138 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 64
O Orador: - Já vimos a que atribuir o crescimento da circulação monetária propriamente dita. Vejamos agora a que atribuir o avanço da chamada circulação bancária, isto é, dos depósitos à ordem.
O aumento desta circulação só se tornou alarmante a partir de 1940, mas a verdade é que já vinha mais de trás. Se exceptuarmos o ano de 1938, em que os depósitos à ordem do público tiveram uma diminuição insignificante (de menos de 2 por cento), o montante destes depósitos cresceu sempre, e a soma desses aumentos desde o princípio de 1932 até o fim de 1938 foi de mais de 43 por cento. A guerra acelerou este movimento, mas não foi a sua causa primeira.
Para isolar esta, notemos que estes depósitos representam geralmente o fundo de maneio dos seus titulares, 110 gorai comerciantes e industriais. É sabido que em Portugal só estes depósitos contam, porque o resto é insignificante.
Consequentemente, em período normal, as oscilações dos depósitos à ordem serão inversas das dos stocks do comércio e da indústria. Quando haja um movimento geral de reforço dos stocks, o nível dos depósitos baixa e vice-versa. Este fluxo e refluxo dos stocks é sabido que é sazonário e cíclico, e por isso faz-se em volta de uma média, como é sabido.
Consequentemente, se se verificar um movimento muito prolongado da subida dos depósitos, há que ir buscar outras causas, porque estas não bastam, visto que os stocks não podem estar a diminuir indefinidamente. Os stocks que não puderem renovar-se logo se esgotarão. Os acréscimos dos depósitos nos anos de 1939 e 1940 ainda se podem explicar assim. Os dos anos seguintes não.
Também este acréscimo de depósitos pode ter resultado de capitais refugiados. É possível que assim seja em parte, mas em parte diminuta. Só durante a guerra e antes dela é crível que houvesse entrada de capitais fugitivos. Mas a verdade é que a guerra acabou e os depósitos à ordem continuaram a crescer no mesmo ritmo. Não. a causa principal é outra e está à vista.
Os grandes lucros do volfrámio, do estanho, das conservas e doutros produtos que mandámos para o estrangeiro, ao mesmo tempo que inundavam o País de notas, enchiam de lucros certos ramos de negócio. E foram esses lucros, ou, melhor, aquela parte de tais lucros que não era possível aplicar nem desbaratar, essa é que foi acumular-se nos depósitos bancários.
Mas não se julgue que essa chuva de lucros veio toda lá de fora, que seria grande engano. O lucro é a diferença entre o preço da venda e o da compra. Ora se a venda se fazia lá fora, a compra fazia-se cá dentro.
Um exemplo tornará este facto mais compreensível. Está na lembrança de todos que houve um período durante a guerra em que os produtos resinosos subiram extraordinariamente no mercado internacional. Como consequência, a procura da resina aumentou enormemente e o preço das sangrias foi subindo, até que chegou a 5$. Claro que, subindo o preço das sangrias, subiria o preço dos produtos resinosos no mercado interno, como não podia deixar de ser. E foi então que as camarilhas espalharam a ideia de que era preciso tabelar as sangrias para defender o consumidor da ganância dos donos dos pinhais. E as sangrias foram tabeladas a 1$80.
Com esta grande descoberta foi arrancada ao proprietário a quantia de 3620 por sangria, para a meter no bolso do intermediário, que viu os seus já grandes lucros no mercado externo aumentados de mão beijada na cifra espantosa de 178 por cento. Foi esta cornucópia de ouro despejada sobre a cabeça dos resineiros que fez a celebridade de um porqueiro, que se tornou fabulosamente rico não a vender porcos, mas a comprar resina.
Risos.
Este exemplo mostra que não foi só do mercado externo que provieram os lucros de guerra. Foi também e principalmente do mercado interno.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outro exemplo, para reforço da minha tese, é dado pelo que se está ainda passando com as lenhas e madeiras. Com o pretexto de fornecer aos caminhos de forro lenha barata, para estes se não verem forçados a aumentar as tarifas, tabelou-se o preço dos pinheiros e outras espécies próprias para lenha.
Era manifesto que, à sombra do decreto e da ignorância e timidez do nosso lavrador, com a capa da lenha seriam as matas desbastadas sem dó nem piedade, como sucedeu e está sucedendo. Mas ainda por cima o lavrador tem de ceder aos traficantes a lenha por 10 para estes a venderem logo ao lado por 20 ou 30. E isto fez-se, faz-se e há-de continuar a fazer-se com o pretexto de não deixar as companhias aumentar as tarifas, que elas de facto vão aumentando, como não podia deixar de ser.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Conversando sobre este caso das resinas e das lenhas, vai talvez para três anos, com um velho amigo que me está ouvindo, disse-lhe eu: "Este método de espoliação que está sendo aplicado às madeiras e que já foi aplicado às resinas tem a vantagem de ser geral e ainda o havemos de ver aplicado ao vinho. Verá que ainda hão-de tabelar o vinho na adega do lavrador, para o comprarem pelo preço da chuva e o venderem depois lá fora e cá dentro a peso de ouro".
Já está no começo o cumprimento desta profecia. Já está tabelado o preço do vinho em Lisboa e no Porto. Em breve se começará a dizer que falta o vinho nas duas capitais porque se paga melhor na província e que o remédio é tabelá-lo lá também. Em seguida o lavrador fechar-se-á com o vinho, que passará a faltar também na província, e vem então a oportunidade de lhe aplicar a receita já em uso para o azeite.
Mas, segundo me consta, não esperaram estes desaforados que o vinho faltasse no mercado para começar a campanha em favor do tabelamento do vinho na adega do lavrador. A campanha já começou através das camarilhas. Não tardará muito que saia à luz do dia.
Aqui fica o aviso ao público e ao Governo. Foi para o fazer, para arrancar a máscara a esses tartufos, que eu hoje subi os degraus desta tribuna, sabe Deus com que sacrifício... Mas as férias estão à porta e depois delas podia ser já tarde.
Mas não é só o lavrador que se vê obrigado a comprar caro e vender barato, pois o mesmo sucede com o trabalhador do campo, como vou mostrar a V. Ex.ªs
Tenho presente uma exposição, muito elucidativa, de um oficial do exército residente no Alentejo sobre a situação financeira dos trabalhadores do campo naquela parte do País. Conhecedor das rações e equivalências dos géneros alimentícios adoptados no exército, o autor fez o cálculo do custo da alimentação diária de um homem em 1914 e em 1945 (Dezembro). Abateu o custo do sustento ao jornal, para obter a sobra diária. Por fim calculou quantos dias precisava de trabalhar, numa e noutra data, para comprar um par de botas de cano, um chapéu de feltro e um fato. Achou os seguintes resultados :
Em 1914:
Jornal ...................... $30
Sustento .................... $15(1)
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Sobra ....................... $14(9)
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