248 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 62
engenharia, têm feito uma obra-a todos os títulos notável.
E não deixa de ser também oportuno referir que somente as Casas do Povo e dos Pescadores existentes despenderam no ano findo em assistência médica e medicamentosa e em subsídios de doença e invalidez uma verba superior a 12:000 contos.
Confia-se, assim, preferentemente, das iniciativas particulares a actividade assistêncial, já que seria um erro ignorar aquelas iniciativas, que, através da nossa história, sempre se têm mostrado tam generosas e compreensivas.
«A obrigação de prestar assistência, já se tinha dito no relatório do decreto-lei n.° 32:255, de Setembro de 1942, é ao mesmo tempo dever cívico ou de justiça social e preceito religioso de caridade, sendo da justa harmonia e cumprimento dos dois deveres que pode resultar a melhor assistência social».
Conta-se com o espírito caritativo da nossa gente, mas não com o espírito caritativo de acaso, mal esclarecido, e sim com aquele que resulta do conselho de Sua Eminência o Cardeal Patriarca de se ensinarem as boas almas a fazerem «bem o bem».
Êsse espírito caritativo teve no passado a sua mais eloquente expressão nas nossas Misericórdias, instituições que a proposta de lei também acarinha de modo especial e às quais avisadamente atribue uma larga e importante função na assistência local.
Esta orientação, Sr. Presidente, é digna dos maiores louvores, tanto mais que as Misericórdias começaram, e muito bem, a ser restituídas ao seu espírito primitivo - o que lhes deu a Rainha D. Leonor - e que já correspondia em mais de um ponto ao moderno conceito da assistência social, no qual, podemos dizer, foi precursora.
Eram nêsse tempo confrarias de carácter religioso, dirigidas por irmãos de honesta vida, boa fama e sã consciência, destinadas à prática de todas as obras de caridade, e voltam agora a sê-lo pela proposta, que as declara fiéis à tradição dos velhos compromissos. Conforme o espírito definido mais de uma vez pelo Sub-Secretariado da Assistência, poderemos entendê-las como confrarias que deverão actuar tendo a colaboração de todas as pessoas generosas e que, embora não pertencentes à confraria, a respeitem como merecem.
A proposta de lei, dêste modo, a par de innovadora e conforme com as modernas tendências da assistência social, é ao mesmo tempo tradicionalista, no que a tradição tem de bom e eterno, e baseia-se, ao definir as directrizes para o futuro, nos ensinamentos do passado, que o legislador acertadamente invoca, como já o tinha feito nos anteriores diplomas publicados desde a criação do Sub-Secretariado da Assistência.
Depois de concretizar em diferentes bases o princípio já enunciado de que a Assistência Social deve ser preventiva e dirigida sobretudo à família e de que a sua prestação compete fundamentalmente às actividades particulares, sem excluir, repetimo-lo, o auxílio do Estado, que se antevê maior do que nunca em Portugal, a proposta refere-se especialmente à acção de defesa e combate que importa realizar contra os grandes flagelos sociais, entre os quais avulta a tuberculose.
Ampliam-se neste ponto os serviços existentes, aumentam-se os dispensários e actua-se em ordem a evitar o desenvolvimento da doença e a vencê-la quando declarada.
A êste propósito cabe também relembrar os valiosos serviços até aqui prestados pela Assistência Nacional aos Tuberculosos e o nome que lhe está ligado, da Senhora D. Amélia, sua desvelada protectora, que seguiu na benemerência as tradições de outras Rainhas de Portugal.
Bastará evocar D. Leonor de Lencastre e a Rainha Santa Isabel, que foi, como se sabe, quem criou um dos primeiros hospitais para crianças destinado a órfãos e enjeitados, sendo o primeiro criado por iniciativa da mãi do Rei D. Diniz.
Nesta discussão do Estatuto da Assistência, em que se faz apelo constante à iniciativa particular e ao seu espírito benemerente e caritativo, é justo recordar a Rainha D. Amélia, não esquecendo, como também ela o fez, a figura notabilíssima de Sousa Martins e de outras médicos portugueses que colaboraram valiosamente na luta contra a tuberculose.
A proposta de lei contém ainda uma reorganização dos serviços de assistência, que é a lógica consequência dos princípios expostos.
Cria-se a Inspecção Geral da Assistência, com o fim de orientar as instituições particulares na sua actividade assistencial e de lhes dar, queremos crer, unidade de vistas, sendo esta uma das importantes innovações do Estatuto em discussão.
Não se abandona aos seus impulsas a iniciativa particular; orientam-se, coordenam-se e favorecem-se essas iniciativas.
Há o propósito de acompanhar a actividade assistencial nas suas diferentes modalidades; e, obedecendo sempre ao princípio de que o Estado ou as autarquias não devem sobrepor-se às famílias nem substituí-las, salvo quando atinjam a desorganização, todas as medidas de sanidade, de protecção e de amparo são destinadas à sua unidade, à sua valorização e aperfeiçoamento, fazendo delas o fulcro de uma assistência eficaz.
Não inicia a proposta de lei, cabe aqui dizê-lo, em certos aspectos, um caminho novo e encontra já experiências realizadas entre nós dentro dos mesmos princípios orientadores, até com os mais lisonjeiros resultados.
Queremos referir-nos, por exemplo, à obra realizada na cidade de Leiria, de protecção e assistência à maternidade e infância, através de um centro municipal, que a respectiva Câmara criou há anos è continua a acarinhar com admirável persistência, o qual produziu de tal forma que mereceu a atenção e confiança do Sub-Secretariado da Assistência.
Essa obra de protecção e assistência foi precedida de um bem orientado inquérito pelo Dr. Duarte Gorjão Henriques e dele resultou a criação em 1938, por parte da Câmara Municipal, da instituição que aquele ilustre médico tem dirigido e orientado com o maior desvelo e proficiência.
Referindo-se ao problema da assistência no concelho de Leiria, chegou êsse inquérito a conclusões que podiam dar subsídios para estudos em outras regiões do País:
«Despendem-se, diz o inquérito, avultadas quantias em subsídios concedidos a uns e outros por filantropia burocrática. Não se solucionam por essa forma as necessidades de quem recebe a esmola e pulveriza-se o que poderia ter melhor e mais adequada aplicação».
Para combater êsse estado de cousas a Câmara Municipal de Leiria estabeleceu a coordenação dos seus serviços com as instituições de previdência e assistência do concelho e criou um organismo intitulado Dispensário, no qual centraliza os serviços técnicos de assistência social.
Êsse Dispensário, que hoje se denomina Centro de Assistência Social, mantém secções de higiene pre-natal, puericultura, pediatria e higiene escolar para as escolas primárias, com um centro de diagnósticos do cancro, que foi o primeiro do seu tipo criado no País em colaboração com o Instituto do Cancro, e em cinco anos de existência, ou seja até 1943, o número de con-