O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

738
DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 188.
Sucedia, porém, que as lições da experiência contrariaram em absoluto a sua tese. Emquanto vigorou a Constituïção de 1911, construída à sombra de uma ideologia tam anti-humana como anti-nacional, a vida pública portuguesa caracterizara-se pela instabilidade e pela irresponsabilidade do Poder, pelo choque permanente das facções desavindas, pela incompetência nos domínios da Administração e pelo crescente descrédito dentro e fora das fronteiras. O sistema estabelecido na Constituïção de 1911, como muito bem sintetiza o. Sr. Dr. Oliveira Salazar, «não garantiu eficazmente a segurança dos indivíduos nem as liberdades públicas: liberdade de associação, liberdade de reünião, liberdade de imprensa, estiveram sempre pràticamente subordinadas aos interêsses do grupo do Govêrno, com a agravante de que as leis eram umas e os factos outros e de que a competência para julgar da legalidade ou inconveniência doa actos não pertencia a qualquer tribunal ou jurisdição regular, mas à rua, a título de defensora das instituições».
E o Sr. Dr. Oliveira Salazar continua:
O Parlamento não assegurou a fiscalização da vida política ou da Administração nem satisfez convenientemente as necessidades da legislação nova. Interveio na governação de forma atrabiliária, substituindo-se ao Poder Executivo, deminuindo-o, subordinando-o, entorpecendo-o. Com a subalternização do Govêrno e do Presidente da República o Estado ficou sem cabeça e sem direcção — uma assemblea não poderia dá-la — ao mesmo tempo que desaparecia toda a responsabilidade efectiva e toda a possibilidade de mando.
Em suma: a Constituïção de 1911 nunca pôde ajustar-se à vida real dos portugueses, nunca pôde criar precisamente uma forma de normalidade. A normalidade constitucional reclamada pelos adversários do 28 de Maio durante os anos em que o exército, para «pôr a casa em ordem», instituíu uma transitória ditadura, equivalia, pois, no fim de contas, a anormalidade nacional. Os governantes da ditadura eram os primeiros a querer normalidade constitucional; mas com a condição de que fôsse também, e sobretudo, normalidade nacional.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Que é, de facto, uma Constituïção? Conheço, como todos nós, bastantes respostas a esta pregunta. Ainda mão encontrei nenhuma que mais me satisfizesse pela sua limpidez e simplicidade do que a consagrada passagem de Joseph de Maistre nas Considérations sur la France:
Uma Constituïção é a solução do seguinte problema: se nos forem dados a população, os costumes, a religião, a situação geográfica, as relações políticas, as riquezas, as boas e más qualidades de certa nação — encontrar as leis que lhe convenham.
Esta lufada de claro bom senso opunha-se ao racionalismo abstracto dos legisladores da escola combatida por de Maistre, antepassados dos autores do Estatuto de 1911, para os quais uma Constituïção era uma rígida arquitectura deduzida a priori de alguns axiomas preliminares em pleno reino da utopia. Exclamava irònicamente o escritor francês a propósito da última criação dêsses legisladores:
A Constituïção de 1795, como as suas antecessoras, é feita para o homem. Ora o homem não
existe no mundo. Tenho encontrado franceses, italianos, russos, etc.; o homem, como pura entidade desligada do real, nunca o encontrei...
Evidentemente. E repare-se como esta lúcida visão coincide com a do Chefe do Govêrno Português, pôsto diante do mesmo problema. O que o interessa, o que o preocupa, o que lhe serve de modêlo não é, por forma alguma, o homem ideal e irreal, mas o homem português, localizado quer no espaço, quer no tempo.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Já no célebre discurso basilar de 30 de Julho de 1930, depois de ter passado em revista a crise política geral, enunciara a solução que propunha: «tomar resolutamente nas mãos as tradições aproveitáveis do passado, as realidades do presente, os frutos da experiência própria e alheia, a antevisão do futuro, as justas aspirações dos povos, a ânsia de autoridade e disciplina que agita as gerações do nosso tempo e construir a nova ordem de cousas que, sem excluir aquelas verdades substanciais a todos os sistemas políticos, melhor se ajuste ao nosso temperamento e às nossas necessidades».
E ainda há mês é meio, no discurso de 18 de Maio, exprimiu igual orientação, sem se perturbar ou desviar pelas tempestades que sacodem o Mundo:
Cada país em que os dirigentes políticos têm plena noção das suas responsabilidades há-de ter as instituïções que melhor se adaptem ao seu modo de ser e dele façam elemento prestante da comunidade internacional e há-de conceder e garantir aquele grau de liberdade consentâneo com a eficiência das disciplinas interiores do homem e exteriores do meio social.
Eis o critério que presidiu à edificação da ordem social e política estruturada pela Constituïção de 1933. E vem a propósito reavivar na nossa memória a página em que Salazar sublinhava que as liberdades públicas, porventura «mais limitadas em tese», ficavam, todavia, «mais concretas, mais garantidas, mais verdadeiras» e a cada português se dava maior «possibilidade de expansão da sua personalidade». Dizia ainda: «A forte noção de hierarquia disciplina a sociedade, eleva o nivel social pela confessada superioridade do espírito, ao mesmo tempo que a justa compreensão do valor humano é garantia mais efectiva da igualdade jurídica dos cidadãos». Não são estas palavras tam actuais — ou mais ainda — que na hora em que foram escritas?
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — A nossa Constituïção foi — como se vê — produto de um exame sério das realidades profundas da vida portuguesa e do homem português — através dos ensinamentos da História (que não é apenas passado morto, mas presente vivo e incessante preparação do futuro) e daquelas adaptações e exigências que a marcha dos tempos aconselhava ou, mesmo, impunha. Três directrizes essenciais se podiam extrair do seu conjunto: o reforço do Poder, no sentido de maior independência, de maior estabilidade e de maior continuïdade (visto o primeiro direito dos povos consistir justamente — Salazar o acentuou, na esteira dos melhores mestres — em serem bem governados); o primado do bem comum sôbre os bens fragmentários e particulares — que não suprime nem atrofia, antes inclue, protege e sobreleva; a substituïção do velho mito da