16 DE MARÇO DE 1944 235
soluções desta proposta. Tem ela como objectivo o homem, o homem sob o ponto de vista da saúde e o homem sob o ponto de vista moral.
Bem se pode dizer que a proposta encara e pretende dar satisfação àquele conceito da antiguidade clássica de que é preciso que o homem do nosso tempo seja um homem de mens sana in corpore sano.
O homem é na realidade um valor económico e, ainda, considerados sob êste aspecto, os objectivos que a proposta pretende resolver são da maior oportunidade e preponderância.
Dirigem-se as providências à população portuguesa, que tem as suas características especiais. A população portuguesa está habituada a uma vida de modéstia e aglutinada em volta do lar. A base da nossa vida social é estruturalmente a família e não há grandes distâncias entre as diversas classes da população portuguesa; não há os grandes potentados económicos e financeiros que ostentem uma vida larga ao lado daqueles que tenham uma vida imprópria da dignidade humana.
Há uma certa homogeneidade humana na vida da nossa população.
Através de todos os tempos, já aqui foi dito, se tem realizado em Portugal uma obra de assistência.
E quais têm sido os princípios informadores dessa assistência que em Portugal se tem realizado?
É indiscutível que na base de toda essa obra assistencial tem estado o conceito cristão da caridade.
Apoiados.
A caridade exalta quem a pratica e não deminue nem vexa quem é objecto dela. A caridade é um princípio de formação do mais alto valor social e moral.
A caridade tem informado, disse e repito, sempre, a nossa obra de assistência.
Por isso a proposta, na base III, assentou um dos princípios fundamentais de toda a estrutura dela: que a obra de assistência há-de ser realizada principalmente através da iniciativa particular, e esta inspirada pelo sentimento da caridade cristã.
Mas não ficou por aqui a proposta, que, com a noção exacta das realidades e das necessidades do momento em que vivemos, logo afirmou que aonde não chegue a assistência e a caridade particular irá o Estado suprir integralmente essas deficiências para que se realize a obra necessária que a população portuguesa requero e o interesse nacional exige.
A proposta pôs no primeiro plano, e bem, a meu ver, o princípio da caridade cristã. E o principio da caridade é de conteúdo ideológico mais rico e mais saudável do que o próprio conceito do dever social.
Através dos séculos o povo português tem entendido e praticado assim a obra do assistência, e até aquilo que êle de mais grandioso realizou à superfície da terra - a sua obra de colonização - se inspirou e foi ditado por êste principio. Toda a obra de colonização portuguesa, no seu aspecto moral, procurou elevar até ao nosso nível as populações indígenas, em vez de as considerar como seres inferiores, de as extinguir e de as tratar como cousa desprezível.
Não parece, portanto, vantajoso substituir êste conceito da caridade cristã, como principio informador da nossa assistência social, por um outro conceito que transforme o homem num monstro de orgulho e de soberba, em que êste considere que tem o direito a tudo exigir sem se considerar adstrito a nenhum concomitante dever.
Por isso aceito perfeitamente o princípio posto na base III da proposta de lei, por me parecer que êle está de harmonia com a nossa tradição histórica, mantém uma das dominantes da nossa vida social e só ajusta perfeitamente ao carácter, à índole e à formação secular do povo português.
Quero agora encarar um aspecto especial destes problemas da assistência e da saúde pública: quero considerar a posição das populações rurais na economia da proposta.
Sob o ponto de vista da saúde pública é indiscutível que as populações rurais constituem o grande manancial de onde surgem para a vida portuguesa os mais ricos elementos para o progresso, para o desenvolvimento da nossa riqueza e até para a elevação do nosso nível moral. Nas populações rurais existe uma reserva de energias, e detêm elas, pode bem dizer-se, o que há de fundamental nas qualidades do povo português.
As populações rurais são, portanto, um elemento de primacial importância a considerar pelas leis.
Sob o ponto de vista da saúde pública, indiscutivelmente que as populações rurais se encontram hoje num nivel de inferioridade em relação às populações dos grandes aglomerados urbanos, ou até mesmo dos médios aglomerados urbanos.
Há deficiência de assistência médica. Há deficiência de enfermagem. Há deficiência de assistência farmacêutica.
É sabido que a maior parte das nossas aldeias não têm médicos, nem farmácias, nem visitadores, nem enfermagem de qualquer espécie.
E no entanto o estado de saúde dessas populações bem se pode dizer que corre hoje os mesmos perigos que o das populações dos grandes aglomerados humanos.
Por virtude das facilidades de comunicações e de transportes, estabelece-se um vaivém entre os meios rurais e os meios citadinos; e as doenças que outrora constituíam, por assim dizer, um mal privativo das grandes cidades encontram-se hoje em todas as aldeias. E no entanto as populações rurais não têm os meios de defesa que têm as populações das cidades.
Há uma cousa que é basilar e fundamental para se atingirem os objectivos que se pretendem realizar: é facultar às populações rurais os meios do defesa indispensáveis para a sua saúde. E o mínimo que se pode exigir é: a assistência médica, farmacêutica e serviços de enfermagem.
Como encara a proposta a realização deste problema?
Apenas em duas bases se faz referência, mais ou menos expressa, a êste aspecto da questão. É a base XV e a base XVI.
Diz a base XV:
«1. A área sanitária das modalidades previstas na base anterior obedecerá, em regra, às normas seguintes:
a) Os postos de consulta e socorros serão acomodados às necessidades das freguesias ou lugares;
b) Os centros de profilaxia e assistência social às dos concelhos;
c) Os hospitais gerais, as casas de regeneração, os hospícios, asilos e albergues serão distritais ou provinciais;
d) Nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, além dos institutos superiores ou suas delegações, haverá hospitais centrais e os especializados que as necessidades reclamarem.
2. As Misericórdias serão quanto possível o órgão coordenador e supletivo das finalidades previstas nas bases XII e XIV e nesse sentido deverá encaminhar-se a reforma dos seus compromissos e respectivas actividades assistenciais.
3. Para as necessidades imediatas de alimentação, agasalho, tratamento e transporte devem organizar-se em Lisboa e Porto, e noutros centros urbanos onde a sua existência se justifique, modalidades especiais denominadas Socorro Urgente. Para êsse efeito serão remodelados os albergues instituídos pelo decreto-lei n.° 30:389, de 20 de Abril de 1940, e coordenada a sua acção com as demais actividades assistenciais».