13 DE DEZEMBRO DE 1946 131
de desequilíbrio económico que de modo nenhum o Estado deseja para si próprio.
Conheço alguns casos em que é apavorante a lista de taxas, adicionais, etc., que sobrecarregam determinados impostos.
Há concessões de várias licenças que implicam a aquisição de impressos com um número de linhas referentes aos adicionais e taxas que têm de ser pagos, de tal forma diversos, que apavoram quem tem de requisitar essas licenças.
Um exemplo muito curioso é o daquilo que se passa com as casas de espectáculos, para as quais, em certo momento, se reconheceu a necessidade de um imposto único. Chamou-se-lhe mesmo imposto único! Pois, eu não vou fatigar V. Ex.ªs lendo o estendal que aqui tenho de contribuições e taxas de variada ordem que, como imposto único, incidem sobre as casas de espectáculo.
Entende-se, geralmente, que as manifestações da vida colectiva têm um aspecto de puro divertimento, como se não houvesse também a considerar nelas os aspectos sociais e os de arte e de cultura.
Não se olha com simpatia para essa ordem de manifestações, mas, na realidade, eu julgo paradoxal que se fale num imposto único e que essas organizações tenham de pagar uma variedade considerável de impostos.
Cito o caso particular dos cinemas. Os cinemas representam na sua concorrência, na afluência que têm de espectadores presentemente, um volume de interesses materiais muitas vezes superior ao dos teatros. E que assim é demonstram-no os Boletins da estatística.
Pois bem. Pensou-se em proteger, e muito bem - a imprensa anunciou-o recentemente -, a produção nacional em matéria cinematográfica, mas pensou-se também em ir buscar as receitas necessárias para os prémios e subsídios a dar a essa produção, que interessa, não apenas no aspecto da cultura popular, mas também à educação em geral e à arte, pensou-se, repito, em ir buscar esses rendimentos a uma intensificação de encargos financeiros dos cinemas.
Julgo que o assunto tem de ser considerado em conjunto, de maneira a que a população pobre, Lumilde, que paga socorro social, mas que em grande parte devia também ser socorrida, porque não pode pagar bilhetes por preços mais altos, possa ter os seus cinemas de bairro, os seus cinemas de povoações modestas, de maneira que, ao menos, às quintas-feiras e aos domingos, e até muitas vezes só aos domingos, tenha esses espectáculos, é claro, devidamente seleccionados no ponto de vista moral e educativo.
Julgo que qualquer encargo que tenha de cair sobro uma parte da indústria de cinema, como sobre qualquer forma de espectáculo, deve abranger o exame prévio dos aspectos vários dessas organizações num todo integral.
Em matéria de cinema devo dizer que não posso considerar como autêntica produção nacional o que se possa fazer enquanto houver apenas um só laboratório de filmes e enquanto não se cuidar sèriamente da formação artística, cultural e moral dos artistas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-O projecto fala também na taxa de selo de especialidades farmacêuticas e presto a minha homenagem à intenção de a diminuir, transformando-a num imposto, quase estatístico, sobre importação de especialidades farmacêuticas.
Mas é preciso olhar para a situação dos doentes, por virtude do alto custo das especialidades farmacêuticas nacionais.
É de louvar também o esforço do Estado na elevação dos vencimentos do funcionalismo civil e militar, mas eles estão ainda muito aquém daquilo que é necessário, em faço da evolução da moeda e da elevação dos preços de retalho. Ora, por exemplo, um contínuo de 2.ª classe recebe, líquidos, 753§. Não creio ser possível hoje sustentar uma família de quatro ou cinco possuas com um mínimo de 753$ numa cidade como Lisboa ou Porto.
Faço justiça, aos esforços do Governo no sentido de, dentro das possibilidades do orçamento, realizar o máximo que pode para melhoria dos vencimentos do funcionalismo público e estou certo de que, à medida que as finanças o permitam, serão dadas novas melhorias ao funcionalismo civil e ao funcionalismo militar, como ainda se considerará a situação dos pensionistas em geral, de que já se começou tratando, e são classes que merecem todo o carinho dos poderes públicos.
Sr. Presidente: deixando estas considerações sobro receitas e despesas, passo ràpidamente a referir-me ao apetrechamento económico do País e ao fomento sanitário, cultural, assistencial e social que estão consignados como objectivo permanente e na verdade honroso do Governo da Nação.
Sr. Presidente: o apetrechamento económico do País é indispensável. O ilustre economista Ezequiel de Campos, num livro recentíssimo, escreve umas passagens que não posso eximir-me a ler a V. Ex.ªs
O orador leu algumas passagens do referido livro.
Quer dizer: a solução dos problemas económico e financeiro deste País só pode conseguir-se com uma real valorização dos recursos nacionais. Essa valorização, infelizmente, não se fez durante séculos; recorreu-se sempre a um certo número de medidas de emergência. As colónias, sobretudo o Brasil e o Oriente, davam para uma vida faustosa, mas desprezava-se a colonização interna, desprezava-se a situação metropolitana. Hoje, graças a estadistas que têm a consciência do seu papel, felizmente, encarou-se, talvez pela primeira vez na história moderna deste país, com eficiência e largueza, o problema do apetrechamento económico de Portugal.
Temos 8 milhões de habitantes. Com as condições actuais do Mundo, parecem já demais. Se consultarmos Anselmo de Andrade, nós vemos que temos um território que poderia alimentar 15 milhões de habitantes.
Verifica-se que Portugal não atingiu ainda a sua possível densidade de população.
Não me vou conduzir pelo saudoso amigo Bento Carqueja, visto que ele entendeu que se devia estabelecer o problema com base nos números de países de maior densidade. Assim, calculou a nossa população possível baseando-se, por exemplo, na densidade de população que tem a Bélgica.
Não vale a pena fazer o cálculo, mas dou o meu aplauso a Ezequiel de Campos, que nos diz que, se nós conquistarmos Portugal à natureza, como conquistámos Portuga] aos mouros, teremos enfim uma vida desafogada e feliz.
Há, no entanto, no apetrechamento económico do País um factor digno do maior apreço e importância e que já o ano passado na discussão desta lei acentuei, e que é o factor humano.
Não podemos deixar de entrar em linha de conta com o facto de, como dizia Ruskiu, o maior tesouro não estar nas minas nem estar no ouro, nos filões de metal, nas entranhas da terra, mas no homem, na carne, na vida, numa vida sã, física e moralmente.
É preciso que se realize em Portugal uma tarefa muito intensa na melhoria da alimentação da população, de assistência e de revigoramento físico.