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17 DE MARÇO DE 1944 253

Não há dúvida de que V. Ex.ª não pretendeu desempenhar o papel de Cardeal Diabo, que aparece sempre quando se trata da canonização dos santos. Quis apenas apresentar aos olhos da Assemblea um ponto de vista que sente e defendeu com calor e entusiasmo, o que me deu lugar a fazer estas considerações, em obediência também à minha consciência de cristão e de português.
Sr. Presidente: louvores dirijo também, desta tribuna, aos ilustres signatários do parecer da Câmara Corporativa, personalidades em evidência no nosso meio intelectual, professores consagrados, representantes dos interêsses morais e espirituais da Nação, sacerdotes ilustres, e, ligando e ordenando todo êste trabalho num proficiente parecer, ao Sr. Dr. Marcelo Caetano, que é não só um professor distintíssimo, como também - e isso talvez mais notável ainda - um homem que possue um dinamismo de jovem, de moço, pela sua actuação permanente e constante na formação da juventude de hoje, os homens de amanhã, à frente de um excelente organismo que é a Mocidade Portuguesa, com uma clara visão das responsabilidades sociais que lhes cabem no futuro, educando-os moral e fisicamente, vivendo com êles e sendo, portanto, um obreiro do futuro da Nação, que merece a todos nós a maior consideração e simpatia.
Sr. Presidente: tem-se feito imenso no que respeita a legislação social. O século XIX foi, em abono da verdade se deve dizer, profuso nessa matéria.
Creio que coube à Suíça, em 1871, a idea de organizar o primeiro congresso para a uniformização internacional dessa legislação.
Essa iniciativa fracassou, e, passados anos, em 1889, a Suíça renovou-a, mas foi prejudicada a iniciativa pela interferência da Alemanha, quando o último Kaiser, o Imperador Guilherme II, ao iniciar o seu reinado, anunciou que se apoiaria nos trabalhadores e não na nobreza e na burguesia, como os seus antecessores, o que concitou a seu favor três milhões de votos dos sociais-democratas.
Surge mais tarde, em 1890, o Congresso de Berlim, em que se emitem vários votos de protecção ao trabalho - dos menores, dos adultos e das mulheres.
E em 1900 realiza-se o Congresso de Paris, donde saiu a Associação Internacional para a protecção legal dos trabalhadores, de que resultaram várias convenções internacionais, e prossegue a obra de protecção ao trabalho na legislação de vários países, como no nosso aconteceu também.
Nos nossos dias, porém, vimos encontrar em Portugal, criada pelo Estado Novo, uma organização do trabalho, eficiente e harmónica com o sistema corporativo por êle instituído.
E, tanto no que se refere à habitação como no que diz respeito à vida do trabalhador, ao desemprêgo, à velhice e doença, se tem realizado uma obra notável.
Quem ler o belo trabalho do digno Sub-Secretário das Corporações, Dr. Trigo de Negreiros, sôbre os dez anos de labor desta acção social corporativa fica, na verdade, encantado com o que se fez.
Não sei se está presente o Sr. comandante Sá Linhares, que há pouco ouvi com muita atenção. Queria daqui - visto que S. Exa., pelas funções que exerce, deve ser o presidente da Casa dos Pescadores de Setúbal - apresentar-lhe os meus respeitos pela cooperação que nessa qualidade deve ter dado a êsses organismos, tam prestantes e tam úteis.
É grande já a obra da Casa dos Pescadores em matéria de assistêneia social: essas de habitação boas, assoalhadas, higiénicas, com tudo que é necessário à vida do pescador, satisfazendo assim as condições a que devem obedecer as construções para essa classe.
A assistência como no diploma em estudo vem ordenada - assistência à grávida, à criança, nas doenças várias que aí se indicam - é realmente uma obra a realizar nalgumas décadas.
Mas, Sr. Presidente, isso não basta. Por exemplo a assistência aos tuberculosos.
A minha observação diz-me que os dispensários anti-tuberculosos, cuja obra é de louvar e eu aqui, igualmente como, e muito bem, já foi lembrado, rendo a minha homenagem à excelsa rainha que fundou a Assistência Nacional aos Tuberculosos, não produzirão obra útil emquanto no lar do assistido não houver pão e higiene - boa alimentação o boa habitação.
Podem os dispensários apetrechar-se para o combate com medicamentos, com toda a aparelhagem para a assistência necessária aos pre-tuberculosos e aos tuberculosos. Isto nada valerá, ou para pouco valerá, se na casa do assistido houver fome, frio e falta de higiene.
Sabemos, Sr. Presidente, já aqui se disse e é verdade, que o homem é a principal unidade económica, é o maior valor na economia social, e para êle se deve olhar portanto com especial carinho. Sem as indispensáveis condições de vida não pode produzir rendimento.
As privações que êle sofre têm de ser remediadas de qualquer maneira; daí a assistência. Mas há um mínimo, o mínimo fisiológico que se não satisfaz, provoca a perda irremediável - a morte.
Repito, Sr. Presidente: o problema só terá realmente uma realização completa quando fizermos a assistência a todos êsses que na verdade necessitam de tal auxílio, dêsse socorro no lar, na habitação e na alimentação.
E como, Sr. Presidente? Aumentando-lhes o poder de compra, dando-lhes possibilidades de enfrentarem, dentro da modéstia das suas necessidades, os problemas da vida mais urgentes, os problemas da família.
Sem dúvida que de outra maneira nada se conseguirá.
E então como é que êstes lares podem ter uma prole capaz de se transformar em agentes de trabalho e de valor no futuro?
A Constituição diz-nos, na verdade, cousas muito agradáveis e simpáticas quanto ao problema da família. No que diz respeito a bairros económicos, por exemplo, muito se tem feito realmente.
Mas o salário familiar? Mas o casal de família? A limitação dos impostos em harmonia com os respectivos encargos?
Lá se encontra tudo na Constituição... Porém nada disto se fez ainda.
E há, Sr. Presidente, uma outra classe esquecida e para a qual o Estado deve olhar: a classe média. Essa classe, em que há, por vezes, uma verdadeira luta torturante para equilibrar a sua posição social, o dever, quando funcionário, de se apresentar na respectiva repartição capazmente e, ao mesmo tempo, de assegurar à família a subsistência com os limitados recursos de que dispõe.
Para essa classe começa agora a olhar-se com a proposta das casas económicas.
Sr. Presidente: no decorrer desta discussão foi apresentada já a idea de obrigar o celibatário a concorrer para a assistência. Não perfilho a idea sem restrições. O celibatário que não queira voluntariamente cumprir o dever de constituir família, podendo-o fazer economicamente, deve contribuir com êsse imposto.
Mas àqueles que não têm um modesto rendimento sequer para garantir a sua subsistência, pagando renda de casa e muitas vezes a subsistência de pessoas da família, porque nem sempre os celibatários se podem considerar sós, pois têm a seu cargo, por vezes, irmãs a sustentar, pais velhos, incapazes de trabalhar, etc., a êsses seria duríssimo impor tal sacrifício.
Não, Sr. Presidente, de certos rendimentos para cima concordo, de certos rendimentos para baixo discordo.