O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

232 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 61

Há muitas casas que se ilustram de grandes nomes históricos pela beneficência que fazem aos pobres. Eu conheço algumas dessas casas porque administro um estabelecimento de assistência e sei quem são as pessoas que lhe fazem bem e voluntária, espontânea e metodicamente a auxiliam. Tais pessoas não devem ser atingidas pela derrama. Há ricos que vivem dentro de um egoísmo tam feroz como dentro de uma casa forte, que ignoram de tal modo a bondade e a generosidade que chegam a parecer nocivos à vida social; para esses quanto mais forte fôr a tributação, melhor; quanto mais se lhes tirar, melhor.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não são os pobres que se hão-de sustentar uns aos outros; são os ricos, aqueles que têm muito, que devem dar aos necessitados. De outra maneira, Sr. Presidente, a vida não seria possível, a sociedade não seria uma grande reunião de homens, mas uma alcateia de feras.
Apoiados.
Por isso defendo o princípio salutar da derrama, como defendo o princípio da tributação pelo Estado com o fim de criar receitas indispensáveis para uma boa obra de assistência.
Promete a proposta que irá tributar o luxo. Até que emfim aparece a tributação do luxo às claras, como deve ser.
O luxo nós todos mais ou menos sabemos o que é. Mas o luxo levado além de uns certos limites, levado para além do conforto, é uma fonte de revolta. E quem tem 20 ou 30 contos para comprar um casaco de peles também pode contribuir com 1 ou 2 contos para uma maternidade e quem pode dispor de 100 ou 200 contos para comprar uma jóia também poderá contribuir com 10 ou 12 contos para socorrer aqueles que não têm pão.
Apoiados.
Não sou nem nunca fui um revolucionário. Nunca fui também um filantropo, mas na minha vida ponho o coração acima do cérebro e os sentimentos acima da razão. É por isso que não tenho tanto como poderia ter, nem sou aquilo que poderia ser; mas não me arrependo, porque entendo que temos deveres morais a cumprir com os outros e que aqueles que têm mais do que as suas necessidades exigem devem também gastar inteligentemente alguma cousa em obras de assistência.
Por isso louvo a proposta quando fala em tributar o luxo, que em toda a parte - menos em Portugal - sofre uma tributação. E é assim que em todos os países não se entra num estabelecimento caro, num bar ou num restaurante de luxo sem que se cobre uma taxa destinada a socorrer os pobres.
Falta aqui, ao lado do luxo, tributar por exemplo as bebidas espirituosas, os bars e também as confeitarias, porque chega a ser escandaloso, chega a ser revoltante, a quantidade de escaparates - perdoem-me V. Ex.ª o espanholismo - cheios de jóias, cheios de doces, cheios de cousas caras, que os pobres com certeza vêem, uns com inveja e outros com revolta.
O que pensará uma pobre mãi que traz ao colo um filho com fome quando pára em frente da vitrine de uma pastelaria e vê tantos doces em exposição? O que pensará uma pobre rapariga que trabalha num atelier e pára em frente da vitrine de uma ourivesaria cheia de tantas cousas que embriagam e entontecem?
É preciso, pois, tributar o luxo, e aqui convém não esquecer os bars e as bebidas espirituosas. E não são só os homens que bebem cocktails; parece que as senhoras também já entram nesse caminho, conjuntamente com o seu cigarro...
Não esquece a proposta o papel culminante que as velhas Misericórdias têm tido em Portugal há mais de quatro séculos, e a elas se atribue uma função superior de coordenação nos concelhos.
A Misericórdia é por êste diploma, como era na nossa tradição, o primeiro estabelecimento no seu concelho. Eu sei que houve Misericórdias que sofreram as inclemências das lutas políticas e que por via delas chegaram quási à extrema pobreza.
Assaltar a Misericórdia para explorar a caridade com fins eleitorais era uma cousa tam banal como pedir um voto à boca da urna. Daqui resultou que uma grande parte das Misericórdias se desacreditaram, mas houve outras que mantiveram sempre o prestígio que ainda hoje têm. E vejam V. Ex.ªs mesmo agora, nestes tempos de desengano e de cepticismo, o prestígio que têm as Misericórdias pode avaliar-se por êsse movimento impressionante que se tem desenhado no Norte com os chamados cortejos de oferendas. São cortejos onde tanta gente procura as Misericórdias levando-lhes os seus óbulos, fazendo acreditar assim que ainda não estão obliterados no coração humano aqueles bons sentimentos de fraternidade cristã que são a base essencial da vida humana.
Os cortejos de oferendas a que me referi com louvor, e que tenho o prazer de evocar nesta tribuna como satisfação aos seus iniciadores, como exemplo a todo o País, vão sendo copiados, e há apenas que transformados de acto esporádico num acto regular, periódico. É isto que tenho em mente; habituar as populações nos períodos das colheitas a fazerem por si a contribuição de géneros e a levá-los festivamente aos seus estabelecimentos de assistência.
Sr. Presidente: ainda a proposta se ocupa finalmente da organização dos serviços e define a tutela dos serviços de assistência. É a base XXXIII.
Ainda nesta parte eu tenho só que louvar a proposta. Saímos daquela tutela centralizadora, da muita papelada, de muitos ofícios, de muita importância burocrática, em que, para se fazer qualquer cousa, era necessário pedir uma autorização, e para se conseguir a autorização era preciso vir ao chefe da repartição, que se estava, bem disposto nos recebia, mas que se estava mal disposto nos comunicava que não podia receber.
Muitas vezes vinha de bastante longe o provedor de uma Misericórdia, um director de um estabelecimento de assistência da província, e não encontrava quem o podia e devia orientar, quem lhe desse assistência moral e técnica.
Eu sei que êste aspecto da burocracia vai desaparecendo, mas desejaria que ele desaparecesse totalmente da nossa vida pública, dando lugar ao verdadeiro burocrata compenetrado da sua função, que dispense a sua solicitude, o seu cuidado e os seus conhecimentos a quem deles precise.
Ora a tutela que o diploma em discussão promete aos estabelecimentos de assistência é aquela que eu entendo que deve ser prestada. É no sentido de orientar as instituições particulares quanto à melhor forma de praticarem a assistência; é no sentido de cooperar com elas; é no sentido de defender os uns das mesmas e os seus legítimos interesses; é, emfim, uma tutela activa, inteligente, competente e colaboradora da acção assistencial dos estabelecimentos.
Esta é a tutela que admito; não é uma tutela centralizadora, não é uma tutela despótica: é uma tutela auxiliar, é uma tutela de colaboração.
Sr. Presidente: muito mais havia a dizer sôbre esta proposta de lei; não o sei dizer e, se o soubesse, devo declarar que não o diria, para não fatigar V. Ex.ª e a Assemblea, que com tam benevolente atenção me têm escutado.
Não apoiados.