134 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 64
para breve da reforma do imposto sucessório, pedida o ano passado por esta Assembleia.
Muito haveria que dizer nesta matéria, mas evidentemente que não vou antecipar-me à apreciação da reforma, e por isso me reservo para sobre ela dizer o que os interesses nacionais me sugeriram, quando vier à Assembleia. Mas não fica mal recordar desde já que ela vem acabar com uma autentica calamidade nacional para as pequenas economias familiares.
Prestado este justo louvor à obra do Governo, pela pasta das Finanças, posso agora, mais à vontade, fazer uma advertência sobre o que na proposta ou na política económica com ela relacionada merece justa critica.
O ilustre Deputado Sr. Dr. Mendes Correia reclamou há pouco que o Governo fizesse acompanhar a lei de meios por um relatório ou um resumo do orçamento. Eu quero reclamar, em nome da lei e dos direitos da Assembleia, alguma coisa que me parece mais necessária, indispensável mesmo, para justa apreciação da lei de meios.
Refiro-me ao preceito constitucional da unidade do orçamento.
Segundo o artigo 63.° da Constituição, «o Orçamento Geral do Estado para o continente e ilhas adjacentes é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas públicas, mesmo as dos serviços autónomos». Qualquer que seja a opinião que se tenha desta disposição do estatuto básico, ela representa uma imposição lógica da nossa política administrativa.
Uma fiscalização séria dos encargos pedidos pelo Governo à economia nacional exige de facto o conhecimento do montante total de todas as imposições que a oneram.
Em boa política, o Estado, até em própria defesa, deve não só evitar o esgotamento das fontes de produção, mas deixar-lhe ainda larga margem de lucros, suficiente para seu pleno desenvolvimento e valorização.
Para fazer a justa apreciação dos encargos pedidos pelo Governo à Nação importa, pois, conhecer o montante global de todas as imposições que é obrigada a suportar. De outra forma não poderá averiguar-se se o Estado excedeu os limites da sua soberania.
Mas se ao lado dos impostos propriamente ditos há outras imposições que na prática actuam como impostos indirectos, como acontece com as taxas lançadas pêlos organismos pré-corporativos e para-corporativos, e o montante dessas imposições não vem ao conhecimento desta Assembleia, o mesmo sucedendo com as despesas feitas com esses serviços, praticamente oficializados, como é possível fazer uma apreciação justa do peso dos impostos e julgar realizada a unidade orçamental imposta pela Constituição?
Sem intuito de fazer crítica desprimorosa, julgo que a letra da Constituição e os direitos da Assembleia reclamam, sob este aspecto, uma urgente reforma.
Esta conclusão toma uma força nova quando se considera o montante das receitas e despesas daqueles organismos. Não sabemos com exactidão qual seja esse montante, mas não faltam índices que nos dizem que ele é na realidade muito volumoso.
Em primeiro lugar, a extensão vastíssima da organização, que se estende a todas as actividades produtivas da Nação-considero aqui não apenas os grémios industriais e da lavoura, os sindicatos, as casas do povo e as dos pescadores, mas de um modo particular as juntas e federações, institutos e intendências.
Toda essa organização, complexa e complicada, obedece a reais necessidades da orgânica corporativa?
Como quer que seja, parece-me que nada justifica certos excessos de organização, que tomam o aspecto odioso de hipertrofia corporativa, que esmaga algumas das pequenas indústrias caseiras, sem qualquer vantagem para o sentido e justa eficiência do necessário condicionalismo e com largo prejuízo para as pequenas economias rurais, que o Estado deve amparar e fortalecer.
Toda esta máquina funciona com uma burocracia pesada, no volume e na lentidão, burocracia pletórica não tanto, talvez, pela complexidade dos serviços como pelo critério, nem sempre bem orientado e feliz, com que se fazem o recrutamento do pessoal e a fixação dos seus vencimentos.
Que critério é esse? Factos muito do nosso conhecimento dizem-nos que muitas vezes se dispensam as habilitações profissionais, e mesmo as qualidades morais, mais rudimentares e necessárias ao eficiente rendimento dos serviços e se fixam vencimentos que fazem concorrência aos quadros dos serviços públicos e mesmo das actividades particulares.
Não quero alongar-me nesta matéria, porque a Assembleia aguarda o prometido relatório do inquérito feito pela comissão especial que recebeu o encargo do o levar a cabo.
Não posso no entanto furtar-me a denunciar aqui o alarme que nas regiões do Pais que melhor conheço causa, ainda mais do que o peso dessas imposições, a forma, impertinente o por vezes vexatória como são exigidas e a maneira espalhafatosa como são gastas.
Dir-se-ia que esse pessoal pertence todo à classe dos novos ricos, herdeiros da velha aristocracia, não das virtudes que a criaram e engrandeceram, mas dos erros que a desprestigiaram e perderam.
E, para que essa impressão seja mais nítida e mais forte, certos serviços procuram instalar-se nos velhos palácios por ela deixados ou em prédios de rendas custosas, numa abundância de gastos que não podo deixar do considerar-se escandalosa, num pais pobre como o nosso, onde muitos dos serviços públicos, como os da instrução, apesar de toda a obra benemérita de fomento realizada pelo Governo, se encontram instalados em prédios mais do que modestos.
Veja-se o que se passa, não já na província, onde o facto seria por igual lamentável, mas aqui, em Lisboa, na cabeça do Império: enquanto certas juntas se encontram instaladas em prédios sumptuosos, há escolas e repartições que funcionam em quase pardieiros, em condições muito inferiores às exigidas pelo mais rudimentar decoro da Nação e absolutamente indispensáveis ao normal rendimento dos serviços.
Qual é o resultado deste estado de coisas? Peço desculpa da ideia e (ia forma, mas sempre me pareceu muito difícil que em repartições sujas se mantenham almas limpas.
Perante esta situação, que choca e escandaliza, ocorre perguntar: que razões há que justifiquem tais gastos? E quem é que os autoriza?
Deixo a pergunta em suspenso.
Como exemplo de taxas impertinentes quero ainda referir as cobradas a titulo de cadernetas e senhas de racionamento.
Também aqui as receitas são volumosas.
Também aqui as taxas exigidas são desproporcionadas à despesa que se destinam a cobrir.
Para o crer basta considerar que as cadernetas são individuais, temporárias e caras, injustificadamente caras, e as senhas, discriminadas segundo os géneros distribuídos, são impostas mesmo àquelas freguesias onde esses géneros não chegam nunca.
Por outro lado, o pessoal é também, pela mesma deficiência de critério de recrutamento, excessivamente numeroso. Organismos há que parece concorrerem com as casas de assistência.
A essas taxas devemos ainda juntar as que representam a perda de tempo e dinheiro para ir às sedes dos concelhos - distantes muitas vezes 20 e mais quilómetros - para receber 3 decilitros de azeite e 500 gramas de