13 DE DEZEMBRO DE 1946 129
posta de lei sobre a utilização de baldios, que mostra o interesse que esse problema vai merecendo aos poderes públicos.
O que mais me choca, e estou convencido de que todos V. Ex.ªs pensam como eu, é constatar o atraso em que se encontra o nosso País quanto às condições de vida de tão grande número de portugueses.
E confrangedor pensar na situação em que labuta ainda grande parte da população, e nomeadamente certas populações rurais. Se pensarmos apenas na pobre gente que vive nos píncaros da serra do Geres - e tanta há no País em igual miséria - e se considerarmos como estão passando a invernia, só quem não for lotado de sentimento humano poderá considerar essa tragédia sem confrangimento. Melhorar as condições de vida de tanta gente humilde, criar riqueza nacional que a sustente, é obra que se impõe como imperativo categórico. É indispensável que o orçamento traduza, clara e generosamente, este propósito.
Mas não só os trabalhos e os planos na ordem económica podem resolver este grave problema; é preciso também educar e instruir. Para isso quereria daqui solicitar ao Governo que na elaboração do Orçamento Geral do Estado fosse prevista a criação ainda de mais escolas primárias, mas em condições de poderem desempenhar eficiente e utilmente a sua missão. Não basta criar as escolas e atribuírem-se-lhes dotações, por vezes insuficientes; é preciso ter em consideração o local onde vão funcionar e o meio em que vão trabalhar.
É preciso que a frequência seja, sobretudo nos meios rurais, útil e tornada possível. A maior parte das crianças que as deveriam frequentar serão crianças mal vestidas, vivendo às vezes a distâncias consideráveis, e estarão muitas vezes mal alimentadas. E preciso então que se criem as condições que favoreçam a solução desta parte do problema da instrução e da educação dos portugueses de amanhã.
Julgo que enquanto o número de analfabetos se mantiver no altíssimo nível em que se encontra, e que é uma das nossas maiores vergonhas, não é possível, dentro do nosso ambiente e considerando as nossas condições étnicas, uma melhoria considerável no standard de vida da maior parte dos portugueses.
Outro ponto que desejaria aqui também frisar, no sentido de chamar para ele a atenção do Sr. Ministro da Educação Nacional, é o problema do ensino técnico.
Sei que já foi presente, e até já tem parecer da Câmara Corporativa, um projecto de reforma do ensino técnico. E certamente na devida oportunidade esta Câmara se ocupará desse problema, e então pessoas certamente mais competentes na matéria do que eu poderão estudá-lo, para que saia uma obra tão perfeita quanto possível. Todavia, quero desde já chamar a atenção dos Srs. Ministros da Educação Nacional e das Finanças para que desde já e na medida do possível a organização existente seja melhorada e se possa suprir a falta terrível que a toda a hora constatamos.
As populações liceais e universitárias, onde o ensino, como todos nós sabemos, até por experiência própria, é demasiadamente doutrinário, aumentam de uma fornia extraordinária. E se tivermos em consideração a eloquência dos números representados pelas escolas técnicos e pela sua frequência verificaremos que é necessário que esse ensino seja provido desde já da orgânica e dos recursos financeiros indispensáveis para tornar a sua acção eficiente e assim contribuir para a melhoria do nível de vida, das condições económicas do País e das organizações nacionais.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas considerações dizendo apenas mais algumas palavras que julgo indispensáveis pela gravidade do momento que vivemos.
Voltei há dias a Lisboa, depois de uma ausência de dois meses no estrangeiro.
Mais uma vez vi como resplandece com novo brilho o nome português. Dir-se-ia tela de primitivos a que o talento e amor rio artista deu renovada cor e nova força de expressão. Mas por toda a parte senti uma mesma preocupação e ansiedade nos espíritos, um ambiente de terrível cepticismo, uma atmosfera de desconfiança, de dúvida e de desalento, a angústia do desânimo e a tristeza que dá a perda da fé: miserável herança de uma guerra cuja apocalíptica tragédia continua ainda. Neste canto abençoado do Mundo, mercê da Graça Divina e da obra imensa de um homem, nós temos condições de resistir à contaminação mais intensa do mal se soubermos e quisermos servir-nos de todos os valores, de todos os elementos de ordem e de progresso que nos podem auxiliar a vencer a tempestade. Todos, Governo e governados, devem pensar que o caminho da nossa sorte está sobretudo nas nossas mãos, mas se não compadece do desprezo ou esquecimento das verdades eternas, a que o destino dos homens e das nações não escapa. Ë preciso, é necessário, é indispensável, que a obra imensa e magnífica do Sr. Presidente do Conselho seja prosseguida no nível em que o seu patriotismo e devoção exemplares a colocaram. Governe-se para a Nação, mas com a Nação; só assim se não atraiçoará o ideal que todos queremos servir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Peço licença, Sr. Presidente, para enviar para a Mesa uma moção sobre o problema do inquilinato, para ser publicada no Diário das Sessões, a fim de que toda a Câmara possa tomar conhecimento dela.
É a seguinte:
Considerando que em matéria de inquilinato urbano não pode entrar-se abertamente, e desde já, em regime de ampla liberdade contratual; mas Considerando que o problema é de transcendente importância e demanda resolução urgente nalguns dos seus aspectos mais graves;
Considerando que, se não são de admitir as especulações por parte dos senhorios, igualmente não devem ser permitidas aos arrendatários;
Considerando que os diplomas fundamentais sobre inquilinato, por antiquados e dispersos, carecem de ser actualizados e codificados:
A Assembleia Nacional reconhece a necessidade de:
1.º Serem revistas as restrições legais em vigor sabre as rendas, sem descurar a situação das classes menos abastadas;
2.º Ser devidamente regulada a sublocação e fiscalizados os traspasses, com rigorosas penalidades quando sã trate de arrendamentos para habitações, que aliás a lei não permite;
3.º Ser assegurada aos senhorios e aos arrendatários igualdade de direitos perante os tribunais em matéria de recursos;
4.º Serem estabelecidas normas processuais mais rápidas e económicas para as questões simples de inquilinato;
5.º Proceder-se, sem prejuízo das providências urgentes atrás referidas, à codificação de ioda a legislação dispersa sobre inquilinato.
Os Deputados: Francisco do Melo Machado - João Antunes Guimarães - José Maria Braga da Cruz - Paulo Cancela de Abreu - Manuel Colares Pereira - A. Marques de Carvalho - Ricardo Spratley - Mário de Aguiar».