130 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 64
O Sr. Mendes Correia: - Vou ser breve, porque se trata de um assunto que é ao mesmo tempo de tão grande magnitude e de tão intensa especialização que ultrapassa as minhas fracas possibilidades. Mas entendo que todos nós devemos trazer a esta tribuna o contributo do nosso depoimento pessoal, por mais modesto que ele possa ser, sobretudo perante o alcance e a importância da matéria que está sendo tratada.
O ano passado subi a esta tribuna para falar sobre um aspecto da lei de meios. Não ficaria contente comigo próprio se este ano não voltasse a insistir sobre alguns pontos que me parecem merecedores da consideração da Assembleia, do Governo e do País.
Congratulo-me por desta vez ter sido mais rica de informes a documentação enviada a esta Assembleia para nosso esclarecimento relativamente às necessidades financeiras do País.
Mas, com o treino que tenho de seis anos e meio de administração de uma autarquia local, sinto ainda a falta de qualquer coisa que, embora não constitua um imperativo da lei constitucional, não deixa de ser, de certo modo, uma necessidade imperiosa para nosso esclarecimento.
Refiro-me à falta de um resumo do orçamento. Não está na Constituição que tal seja apresentado juntamente com a lei de meios, mas a única maneira de fazer um juízo sobre o conjunto das finanças públicas é ter ao menos na sua frente um resumo dessas finanças.
Um relatório acompanha a maior parte dos projectos que são aqui apresentados. Porque é que não vem um relatório antecedendo a proposta de autorização do receitas e despesas?
É uma falta que sinto, tanto mais quanto é certo que dentro de poucas semanas um relatório larguíssimo esclarecerá seguramente o País. Porque não mandá-lo já a esta Assembleia?
Sr. Presidente: tive de me basear sobre as contas públicas de 1945 e sobre o orçamento de 1946, e ainda sobre orçamentos anteriores, para fazer um cálculo que me parece de subido interesse.
Um grande espírito, que é também um grande amigo do nosso País, figura de grande relevo num grande país amigo, quis um dia estabelecer o confronto entre o valor financeiro de um português e o valor financeiro de um seu compatriota, dividindo o quantitativo da soma global das contas do orçamento do País pelo número de habitantes.
Pois bem! Eu não reconheço que se possa dizer que um português vale duas, três, quatro vezes mais do que o habitante de qualquer outro país estrangeiro, pelo facto de o volume das receitas e despesas ser duas, três ou quatro vezes maior. Mas julgo que tem interesse para o exame da nossa vida financeira um cálculo dessa natureza feito sobre anos sucessivos.
Fiz a conta para o período anterior à guerra, mas já de administração da actual situação política; para o ano de 1929-1930. como para o ano de 1940 e para o de 1944. Pois bem! Dividindo a receita total ordinária pelo número de habitantes, encontro os seguintes números: 301$ por habitante para 1929-1930; 288$ para 1940; 415$ para 1944
Mas, Sr. Presidente, vou confrontar estes números, que parecem dar um aumento apreciável de receita nos orçamentos equilibrados desta situação, vou comparar este pequeno aumento com a evolução da moeda e com os índices de preços de retalho e verifico que o ritmo de aumento de volumes de receitas e despesas é muito inferior ao da desvalorização da moeda e da elevação dos índices de preços de retalho.
Isto significa que nós não enriquecemos com a guerra, apesar da nossa situação privilegiada em relação a outros povos e apesar de todos os esforços meritórios desenvolvidos pelo Governo da Nação.
Enfim, meus senhores, estas considerações de ordem geral levam à conclusão de que se não cobra tudo o que seria necessário cobrar para satisfazer todas as despesas que seria necessário realizar. E os serviços públicos encontram-se, portanto, todos insuficientemente dotados, sem que o Governo possa fàcilmente requerer à Nação o esforço tributário necessário para cobrir esse volume incomportável de despesas.
É, portanto, esta uma situação difícil e que se tem de encarar com medidas que na lei de meios estão felizmente encaradas.
Deixando, porém, a apreciação deste último assunto para considerações ulteriores, desejaria chamar a atenção para alguns pontos, quer do capítulo de receitas, quer do capítulo de despesas.
Quanto às receitas, quando surgiu o imposto complementar, com toda a sua papelada, tive uma mágoa profunda, porque mais do que uma vez tinha subido a este lugar para mostrar a minha discordância em relação à inundação de papelada que ameaça submergir muitas das actividades nacionais. E, a propósito, se o princípio da declaração é um princípio saudável, devo dizer que em muitos pontos a Nação não foi bem servida nem o contribuinte pelos esclarecimentos fornecidos pelas instâncias competentes - ou incompetentes - ao mesmo contribuinte.
Em alguns lugares deram-se informações erradas, que levaram o contribuinte a praticar erros.
É claro que, examinado com sossego e atenção, o problema das declarações do imposto complementar não oferece dificuldades de maior, e a estrutura da matéria está bem delineada, mas o contribuinte não pode estar a estudar minuciosamente estes assuntos, nem devia ser necessário que tenha de se dirigir a um advogado ou a uma entidade especializada para o esclarecer.
A lei tributária, mais do que qualquer outra, deve ser clara, clara como água, para que todos saibam o que devem pagar, nem mais nem menos do que aquilo que está estabelecido nessa lei.
Infelizmente o público nem sempre, foi bem esclarecido nas instâncias competentes, nem ele nem o Estado, e nós bem sabemos porque não são frequentemente bem servidos.
Eu, a propósito, quero aludir ao facto de, em alguns organismos, felizmente em poucos, os funcionários, ou, melhor, certos funcionários, tratarem o púbico com uma sobranceria inadmissível.
Entendo que quem exerce funções públicas tem do estar dotado de uma paciência imensa e evangélica para suportar até as injustiças do julgamento desse público, porque é ao serviço desse público e da Nação que se encontram esses funcionários.
Sr. Presidente: outro ponto é focado na proposta de autorização de receitas e despesas e que é igualmente focado, de uma maneira a que dou todo o meu aplauso, no parecer da Câmara Corporativa, tendo-se-lhe já aqui referido vários Srs. Deputados. É a questão das taxas.
Entendo que devemos reagir contra o abuso do emprego dessas taxas.
Entendo que as taxas são muitas vezes impostos disfarçados, que complicam a existência do contribuinte e do público e, portanto, só com razões simples, seguras e claras, só fundadas em razões absolutamente reconhecidas seriam de adoptar essas taxas.
É preciso, antes de fazer incidir sobre uma dada massa de contribuintes qualquer imposto, ajuizar rigorosamente, por inquéritos sérios, da capacidade tributária dessa massa populacional.
É preciso saber se ela pode pagar sem recorrer a expedientes, cair em situações dolorosas ou em situações