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16 DE MARÇO DE 1944 233

Para terminar direi apenas: como Deputado aprovo a proposta de lei; como português louvo-a e aplaudo-a, como expressão daquele sentimentalismo, daquela bondade e daquela generosidade que, por em quanto e graças a Deus, ainda não se apagaram na alma dos portugueses.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: ainda hoje ouvi a seguinte observação a propósito da proposta de lei sôbre assistência social, que está na ordem do dia:
«Quando o mundo se preocupa com o magno problema da previdência social, e vão surgindo uns após outros, e cada vez mais aperfeiçoados, grandiosos planos arquitectados por inteligências brilhantes, baseados em longa e metódica experiência e em cálculos elaborados por técnicos eminentes, na mira de expurgar da sociedade terríveis quadros de miséria que a ensombram e lhe alteram o equilíbrio indispensável à boa harmonia e à necessária prosperidade, ainda haverá lugar para esperar da caridade e doutras virtudes e merecimentos que concorrem para resolver o problema da assistência social como factores predominantes, função de envergadura apreciável que justifique a importância que a êste problema é dado na proposta de lei, no parecer da Câmara Corporativa e nos debates ontem iniciados nesta Assemblea Nacional com tanta elevação, e nos quais eu, embora modestamente, vou agora ter a honra de comparticipar?».
Sr. Presidente: no meu espirito não se abriga a mais ligeira dúvida sôbre tam delicada e momentosa interrogação. E certo estou de que a grande maioria, senão a totalidade, dos portugueses, que na sua gloriosa tradição encontra a caridade a florescer sem intervalos nas confrarias, na instituição admirável das Misericórdias, nos conventos e passais e à volta de palácios solarengos, como de modestos casais, responderia convictamente que em Portugal toda a fórmula em que a caridade não entrasse como factor dominante estaria errada!
Apoiados.
Se alguns aspectos da solidariedade, que sempre vicejara exuberantemente entre nós, parece darem mostras de declínio, isso deve-se, em parte, a dificuldades de ordem económica, que desde algumas décadas vêm desequilibrando o património da maioria das famílias, mas nunca poderá tal circunstância interpretar-se como manifestação de indiferença perante o dever sagrado que sôbre todos impende de concorrer para o bem comum.
Mas, Sr. Presidente, entendo que é na falta de confiança que devemos procurar a razão principal do mais que deplorável amortecimento no exercício de virtudes que tanto enalteceram os nossos maiores.
Falta de confiança que é consequência da má política que deminuiu, senão suprimiu, a acção de instituições que velavam pelos desvalidos; da má política que arruinou o património das casas de beneficência com as leis de desamortização e desvalorização da moeda; má política que, ao verificar as terríveis consequências daquela condenável orientação e se decidira a enveredar para a concessão de subsídios atenuadores dos males assim provocados, fê-lo a modo, com importâncias manifestamente insuficientes e, sobretudo, com tal iniquidade, concentrando benesses em determinadas cidades, com inconcebível prejuízo de outras cujo enorme património assistencial, acumulado por muitas gerações do beneméritos, havia sido incomportàvelmente desfalcado o reduzido a proporções manifestamente insuficientes para o somatório dos males a combater; má política que não trepidou perante o desrespeito da vontade sagrada de instituidores e beneméritos, deixando de cumprir suas disposições testamentárias; má política que, em matéria tam delicada como a da assistência, fez medrar o princípio nefasto do Estado Providência, convencendo a colectividade de que também nesse delicado capítulo as iniciativas e esforços privados podiam ser supridos pela acção do Estado.
Apoiados.
Mas se tantos erros contribuíram, desde há muitos anos, para o fenecimento de virtudes que sempre acompanharam a gente portuguesa nos oito séculos da sua história gloriosa, temos a consoladora certeza de que hão-de acabar por ser totalmente afastados e que aquelas virtudes ainda se encontram intactas na alma dos portugueses e não deixarão de reverdecer e frutificar quando o ambiente voltar a ser-lhes favorável.
O que importa é encontrar fórmulas que, longe de as contrariar, tenham o condão de as estimular como merecem.
Apoiados.
Sr. Presidente: já na vigência do Estado Novo se registam factos que demonstram eloquentemente o muito que poderemos esperar da solidariedade dos portugueses.
Entre outros citarei, porque lhe quero muito, a política dos melhoramentos rurais, que não teria sido possível se a fórmula de comparticipação do Estado com os povos não fosse acordar-lhes a tradicional solidariedade, que logo se desentranhou na oferta de terrenos, materiais, carretos e mão de obra gratuita para trabalhos indispensáveis à higiene das aldeias, melhorias nas comunicações e transportes e outros factores de que tam carecidos estavam.
E, afinal, o meu projecto sôbre o «Casal da Escola», que não mereceu parecer favorável à ilustre Câmara Corporativa, outra cousa não é que outra fórmula para estímulo daquelas virtudes, a fim de que as crianças recebam os benefícios das cantinas escolares e, ao trabalharem ao lado de suas famílias na terra que as alimenta, fortaleçam o amor pela lavoura e suas aldeias natais.
A falta de melhor fórmula, entendo que a minha é, pelo menos, digna de ser experimentada.
Apoiados.
O ilustre autor desta proposta de lei, quando, na base III, escreveu que «a função do Estado e das autarquias na prestação da assistência é, normalmente, supletiva das iniciativas particulares, que àquele incumbe orientar, tutelar e favorecer», e, logo a seguir, que, «na falta ou insuficiência das iniciativas particulares, devem o Estado e as autarquias suscitar ou, ainda, promover e sustentar as obras de assistência...», demonstrou confiar em que há-de encontrar, o disso estou certo, fórmulas capazes de reacender na alma dos portugueses sentimentos altruístas que muitos julgam definitivamente apagados.
Essa previdência, a que o Govêrno tem consagrado particular atenção (campo vastíssimo, susceptível de grandes aperfeiçoamentos e muito maior rendimento), não deixará de encontrar valioso contributo pára a assistência, demonstrando assim que aqueles dois grandes factores de socorro à desventura, longe de se excluírem, completam-se.
Sr. Presidente: dois notáveis estudos, a proposta de lei e o parecer da Câmara Corporativa, desenvolvem com grande inteligência e notória erudição o vastíssimo e delicado problema da assistência social.
Constituiu para mim verdadeiro regalo a sua leitura, que me trouxe preciosas lições não só acerca do tema principal, mas sôbre variados assuntos conexos, em que se lêem observações muito oportunas e verdades como punhos que bem mereciam largos comentários.
Mas registei vislumbres de pessimismo acerca da possibilidade de os particulares poderem corresponder à