções por sua natureza mais pedagógicas ou administrativas do que juridiscionais.
Como nota Paul Cornil (Actes da Congrés Pènal et Penitentiare International de Berlin, Aout 1935, vol. II, p. 14) «réeduquer un déliquant, guérir un psychopate, reclasser un détenu, autant de tâches Qui demandent une préparation fort different de celle qu'acquièrent les juristes».
Do que acaba de dizer-se uma conclusão logo se tira: a de que a jurisdicionalização não pode abarcar todos os actos respeitantes à execução da pena e da medida de segurança. Alguns devem passar para a competência de órgãos judiciais; outros porém de vem manter-se na competência de órgãos administrativos.
Quais devam ser da competência de uns e quais devam ser da competência de outros é o que cumpre averiguar agora.
Como sucede a muitas investigações da natureza desta, importantes divergências se têm verificado nos resultados apurados por penalistas e por legisladores.
Para prova da primeira afirmação basta Ter presentes as várias comunicações apresentadas no Congresso Penal e Penitenciário Internacional, realizado em Berlim, em Agosto de 1935, a propósito da questão de saber «qual ser a competência do juiz penal na execução das penas» (cif. Actes, vol, II, pp. I a 120).
Assim, por exemplo, emquanto Hugueney (cuja tese se circunscreve às realidades do direito francês) entende que só poderão confiar-se ao juiz a concessão e a revogação de liberdades condicionais; JonescoDolj acha que para perfeita reaização da jurisdicionalização - sem conflitos entre autoridades judiciais e autoridades administrativas-, devem as prisões tornar-se anexos das instâncias de julgamento e o seu respectivo pessoal superior integrar-se no corpo da magistratura, passando aquelas, dêste modo, a ser dirigidas por magistrados delegados.
Para prova da Segunda afirmação - divergências entre as orientações consagradas nas legislações - basta também Ter presentes as soluções legislativas de alguns países sôbre o problema em exame.
Assim o direito italiano (Código Penal, Código de Processo Penal e regulamento penitenciário) atribue ao juiz que intervém na fase executiva da pena duas ordem de funções - umas deliberativas, outras meramente consultivas. Pertencem às primeiras, entre outras, a de determinar a mudança da prisão especial designada pelo tribunal de julgamento, a de indicar as medidas a adoptar em relação a condenados inadaptados à vida prisional em comum, a de resolver as queixas apresentadas pelos reclusos respeitantes a salários do seu trabalho ou a despesas com a sua sustentação em caso de doença que os impossibilite de serem postos em liberdade no dia da expiação da pena, a de declarar a inadmissibilidade dos pedidos de liberdade condicional, bem como a modificação das suas condições. Pertence às segundas, por exemplo a de emitir