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216 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 60

forma de obter uma poltrona no Paraíso nem a gratidão servil do povo, mas para cumprir deveres. O grande mestre escalpelizou, como êle sabe fazer, as actividades que tantas vezes vemos empregadas quer num quer noutro sentido e tam improfícuas se tornam para os fins que se desejam atingir.
Há muitas pessoas que entendem realmente que deverão, em matéria de assistência, fixar uma poltrona no Paraíso. Querem realmente obtê-la com uma pretensa caridade duns bailes de beneficência e outras futilidades, que me abstenho de descrever neste lugar, não se lembrando do velho princípio, único que para lá conduz: ad augusta per augusta.
Mas se na realidade assim não se poderia firmar uma poltrona no Paraíso, também certas pessoas pretendem obter com relativa facilidade uma poltrona na terra.
Essas pessoas entendem que seria fácil elaborar um conjunto de medidas que dessem ao homem uma tal posição na terra que o libertassem de grandes preocupações, que o libertassem da luta pela vida como ela tem de ser encarada, que o atirassem para uma inacção que seria verdadeiramente censurável.
Muito longe de mim, Sr. Presidente, admitir, sequer, qualquer destas orientações.
Servindo-me da frase de Afonso Lopes Vieira, nem assim a poltrona do Paraíso, nem assim a poltrona na terra.
É certo que o homem tem o direito de exigir, nas suas necessidades, o socorro dos seus semelhantes, pois que o direito que o necessitado tem à própria subsistência excede o direito que os outros têm a uma fortuna superabundante ou às suas comodidades.
Mas, apesar disso, não podemos, evidentemente, pensar, ao menos, que é possível na terra evitar que haja continuamente a luta pela vida. Não pensemos sequer que é possível, humanamente possível, arranjar qualquer forma, qualquer plano, que nos dê êsse Paraíso na terra.
Devemos, pelo contrário, estar precavidos contra certas tendências pretendidamente filantrópicas e que podem, profundamente, ir afectar a vitalidade de um povo.
Peço licença, Sr. Presidente, para citar palavras de Gustavo Le Bon, que dizia: «Quando o Estado pretende proteger exageradamente os cidadãos, perdem estes o hábito de se proteger a êles próprios e perdem, por conseguinte, toda a iniciativa. E substituir a iniciativa e responsabilidade individuais pela responsabilidade colectiva é fazer descer o homem muito baixo na escala dos valores humanos».
Não é possível admitir-se tal sistema, e que o não é vê-se bem das várias reformas que já têm sido tentadas em diversos países.
Seja-me permitido, por exemplo, citar a «Lei dos Pobres», na Inglaterra, a qual, começando por um orçamento de 700:000 libras, dentro de pouco tempo passava para 1.912:000 libras, depois para 4.077:000 libras e finalmente para 7.860:000 libras, dando conclusões lamentáveis como esta: é que aldeias quási inteiras eram parcial ou totalmente assistidas. A paróquia de Sunderland, em 17:000 habitantes, contava 14:000 assistidos.
Isto é, como bem pode ver-se, o caminho para a inacção.
Não há plano algum que possa libertar o homem do seu dever de trabalhar, e todos os projectos que se possam organizar a pensar que podem torná-lo completamente feliz são absolutamente inúteis.
Há necessidade, portanto, de encarar a prática da vida como ela na realidade se nos apresenta. Assim, Sr. Presidente, optemos sempre pelas soluções práticas e reais. E, quanto a estas, o problema está posto com notável clarividência pelo Sr. Sub-Secretário de Estado das Corporações, no excelente intróito à publicação Dez Anos de Política Social.
Assim, diz S. Exa.:

«Antes de mais nada pôs-se, em nosso tempo, o problema do homem, da sua personalidade, dos seus direitos naturais de existência e de liberdade.
O comunismo, partindo da exaltação desmedida do colectivo, justificada por uma aparência superficial de equidade, tivera logicamente de concluir pelo desprezo e pela negação dos direitos individuais, erguendo, por um simples esforço de construção lógica, uma sociologia em que o homem não conta, em que tudo se sacrifica à mecânica inanimada das largas, das ambiciosas planificações.
O individualismo, por seu turno, acabara igualmente por ignorar esses mesmos direitos humanos, a tudo sobrepondo a primazia do ouro, promovido ao nível de padrão universal dos valores, até daqueles que são inseparáveis da ordem moral e da sua hierarquia.
Surge a solução corporativa naquela altura em que desponta a ânsia de um novo equilíbrio em que se conciliem o individual e o colectivo, em que se definam os limites da liberdade e os limites da autoridade, em que se reconheça ao homem aquela esfera de acção que lhe permita exprimir a sua personalidade e ao Estado os poderes de coordenação que reclama a garantia do interêsse comum».

É que, Sr. Presidente, em assistência social temos de ter também métodos próprios, «que não comportam as soluções genéricas e indeterminadas, de universal e geométrica aplicação, e que preferem as fórmulas parcelares, adequadas à natureza dos problemas a resolver».
E, assim, há que defender-nos da «tentação das grandes construções, daquelas simplistas soluções que se julgam aptas para tudo resolver, e preferindo-lhe, por princípio, o exame atento e cuidadoso dos casos concretos, a ponderação dos seus elementos e a realização progressiva e contínua duma ordem nova».
Sr. Presidente: não sei dizer melhor, nem tam bem. A proposta de lei em discussão merece, na generalidade, a aprovação da Assemblea.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: na hora que passa, o problema da assistência é fundamental, primordial, para o sossego, para a tranquilidade, para a ordem e a paz de todos os povos, para a ordem e a paz de todas as nações.
As nações que não consideram o problema da assistência como fundamental estão fora da realidade da vida.
Quando se fala em problema da assistência não temos apenas na mente o indigente que tem fome, o doente que tem dor, a menor que está em perigo moral.
Actualmente esto problema é mais lato. Êste problema tem uma projecção mais larga. No fundo, tem de se entender por esta expressão «problema da assistência» a melhoria das actuais condições morais e materiais do homem.
Apoiados.
Muito embora o Estado Novo tenha feito muito neste sector particular da vida nacional, há ainda muito a fazer, e assim a proposta do Governo é da maior oportunidade, sendo incontestável a sua importância.
Bem merece o Governo, e em especial o Sr. Ministro do Interior e o Sub-Secretário de Estado da Assistência Social, as homenagens desta Câmara.
Não é que eu entenda que as leis resolvem inteiramente os problemas, pois, em meu critério, as leis, por melhor que sejam, sem bons executores de nada valem.