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16 DE MARÇO DE 1944 231

a sua execução, para se obter os fins que ele tenha em vista?
Sr. Presidente: sôbre a proposta de lei em discussão pode assentar o plano mais grandioso e mais complexo que o espírito humano possa conceber.
De resto, Sr. Presidente, devo dizer que todos os aspectos da assistência social estão condensados na letra da proposta em discussão.
Não sou um erudito; não tenho essa pretensão. Não posso estudar profundamente o assunto, porque me falha já, em virtude da idade e cansaço, a paciência necessária para isso. (Não apoiados). Supro, porém, essa incapacidade de estudo com o fruto da minha já velha experiência.
E por isso, Sr. Presidente, não sou partidário de grandes planos, sou partidário dos planos possíveis, sou partidário dos planos realizáveis. Gizar grandezas é fácil, é uma questão de imaginação; para realizar cousas de certo realce são necessárias inteligência, perseverança, acção, técnica, emfim, são necessários muitos factores que não dependem simplesmente da fantasia, nem da fecundidade imaginativa do cérebro, por mais prodigioso que ele seja.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Planos de assistência, Sr. Presidente, têm de ser condicionados com a vida dos povos, com a vida dos indivíduos.
A Inglaterra pode realmente ter sustentado, e sustentou, uma quantidade extraordinária de desempregados, que recebiam subsídios avultados, e elevar o desemprego à categoria de emprego público; mas a Inglaterra é um país de recursos inesgotáveis.
Os Estados Unidos podem gastar quantias astronómicas na sua assistência.
Mas nós, Sr. Presidente, somos portugueses, temos uma terra ingrata, temos uma indústria quási incipiente, temos riqueza acanhada, e é com isto que temos de viver; temos de viver todos e temos de prestar auxílio uns aos outros.
Por isso, Sr. Presidente, admito um plano condicionado à grandeza, ao acanhamento das nossas possibilidades, e entendo que um bom plano só se pode realizar por escalões, a que me parece que não chegam os recursos de que dispõe o País; e quando me refiro ao País não me refiro apenas às finanças públicas, refiro-me também às possibilidades particulares.
Noto, Sr. Presidente, que na proposta se assenta logo na sua base III num princípio para mim inteiramente salutar: a assistência, sobretudo a assistência local, é de ordem privada.
O Estado reserva-se duas funções essenciais: aquela que por definição lhe incumbe, que é de orientar e coordenar todas as actividades, e a função supletiva de ajudar os recursos de que dispõem as obras que porventura não tenham possibilidade de exercer a sua acção.
Isto é salutar e é tradicional. É a forma tradicional de fazer bem na nossa terra.
Claro, Sr. Presidente, que em Portugal de sempre se exerceu a assistência. Não lhe chamemos assistência social, mas chamemos-lhe, mais comodamente e com mais verdade, caridade cristã.
E êsse exercício da caridade cristã foi sempre melhor no campo do que na cidade.
O homem sente-se verdadeiramente isolado e só no meio de uma grande multidão. As multidões ignoram o indivíduo; mas na aldeia todos se conhecem e sabe-se tudo quanto se come e até o que se devia comer. Há sempre quem mande buscar à horta, à terra, uns parcos alimentos com que matar a fome de uma pessoa.
O diploma não tinha o direito de pôr de parte os sentimentos que informaram o exercício desta actividade bemfazeja, e o Estado não pode deixar de ter a obrigação de coordenar e orientar essas formas de assistência e de lhes prestar o auxílio de que precisem para o desempenho da sua função.
Claro que o Estado não pode deixar de reservar para si a função assistencial que interessa a todo o País. E então a função sanitária é exercida por diversas maneiras.
Mas quando o Estado entrega em grande parte a assistência à iniciativa particular não esquece - nem pode esquecer - que nesta está compreendida a dos próprios organismos corporativos, que têm de prestar aos seus associados o auxílio correspondente à sua acção, mas sempre em coordenação com os outros organismos.
Isso só pode redundar em benefício das duas iniciativas. Não há antinomia, não há antagonismo. Não lutam: completam-se.
O Estado não negará o seu auxílio pecuniário quando dele careçam.
Há, Sr. Presidente, na proposta algumas innovações interessantes; uma, por exemplo, que quero destacar: é o «domicilio de socorro».
Impondo, como já todos os Códigos Administrativos impunham, às câmaras municipais a obrigação de estipendiar o tratamento de seus doentes pobres, a proposta fixa o domicílio chamado de «socorro»; isto é, determina por esta forma o município que tem de suportar os encargos da assistência em relação àqueles que nele têm o seu domicílio.
Eu sei, Sr. Presidente, que as câmaras municipais são oneradas com os mais extraordinários encargos; as câmaras municipais pagam para tudo, ou para quási tudo, mesmo para serviços que são estritamente do Estado.
Mas as câmaras só eram obrigadas a pagar a assistência aos Hospitais Civis de Lisboa, Porto e Coimbra, não usando os outros hospitais desta regalia.
Parece-me que o espírito da proposta é fixar que todas as câmaras municipais contribuam para o tratamento de doentes da sua área administrativa, não só dos seus naturais, como também quanto a assistência do chamado «domicílio de socorro».
Esta obrigação é muito onerosa. As câmaras municipais costumam pagar as despesas de hospitalização dos doentes munidos de guias. O diploma estabelece que para os casos de urgência não é preciso qualquer documento, o que é absoluta e rigorosamente moral, pois não se compreendia que num caso urgente se fechasse a porta do hospital e do posto de socorros; isso seria absolutamente deshumano.
Todas as câmaras municipais contribuem, mais ou menos, para a assistência, mas quando os seus subsídios e os donativos particulares não bastem. Estabeleceu-se no diploma um princípio que considero moralizador: é o princípio das derramas.
A derrama é permitida pelo Código Administrativo, e ainda há poucos anos foi determinada para alguns municípios do Ribatejo fazerem face à gravíssima crise de trabalho.
A derrama é um tributo ocasional. Não se lança todos os anos, lança-se quando é preciso.
Para justificar a sua aplicação temos, por exemplo, o caso de os particulares não darem o suficiente para a assistência.
E para ser inteiramente justa devem dela ser excluídos aqueles que voluntariamente consagram às obras de beneficência muito mais do que lhes caberia pagar pela derrama.
Apoiados.