250 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 62
atinja ou se desencoraje a resistência moral da população.
Isto está na corrente da melhor tradição e também na doutrina social da Igreja.
A propósito da acção da autoridade civil, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, a leitura destas palavras da Encíclica «Quadragésimo Anno»: «Deve sim deixar-se tanto aos particulares como às famílias a justa liberdade de acção, mas contanto que se salve o bem comum e não se faça injúria a ninguém. Aos governantes compete defender a nação e os membros que a constituam, tendo sempre cuidado especial dos fracos e desherdados da fortuna, ao proteger os direitos dos particulares». O cuidado do bem comum é ao mesmo tempo a razão de ser e a medida da intervenção do Estado, diz Rutten na sua obra La doctrine sociale de l'Eglise.
Sr. Presidente: por mim entendo, à luz de razões de ordem moral, económica, social e política, que ao Estado pertence, na verdade, o dever de prestar assistência, mormente quando está em jogo, e em risco, o bem comum. De ordem moral, porque ao Estado cabe a vigilante protecção dos fracos, dos pobres, dos enfermos e dos encarcerados, que nenhuns a merecem tanto e tam pronta; de ordem económica, porque ao Estado interessa recuperar a riqueza socialmente desperdiçada ou deminuída, e nenhuma há mais valiosa do que a energia humana; de ordem social e política, porque é um dever do Estado manter a paz, a segurança e a tranquilidade dos indivíduos, da família, da corporação e da comunidade, que outros bens, na terra, mais preciosos não existem.
A proposta do Govêrno e o parecer da Câmara Corporativa marcam duas tendências, mas só essencialmente contrárias no tempo.
É ponto assente que um regime perfeito de previdência integral há-de necessariamente reduzir o âmbito da assistência quanto a certos problemas transitoriamente a seu cargo; que alguns outros destes problemas hão-de também, necessariamente, ter adequada solução com o progresso e melhoria da nossa vida individual e colectiva, e nos seus quadros normais; e que, à medida que estes acontecimentos se forem produzindo, menos activa, por menos útil, se pode tornar a intervenção do Estado no campo da assistência social, então aberto, de par em par, à iniciativa particular.
Mas, Sr. Presidente, só o tempo fará, assim, vencer as distâncias que separam as tendências manifestadas na proposta de lei e no parecer da Câmara Corporativa, quanto à função do Estado e da iniciativa particular em matéria de assistência social.
E o tempo, infelizmente, não se deixará vencer apenas pelas nossas discussões.
E aqui tem razão a Câmara Corporativa quando, impressionada com o inventário das nossas variadas e imperiosas necessidades, chama para a iniciativa do Estado a solução urgente de um grande número de problemas, postos em foco por essas mesmas necessidades, sem que enjeite ou desperdice a colaboração da assistência particular. Mas uma vez adoptadas as soluções para esses problemas, vitais para o futuro da Nação, e aparelhados ou postos em marcha os meios indispensáveis para os resolver, aqui, terá razão o Govêrno, quando entende que à iniciativa particular deve caber a prestação da assistência, reservando-se normalmente ao Estado a função de a suprir, nas suas faltas ou insuficiências, além da tarefa permanente de orientação, coordenação e fiscalização superiores.
Não estão, frente a frente, duas concepções opostas; não podem ser substancialmente opostas duas concepções que têm como origem comum a própria Constituição. Por isso mesmo não há lugar nesta Assemblea Nacional, Sr. Presidente, para falar em concepção individualista ou estatista, a respeito da proposta do Govêrno e do parecer da Câmara Corporativa, tam certo é que, quer uma, quer outra, merecem inteira reprovação de todos, por contrárias à própria estrutura política da Nação.
A diferença está em que o Govêrno confere desde já à iniciativa privada no campo de assistência social um papel predominante, reservando-se para o Estado a função de gerir os serviços de sanidade geral e outros cuja complexidade ou superior interêsse público aconselhem a manter em regime oficial; ao passo que a Câmara Corporativa entende que é ao Estado que pertence a iniciativa em matéria de assistência social em tudo o que importe ao interêsse da Nação, sendo de admitir a estreita colaboração com a assistência particular, a quem podem ser confiadas a administração e direcção dos estabelecimentos fundados pelo próprio Estado. Neste sentido o parecer da Câmara Corporativa consagra a orientação do Govêrno definida no decreto-lei n.° 31:666, de 22 de Novembro de 1941, que autoriza a converter as instituições ou estabelecimentos de assistência oficiais ou oficializados em particulares.
E como importa ao interêsse da Nação a solução urgente dos grandes problemas que se encontram delineados no parecer da Câmara Corporativa, daí o pendor desta para confiar ao Estado uma acção que só ele pode ordenadamente empreender, pela soma de recursos, de toda a ordem, que é preciso mobilizar, e prontamente.
Mas, Sr. Presidente, não serão também esses os problemas cuja solução, dada a sua complexidade e superior interêsse público, a própria proposta de lei reserva igualmente para a iniciativa do Estado, embora a título excepcional?
Não creio que esteja no espírito da proposta de lei confiar, com tam exagerado optimismo, à iniciativa particular a solução de problemas vitais para a Nação, a ponto de exigir ou esperar dela uma actividade superior às suas forças e recursos.
Não creio que se não reconheça a necessidade imediata de enfrentar, metodicamente, os graves e complexos problemas no campo da assistência social ou que se procure aguardar que a iniciativa particular nada faça ou se mostre insuficiente, para só então o Estado se decidir a intervir.
Sr. Presidente: felizmente não está na tradição da política do Govêrno desconhecer as realidades ou descurar a solução dos problemas de interêsse nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O professor Berthelemy afirma ser, ao mesmo tempo, uma imprudência e uma injustiça contar exclusivamente com a iniciativa privada no combate aos males sociais: imprudência, porque não é com voluntários que se ganham as grandes batalhas; injustiça, porque é exonerar dos tributos a que obriga a assistência necessária a multidão daqueles que se não dispõem a pagar voluntariamente, nem com actividade, nem com dinheiro.
E noutro passo acrescenta:
«Uma nação é como um exército em campanha. O exército não pode, sem se deminuir, abandonar os seus trainards e deixar morrer os seus feridos. Devemos instituir em benefício dos feridos na luta pela vida o direito ao socorro, não como um direito subjectivo, que é tese indefensável, mas como um direito objectivo, que uma legislação previdente venha a assegurar, precisando a medida e regulando o seu exercício. A assistência assim compreendida já não é apenas uma boa obra colectiva. É uma instituição pública necessária».
Quanto a nós, Sr. Presidente, entendemos que o Estado deveria, no campo da assistência social, apetre-