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13 DE DEZEMBRO DE 1946 127

perto, sentido bem no seu íntimo a atmosfera, posada como chumbo, que tem enlutado e tem trazido mergulhada em tristeza uma das terras mais lindas do nosso Pais: a Nazaré.
Não quis de forma alguma que, pertencendo essa terra ao meu circulo o tendo eu a honra do ter assento nesta Assembleia, se pudesse dizer que a tragédia passava, e que passava também a nova agitação que o problema suscitou, sem que nesta sala, que representa o País inteiro, tivesse havido uma voz, embora modesta
- e sou dos mais modestos que porventura aqui estão-, que chamasse a atenção para a situação da pobre gente da Nazaré.
É evidente que sei, como o sabem todos, que nada é mais difícil, que poucas tarefas serão tão árduas, como a de um homem pretender convencer outro, que desvairadamente sofra, apenas com palavras, por mais suaves, por mais justas, por mais prudentes e por mais honestas que elas sejam.
Tenho mesmo a impressão de que, quando o desvairo chega, são precisamente essas palavras -as mais sábias, justas, prudentes o honestas- aquelas que menos convencem, e aquelas que menos apaziguam.
Ora, se transformarmos a dor de um na dor de todos - como é a da grande família dos pescadores da Nazaré-, podemos compreender que eles hoje só tenham olhos para chorar e boca para se queixar. Podemos compreender que lhes não sirva de lenitivo para o inquietante temor da morte, temor que a cada momento lhes vai ferindo a alma sempre que se largam da praia para o mar -esse mar que lhes ceifa as vidas-, a fria expressão de que um dia talvez as suas condições melhorem.
É evidente que não se constrói nem se alicerça um porto sobre os simples anseios, por mais ardentes e legítimos que eles sejam. É infelizmente preciso que para ele existam reais possibilidades e que assente em fundações que só o cimento e a pedra tornam fortes.
Mas também é verdade que aqueles que têm a missão de servir esse grande senhor que é o mar - senhor que tom dias de raiva e de castigo- não- podem deixar de o servir nesses dias, mesmo que o não queiram, pois têm de servir a sua vida e a dos seus. que essa também tem exigências que são de todos os dias e que sem afrontar o mar se não satisfazem.
E assim nasce um circulo vicioso: ir para o mar para que a família viva, ou ir ao mar para dizer adeus à família.
A perda dos entes mais queridos, num ritmo que já tem qualquer coisa do constante vaivem das ondas, fero com uma cruel persistência aqueles que pedem um porto porque só vivem da faina do pescar.
Quando o pobre povo da Nazaré mais sangrava de dor, mais carregava o luto das suas tragédias e mais aguda sentia a angústia do dilema que referi, não admira que sobre o Governo convergissem as suas reclamações, os seus telegramas e os seus clamores.
Nem podia ser de outra forma, porque ele é o Governo da Nação. Não é o Governo de uma parcela; é o Governo de todos nós.
Aprovo inteiramente esse apelo feito ao Governo.
E aprovo-o pelo que ele traduz de merecida confiança.
E que o Governo a merecia comprova-o a nota imediatamente publicada pelo Sr. Ministro das Obras Públicas.
O conhecimento, por ele dado ao público, do carinho que o problema tem sempre merecido, dos estudos feitos e sobre os quais já recaíram até despachos de anteriores Ministros, justificam a calma que ele recomenda, a prudência que aconselha o a esperança que promete - então já era despacho seu - de que não deixará de oportunamente atender à necessidade do melhoria das condições actuais do porto da Nazaré e de dar assim a possível satisfação às legítimas aspirações desse bom povo.
Ele não esqueceu o porto da Nazaré. O próprio decreto n.º 33:922, apesar de o não ter incluído na nova fase do plano portuário, não o esqueceu também.
Esse porto fui devidamente estudado por técnicos; foi devidamente ponderada a necessidade da sua construção. Simplesmente, o desejo de construir um porto de abrigo e refúgio nem sempre está na razão directa das possibilidades naturais, técnicas e financeiras de o conseguir.
Essa nota do Sr. Ministro das Obras Públicas mostra, com toda a clareza, que já o falecido Ministro Sr. Duarte Pacheco se encontrou - como de um seu despacho se vê- perante a desproporção, que tanta vez existe, entre o desejo de realizar e a possibilidade de conseguir. É que parece ter-se a Natureza apostado em fazer daqueles escassos quilómetros de costa o palco favorito para a exibição trágica das suas fúrias indómitas.
Mas, Sr. Presidente, disso não pode inculpar-se o Governo da Nação.
E, assim, o que mais depressa se quereria fazer não pôde ainda ser feito. Mas felizmente que existo -e tenho o maior prazer em o proclamar aqui- da parto de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, não a passividade fatalista de cruzar os braços, mas antes o dinamismo que impulsiona, a inteligência que realiza e a vontade ferroa que vence, tudo convergindo para a ideia, salutar e construtiva, de que melhor é realizar o bom, a nada se fazer ante a impossibilidade de conseguir o óptimo.
Na verdade, impõe-se como dever de solidariedade que se tente tudo para que não continue a sor ingloriamente que os valentes pescadores da Nazaré se afoitem ao mar - a esse mar que tão impiedosamente lhes vem traçando as vidas e vestindo de luto as famílias.
Todos sabem que a Nazaré é uma das povoações portuguesas que só vivem do mar, e isto desde os recuados tempos em que os seus pescadores, como rezam as crónicas e o atesta a sua pobre fortaleza, quase desmantelada, eram dos mais fortes baluartes de que dispusemos contra aqueles que infestavam as nossas costas.
O Sr. Ministro das Obras Públicas sabe que a gente da Nazaré só para o mar e do mar vive; e, assim, pude bem compreender e sentir que o anseio dessa boa e laboriosa gente, e a sua esperança de conseguir, quando não seja um porto de abrigo e refúgio, ao menos aqueles meios que eficiência tenham para a segurança dos seus barcos e protecção das suas vidas, é como aquela claridade que ao separar a noite do dia vai alumiando, ainda muito embora, tendo já morrido a noite, não tenha nascido o dia.
Dentro disso, quando não possa fazer-se o óptimo, faça-se o bom, e quando não possa fazer-se o bom, faça-se o sofrível.
O que ninguém pode querer é que se não faça nada, pois não se pode assistir de braços cruzados a uma ceifa constante de vidas, roubadas a um trabalho que é, sem dúvida, dos mais gloriosos e honrados, sobretudo para nós, portugueses, que desde há tantos séculos quisemos a íntima convivência com o mar.
Eis porque eu peço daqui ao Governo que. enquanto não for possível fazer-se o máximo, a bem de todos os que trabalham na árdua faina da pesca, se lhes dê ao menos aquela mesma esperança de protecção e segurança que já foi dada aos espectadores dos teatros e cinemas.
Esses, que apenas buscam diversão, têm já garantida a serenidade do ânimo, que resulta de terem ante os olhos, escrita nos panos de ferro em letras bem visíveis, a afirmação tranquilizadora de que não devo existir